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Veleiro brasileiro com família inteira a bordo lidera corrida no Atlântico
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Segundo o último Censo do IBGE, o Brasil possui perto de 70 milhões de famílias.
Mas, neste momento, nenhuma outra está fazendo o que os Hutzler, de Recife (pai, Hans; mãe, Karina; e filho Felipe, de apenas 10 anos de idade) estão fazendo: correndo contra o tempo, no meio do oceano Atlântico, na maior e mais famosa corrida de barcos à vela do Hemisfério Sul do planeta, a Cape to Rio, entre a África do Sul e o Brasil.
E com chances reais de vencer a prova.
Família pernambucana
A competição começou na última segunda-feira, na Cidade do Cabo, e só terminará no Rio de Janeiro, possivelmente no próximo fim de semana, quando o primeiro barco cruzar a linha de chegada — que os Hutzler (que, apesar do nome, são tão pernambucanos quanto um bolo de rolo) esperam que seja o deles.
Por enquanto, está indo tudo bem para a família pernambucana na competição.
Beneficiados por usarem um catamarã (barco com dois cascos, bem mais ágil e veloz do que os veleiros convencionais), eles largaram na frente e seguem liderando a competição, embora perseguidos bem de perto pelo segundo colocado, o também catamarã Nohri, conduzido por uma equipe profissional, formada por quatro velejadores americanos, com os quais os brasileiros vêm alternando a liderança, desde o começo da prova (clique aqui para a ver a situação atual dos barcos, em tempo real).
Um dos tripulantes é uma criança
No barco, os Hutzler contam com a ajuda de três amigos, também brasileiros: os experientes velejadores Pierre Joullié, Rafael Chiara e Claudio Teixeira.
Mas o capitão é mesmo o patriarca da família, Hans Hutzler, que este ano também venceu a principal regata oceânica do Brasil, a Refeno, entre Recife e Fernando de Noronha, navegando sozinho o mesmo barco que agora compete com a família - inclusive o filho caçula, de apenas 10 anos de idade.
Já atravessaram o Atlântico
É a primeira vez que a família inteira compete em equipe, mas não a primeira que os Hutzler atravessam, juntos, o Oceano Atlântico.
Dois anos atrás, quando o catamarã da família ficou pronto, na França, eles vieram navegando com o barco - que tem 15 metros de comprimento e foi batizado de Aventureiro 4 - da Europa para o Brasil, ao longo de 23 dias no mar - mais até do que agora pretendem levar na travessia da África do Sul para cá.
"Se os ventos continuarem do jeito que estão, a travessia deverá durar uns 15 dias", previu, na largada, a mãe e esposa Karina Hutzler, que, a bordo do barco da família, desempenha diversas funções: entre elas, ajudar nas constantes trocas de velas, publicar informes diários sobre o avanço do barco na internet (clique aqui para acompanhar o deslocamento do barco brasileiro em tempo real e ler o seu Diário de Bordo), e até dar aulas particulares ao filho, durante as travessias mais longas, como essa.
Mergulho no meio do oceano
No caminho de ida para a competição, entre Recife e a Cidade do Cabo, os Hutzler levaram 18 dias no mar, mas aproveitaram para se divertir: pararam para mergulhar no meio do oceano ("Uma experiência inesquecível", segundo Karina), e o pequeno Felipe, que apesar da pouca idade já soma 20 000 milhas navegadas (e, com a ajuda da mãe até escreveu um livro sobre isso, o divertido "Velejando de Cueca), se distraiu lançando garrafas com mensagens ao mar, em quatro idiomas, na esperança de que quem as encontrar entre em contato.
Velejam dia e noite sem parar
Na atual travessia, no entanto, não haverá tempo para paradas nem brincadeiras.
"Embora longa, a Cape to Rio é uma regata difícil e muito disputada", diz o capitão Hans. "Qualquer bobeada pode custar a vitória.
Por isso, além da segurança, navegamos com um só objetivo: velejar o mais rápido possível. Dia e noite, sem parar.
Zona de calmarias
Mas nem sempre a natureza colabora.
Nos próximos dias, o barco da família pernambucana deverá penetrar em uma zona do Atlântico famosa pelos ventos fracos e irritantes para qualquer navegador - e isso exigirá ainda mais sensibilidade na escolha da melhor rota e das velas mais adequadas a cada situação.
'Não adiar os sonhos'
A sorte é que Hans Hutzler, que trabalha como prático no porto de Recife, conduzindo grandes navios, é um especialista no assunto.
Na última edição da Cape to Rio, três anos atrás (a primeira na qual ele participou), sua função foi justamente a de traçar a rota do veleiro no qual estava, do brasileiro Pierre Joullié, agora tripulante do barco da família pernambucana.
Hans gostou tanto da experiência que foi o primeiro competidor a se inscrever para a atual edição da regata.
"Fiz a inscrição antes mesmo de comprar o barco", diverte-se.
"A vida tem que ser vivida com intensidade. Não podemos adiar nossos sonhos, porque não sabemos se teremos tempo de realizá-los", explica.
Outro barco brasileiro
Além do barco da família Hutzler, outro veleiro brasileiro participa da competição: o Audaz II, do paulista Gustavo Erler Lis, que também vem bem na competição.
Mas como seu barco não é um catamarã, Gustavo tem poucas chances de ser o primeiro a cruzar a linha de chegada, dentro de alguns dias, no Rio de Janeiro, embora a regata também tenha um sistema de compensação matemática entre os diferentes tidos de barcos, a fim de tornar a disputa mais justa e equilibrada - e uma premiação à parte para as duas categorias.
Único prêmio é um troféu
Contudo, como na grande maioria das regatas, não há prêmios em dinheiro aos vencedores da Cape to Rio. Apenas um bonito troféu, com algumas partes banhadas a ouro.
Nas 16 edições já disputadas desta regata, o Brasil, mesmo sendo sede da chegada, venceu apenas duas vezes: em 2006, com o trimarã baiano Adrenalina Pura, e no ano passado, com o veleiro brasileiro/angolano Mussulo, que tinha apenas dois tripulantes: um do Brasil, outro de Angola.
Seria até a Austrália
A regata Cape to Rio foi criada, pelo Yacht Club da Cidade do Cabo, 50 anos atrás, em 1973, para estimular os velejadores sul-africanos a navegar no oceano.
A ideia era criar uma regata de longo percurso, que levasse os participantes da África do Sul para outro porto bem distante.
A princípio, os organizadores pensaram na Austrália. Mas seria uma competição longa e desgastante demais.
Além disso, a Austrália já sediava uma regata mundialmente famosa, a Sydney - Hobart, famosa por ser uma das mais difíceis do mundo: sua edição de 1998 terminou em tragédia, com 80 pedidos de socorro e seis mortos — clique aqui para ler esta terrível história.
Rio, por razões históricas
O Rio de Janeiro, então, acabou sendo escolhido porque ficava do outro lado ao Atlântico (portanto, distante mas não muito), em outro continente (o que dava um apelo ainda mais internacional à competição), possuía uma beleza natural que se assemelhava a da Cidade do Cabo, e tinha certa ligação histórica com a África do Sul, porque todas as caravelas portuguesas que partiam de Portugal rumo às Índias, no passado, passavam por lá (o histórico Cabo da Boa Esperança fica exatamente na Cidade do Cabo), após atravessarem o Atlântico a partir da costa brasileira.
Hoje, a regata, que é disputada a cada três anos, reunindo barcos do mundo inteiro (este ano, são 16), refaz o caminho das caravelas, só que no sentido inverso.
6 300 km de mar
A Cape to Rio tornou-se, também, a mais longa competição de barcos à vela do Hemisfério Sul, com cerca de 6 300 quilômetros de extensão, dependendo a rota escolhida por cada barco, já que o roteiro é livre.
A rota mais longa, subindo até quase o Nordeste brasileiro, costuma brindar os competidores com ventos mais fortes, enquanto que o caminho mais curto, e reto, leva diretamente ao Rio de Janeiro, mas é bem mais sujeito a ventos brandos e calmarias - uma decisão estratégica sempre difícil.
Por enquanto, os dois barcos que disputam a liderança - o brasileiro e o americano -, seguem no mesmo rumo, brigando por cada palmo d´água.
E, talvez, continuem assim até o final.
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