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Marinha recebe proposta de venda do porta-aviões, mas deve afundá-lo amanhã
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A Marinha do Brasil recebeu, no início da tarde de ontem, uma proposta de compra do ex-porta-aviões São Paulo, que há quase seis meses vaga no mar e que tenciona afundar.
A proposta veio de uma empresa de desmanche de navios da Arábia Saudita, pertencente ao grupo árabe Sela, e foi feita através do advogado brasileiro Alex Christo Bahov, nomeado como intermediário na transação, que atua neste complicado caso desde o início — clique aqui para entender como a venda do ex-porta-aviões brasileiro se tornou uma novela repleta de absurdos.
A proposta foi de R$ 30 milhões, três vezes mais do que a empresa turca Sök Denizcilik Tic pagou pela sucata do ex-porta-aviões no leilão, promovido pela Marinha do Brasil.
No entanto, até o momento, a Marinha não respondeu a proposta, e aparentemente já decidiu o destino do ex-porta-aviões: ele deve ser afundado nas primeiras horas de amanhã, com explosivos, de maneira controlada, a cerca de 200 quilômetros da costa brasileira, em um local onde a profundidade beira os 5 000 metros, mas dentro da chamada ZEE— Zona Econômica Exclusiva, área de águas internacionais com exploração comercial brasileira e severas obrigações na área ambiental — o que, a princípio, parece incompatível com o afundamento proposital de um navio que contenha material tóxico a bordo, como é o caso do ex-porta-aviões brasileiro.
Crime ambiental
A presença de substâncias altamente tóxicas na estrutura do navio (como PCB, bifenilo policlorado, no Brasil mais conhecido como Ascarel, composto químico com altos danos à saúde, que não dissolve na água e é transmitido às pessoas através de alimentos, como peixes, além de amianto, material mundialmente condenado, cuja real quantidade dentro do navio não é sabida) foi o motivo pelo qual o governo da Turquia, para onde o navio seria levado para desmanche, não aceitou recebê-lo.
Caso a decisão da Marinha de afundá-lo nesta madrugada seja mantida — e a proposta de compra dos árabes ignorada ou recusada —, todo esse material irá parar no fundo do mar, bem diante da costa brasileira, o que revolta as entidades ambientalistas.
"A Marinha brasileira está se preparando para cometer um crime ambiental de grandes proporções no mar", alertou, na semana passada, o diretor da organização Basel Action Network, Jim Puckett.
"Se o ex-porta-aviões for afundado, isso equivaleria a um crime ambiental patrocinado pelo Estado brasileiro", vai ainda mais longe a organização Shipbreaking Platform, que monitora a questão do desmanche consciente de navios, no mundo inteiro.
O que diz o Ibama
O eventual naufrágio do ex-porta-aviões também preocupa seriamente o Ibama, que diz que o material tóxico existente na estrutura do navio, entre eles o amianto, não oferece riscos diretos ao meio ambiente, "a não ser que a embarcação afunde" — e esta parece ser a única alternativa, caso a venda não seja aceita.
"Em resposta ao nosso ofício, a Marinha informou, nesta segunda-feira, ter identificado, com base em estudos realizados pelo seu Centro de Hidrografia, um local que permitiria o afundamento do ex-porta-aviões com redução de potenciais impactos ambientais. Estamos buscando informações mais detalhadas sobre este estudo, a fim de conhecer o mapeamento do fundo do oceano, de modo a avaliar possíveis impactos ambientais decorrentes do afundamento", disse o órgão, em comunicado enviado à coluna, na noite de ontem.
Também a Ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, demonstrou preocupação com o tema, ao saber das intenções da Marinha, já que faz parte de um novo governo que chega ao poder levantando, também, a bandeira da defesa do meio ambiente.
Proposta sem resposta
A decisão da Marinha de afundar o velho ex-porta-aviões seria consequência da degradação que o navio vem sofrendo, após quase seis meses sendo rebocado pra lá e pra cá no mar, desde que sua frustrada ida para o desmanche foi abortada, quando o comboio que o rebocava já estava do outro lado do Atlântico.
Com a negativa do governo turco, o comboio retornou ao Brasil e a compradora do navio acabou renunciando, unilateralmente, a sua posse em favor da própria Marinha, que, a contragosto, recebeu o navio de volta, dez dias atrás.
A proposta de compra do ex-porta-aviões pelo grupo árabe foi enviada ao alto comando da Marinha, com cópias para o Ministério do Meio Ambiente e Ibama, mas, até agora, não teve resposta.
Não sabe o que fazer com o navio
"Isso é ruim, porque, a cada hora que passa, o estado do navio fica mais comprometido", diz o advogado Christo Bahov.
"É preciso agir rápido. Se a Marinha aceitar a proposta, em 72 horas uma equipe internacional de salvatagem, contratada pelo meu cliente, entrará a bordo do porta-aviões, para avaliar as ações necessárias, reparar o navio, limpá-lo e, depois, levá-lo embora do Brasil".
"Será um favor para a Marinha, que não sabe o que fazer com o navio", diz o advogado, que segue aguardando uma resposta e torcendo para que a Marinha mude seus planos de afundar deliberadamente o ex-porta-aviões, de 266 metros de comprimento - e que já foi o maior navio do Brasil -, nas primeiras horas da manhã desta quarta-feira, a despeito do que há dentro dele.
A proposta dos árabes
Pala proposta, o grupo árabe assumiria "todo e qualquer custo operacional com eventuais reparos estruturais no navio, retirada de resíduos tóxicos e transporte para um estaleiro de desmanche com certificação internacional".
"Meu cliente está ciente dos problemas e dos elevados custos de toda essa operação, que, só em transporte, custará cerca de R$ 50 milhões", diz o advogado que representa a empresa interessada no negócio.
"Mas, dinheiro, não é exatamente um problema para eles", diz o advogado.
Outro "São Paulo" afundou no passado
Se a proposta árabe não for aceita e o ex-porta-aviões for afundado pela Marinha do Brasil, será a segunda vez que um grande ex-navio da corporação acabará no fundo do oceano - e, desta vez, por decisão própria.
O primeiro foi o encouraçado "São Paulo" (ironicamente, mesmo nome do atual ex-porta-aviões), que desapareceu no meio do Atlântico, em 1956, quando também era rebocado rumo a um desmanche na Europa, causando a morte de oito tripulantes — clique aqui para conhecer esta história.
Caso seja mantido, a única vítima do afundamento ex-porta-aviões São Paulo, que vêm sendo rebocado no mar sem ninguém a bordo, será o meio ambiente marinho.
"Vender o porta-aviões e se livrar do problema seria a melhor coisa que poderia acontecer para a Marinha do Brasil. Do contrário, se afundá-lo, ela será vista como vilã ambiental, no mundo inteiro", conclui o advogado.
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