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Cadáver à deriva: caso de velejador achado morto no RN ainda tem mistérios
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No dia 7 de maio do ano passado, três pescadores de Natal, no Rio Grande de Norte, avistaram um veleiro danificado à deriva, quando pescavam a cerca de 25 quilômetros da costa.
Intrigados, eles se aproximaram, e, após se certificar de que não havia ninguém a bordo, entraram no barco, que estava em péssimo estado, com o mastro caído, o leme quebrado e evidentes sinais de que jazia no mar há bastante tempo.
Dentro do veleiro, os pescadores encontraram o cadáver de um homem, já em avançado estado de decomposição, o que comprovava que o quer que tivesse acontecido com ele — e com aquele barco —, ocorrera muito tempo antes.
Mas, o quê?
O que teria causado a morte daquela pessoa, que jazia, reduzida a pelo e osso, no assoalho da cabine de um barco à vela seriamente avariado?
Começava ali um mistério que até hoje, mais de oito meses depois, a Polícia brasileira ainda não sabe explicar.
O que diz a PF
Questionada, a Polícia Federal de Natal, a quem coube a investigação, informou, esta semana, que "o inquérito ainda não foi concluído porque aguarda os laudos periciais da embarcação" — embora esta perícia tenha sido feita pela própria Polícia Federal.
Já o Itep — Instituto Técnico-Científico de Perícia da capital potiguar, órgão que fez a necropsia no corpo encontrado no barco, informou, também esta semana, que "após confirmar a identidade da vítima através de exames de DNA com familiares" (algo fácil, já que junto ao cadáver estava o passaporte e a carteira de identidade do italiano Stefano Magnani, de 52 anos, residente na pequena cidade de Bellaria-Igea Marina, na Itália), emitiu um laudo", que apontou a causa da morte como sendo "desnutrição e desidratação extrema".
Em seguida, entregou os restos do velejador a "um sobrinho" da vítima, que os levou de volta para a Itália, onde o corpo foi cremado e enterrado, três meses depois.
Falta explicar o motivo
Ou seja, tanto o nome quanto a causa da morte do suposto único ocupante daquele veleiro (não se sabe se havia mais pessoas a bordo, embora nada indicasse isso) nunca foram nenhum mistério.
Mas resta saber o que aconteceu no mar com aquele barco, que resultou na morte do italiano.
E é isso o que a polícia brasileira ainda não apontou, meses depois.
"As evidências até aqui levantadas indicam morte por inanição, mas só após a conclusão do inquérito a PF poderá se pronunciar sobre este caso", informa o porta-voz da Polícia Federal de Natal, acrescentando que isso não tem prazo para acontecer, "pois depende das conclusões da perícia feita no barco".
Barco está abandonado em Natal
Enquanto isso, desde então, o veleiro Mona-Mi F.S, de 12 metros de comprimento, registrado na cidade sueca de Falkenberg (embora o seu dono fosse italiano), segue amarrado a uma boia do Iate Clube de Natal, para aflição do comodoro do clube, que não vê a hora de se livrar daquele incômodo e sinistro barco, cada dia mais deteriorado pelo tempo e abandono.
"Nunca ninguém nos procurou para resolver a questão da remoção do barco", diz o comodoro do clube, Kaleb Campos Freire. "Nem da família, nem da Polícia, nem do Consulado da Itália. E nós não podemos fazer nada".
Consultado, o Consulado da Itália em Recife, que vem intermediando o caso com a família da vítima, também não quis se pronunciar sobre o que será feito do veleiro, embora a legislação brasileira determine que barcos estrangeiros têm prazo legal para deixar o país.
"A família não pretende fazer declarações", informou, laconicamente, o Consulado italiano.
O que pode ter acontecido?
Apesar da demora da Polícia Federal em finalizar o inquérito — e a dificuldade que sempre é solucionar casos ocorridos no mar, sem testemunhas —, não é difícil deduzir o que pode ter ocorrido com o infeliz velejador italiano, pelas pistas que o próprio veleiro exibia ao ser encontrado: seu leme estava quebrado e faltava-lhe o mastro, equipamento tão imprescindível em um barco movido à vela quanto o motor em um automóvel.
O mais provável é que o mastro tenha caído durante uma tempestade, como sugerem os cortes feitos nos cabos de aço que sustentavam a peça, que ainda jazem no convés do barco abandonado.
Quando o mastro de um veleiro desaba, a primeira providência de qualquer velejador experiente (como parecia ser o caso de Magnani, a julgar pela quantidade de ferramentas que havia a bordo) é justamente cortar os cabos de aço que sustentavam a peça, para que o peso inerte da peça não afunde o próprio barco. E isso foi feito.
Captou água da chuva
Habilidoso, o velejador italiano, que era motorista de profissão e tinha duas filhas, também improvisou um sistema de captação de água da chuva, quando se esgotou o estoque de água potável que havia no tanque do barco.
Contudo, aparentemente, ele não tentou improvisar uma forma de velejar sem o mastro, como é comum nesses casos.
Ao contrário, a vela principal do barco, embora rasgada, jazia caída sobre o convés, quando o barco foi encontrado.
Leme também quebrado
A explicação para esse estranho fato poderia estar em outro equipamento fundamental — e igualmente danificado — que havia no veleiro do italiano: o leme, que dá direção à embarcação.
O leme do barco também estava quebrado, o que pode ter tornado inútil a eventual ação de uma vela improvisada.
Possivelmente, a quebra do leme deve ter ocorrido após a queda do mastro, quando o barco ficou à mercê das ondas nem sempre tranquilas do oceano.
E, sem mastro nem leme, não há como dar movimento nem direção a um veleiro.
Foi quando deve ter começado o calvário do velejador italiano, condenado a uma morte agoniante e dolorosa, por falta de água e comida no barco.
Não tinha mais combustível
Quando o barco foi encontrado, também não havia mais combustível no tanque, embora o motor estivesse em perfeito estado — sinal de que a vítima tentou avançar, até que o combustível acabou.
Sem o motor, Magnani perdeu, também, a capacidade de recarregar as baterias do barco, responsáveis, entre outras coisas, por manter funcionando os equipamentos de comunicação.
O resultado dessa somatória de infortúnios foi a lenta morte por inanição, já que a necropsia do corpo não apontou nenhuma lesão causada por acidente ou problema de saúde.
Ao que tudo indica, o velejador italiano secou e definhou até morrer. Mas a Polícia ainda não concluiu por quê?
Outro caso ainda não explicado
A letargia em inquéritos desse tipo parecem ser prática usual na Polícia brasileira.
Em março de 2021, uma canoa com três corpos, dois homens e uma mulher, todos também em avançado estado de putrefação, foi dar na costa do Ceará, após ter, ao que tudo indica, cruzado todo o Atlântico à deriva, desde a África, como comprovavam objetos encontrados no barco — entre eles, uma carteira com cartões bancários de bancos africanos, cédulas de dinheiro da Mauritânia, Togo e Mali, e até dois números de telefone.
Mesmo assim, até hoje, a Polícia Federal do Ceará ainda não concluiu o inquérito, que está sob a responsabilidade do delegado Thiago Monjardim Santos.
Consultada, a entidade limitou-se a informar que o "inquérito continua em andamento", e negou mais informações (quem eram aquelas três pessoas? O que aconteceu com elas?), evocando o "sigilo legal" da investigação - que, aparentemente, não avançou nada em quase dois anos.
Família nada diz
No caso do veleiro do italiano, quando barco foi vistoriado pela Polícia Federal, nenhum grão de alimento a bordo foi encontrado.
Até a ração de sobrevivência da balsa salva-vidas, equipamento que todo barco que faz travessias oceânicas possui, havia sido extraída e consumida pela desesperada vítima, da qual pouco se sabe, além do nome - porque a família nada diz.
Nem mesmo quando teria sido o último contato com a vítima, se Magnani estava sozinho no veleiro, de onde vinha e para onde seguia.
Deve ter vindo da África
Certo é que o barco do italiano estava fazendo a travessia do Atlântico, talvez rumo ao Brasil ou de volta à Europa, já que o ponto onde foi encontrado pelos pescadores faz parte de uma poderosa corrente marítima, que vem desde a costa da África, ponto mais provável da partida do barco.
Tampouco se sabe quando a viagem teria começado, embora, pelo estado do barco, é certo que tenha sido muito tempo antes de ser encontrado.
Morto há dois meses
Na necrópsia, os técnicos do Itep estimaram que a morte do velejador ocorreu "cerca de dois meses antes de o cadáver ser encontrado", embora o martírio do velejador deva ter começado bem antes disso, quando acabou a água e a comida.
"Ele estava quase mumificado", confirmou, na ocasião, o pescador que resgatou o barco, ao repórter Paulo Nascimento, de TAB, o primeiro a noticiar o fato, no dia seguinte ao achado.
"O cheiro dentro do barco era insuportável", disse o pescador que fez o resgate do veleiro, agora abandonado diante do Iate Clube de Natal, como única testemunha de uma morte, que, talvez, nunca a venha a ser totalmente explicada.
Como o italiano Stafano Magnani morreu, já se sabe. Resta saber por quê?
E é isso que a Polícia brasileira ainda concluiu, oito meses depois.
Virou múmia
Processos de quase mumificação do corpo humano por conta da desidratação extrema do organismo, são raros, mas não inéditos - mesmo no mar.
O fato mais impressionante do gênero, aconteceu sete anos atrás, com o também velejador alemão Manfred Fritz Bajorat, cujo corpo foi encontrado dentro de seu barco, em perfeitíssimo estado - até com os cabelos penteados --, embora tivesse morrido muitos meses antes -- clique aqui para conhecer este impressionante caso.
Só que, no caso do velejador alemão, a causa da morte foi um fulminante ataque cardíaco, que ao menos o poupou do sofrimento de uma morte em camera lenta por inanição, como aconteceu com o infeliz italiano que foi dar no litoral do Rio Grande do Norte, oito meses atrás.
E que, até hoje, a Polícia brasileira não explicou por quê.
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