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A quem fez bem afundar o porta-aviões brasileiro?
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O afundamento, proposital, do ex-porta-aviões São Paulo, da Marinha do Brasil, no final da tarde de ontem, é um daqueles episódios tão absurdos que nenhuma explicação baseada no bom senso consegue convencer.
Não pelo afundamento em si do navio, "planejado e controlado", como disse a Marinha, em nota, logo após encher a maior embarcação militar que o país já teve de bombas e consumar o ato, a 350 quilômetros da costa brasileira.
O afundamento intencional de velhos navios militares não é fato inédito, e, no passado, já foi perpetrado por vários outros países bem mais evoluídos que o Brasil.
O que causa perplexidade é que, no caso do ex-porta-aviões brasileiro, isso foi feito mesmo sabendo-se o que havia nele: uma quantidade não sabida de material tóxico, entre eles toneladas de amianto, material cancerígeno mundialmente banido, e, muito provavelmente, também PCB, um composto químico que é pior ainda, porque não dissolve na água e é transmitido às pessoas através da ingestão de alimentos, como os peixes.
Afundar no mar (um elemento da natureza, que, por suas características, espalha tudo o que nele é injetado por todo o planeta, já ocupa dois terços dele) um navio com o tamanho de dois campos e meio de futebol, tendo a consciência de que no seu interior há substâncias daninhas e perigosíssimas a todos os seres vivos — humanos incluídos —, beira a irracionalidade.
Como explicar isso à humanidade? Pois é o que a Marinha do Brasil, agora, terá que fazer.
Na verdade, julga que já fez: "O alijamento do ex-Navio Aeródromo São Paulo ocorreu com especial atenção para a mitigação de impactos à saúde pública, atividades de pesca e ecossistemas", disse, também em nota, o órgão máximo marítimo brasileiro, julgando que, com isso, a questão está explicada e ponto.
Mas não.
Além da justificada gritaria mundial dos órgãos ambientalistas, que sempre pregaram a reciclagem de navios de forma adequada e sustentável, e da (má) notícia que hoje circula nos grandes jornais do mundo, maculando a imagem do Brasil como país novamente comprometido com a preservação do meio ambiente (a Ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, ainda não disse nenhuma palavra pública sobre o caso), será preciso explicar a todas as pessoas razoavelmente conscientes do planeta o por que da necessidade de jogar no mar algo que poderia ser adequadamente retirado e processado em terra-firme — uma vez que a humanidade evoluída já criou métodos para isso.
Se nem a Turquia, país no qual o ex-porta-aviões seria desmanchado de maneira correta, em um estaleiro credenciado, aceitou fazer isso, por temer a quantidade não sabida de material tóxico existente a bordo, como a Marinha do Brasil teve a desfaçatez de dar cabo do velho navio simplesmente afundando-o no mar?
A resposta não é tão simples assim.
Até porque, como acontece em todas as questões conflituosas, a primeira vítima é sempre a verdade — e, neste caso, também o meio ambiente.
A Marinha acusa a empresa turca que comprou o navio — mas, depois, desistiu do bem, por não conseguir levá-lo para desmanche na Turquia, e passar meses aguardando autorização para pará-lo em algum porto brasileiro —, de não ter cumprido os requisitos necessários para "reentrar em águas brasileiras".
Já os turcos se defendem dizendo que precisam parar o navio em algum porto, mas a Marinha não deixava, em um interminável bate-boca, digno de novela das 8 — clique aqui para conhecer o imbróglio que norteou os últimos seis meses de vida do ex-porta-aviões brasileiro, que ninguém queria receber.
No entanto, para o meio ambiente, pouco importa com quem está a verdade.
O que não poderia acontecer foi justamente o que foi feito: afundar o navio.
É certo que a empresa turca tentou transferir responsabilidades que eram suas para a Marinha brasileira. Mas esta não poderia, deliberadamente, ter afundando um navio com substâncias perigosas dentro dele.
Também causa estranheza a celeridade com que o afundamento foi feito.
O navio foi explodido apenas um par de horas após a Justiça negar uma liminar pedida pelo Ministério Público, que pleiteava a suspensão da operação, concedendo à Marinha o direito de fazer o que bem entendesse com o navio — "Embora o afundamento seja uma solução lamentável e trágica", como escreveu, com alguma sensatez, o magistrado que julgou o caso, no despacho que selou o fundo do mar como destino inexorável do ex-porta-aviões.
Por que tamanha pressa em afundar o navio?
Por que não levá-lo para uma base naval, para os reparos necessários, antes de revendê-lo?
Por que ignorar a proposta de compra feita por um grupo árabe, que, inclusive, assumiria o custo do reparo?
A Marinha, certamente, tem seus argumentos e motivos.
Mas nenhum deles justifica o que foi feito.
Ao longo da História, o mar sempre foi usado para ocultar crimes hediondos.
Este foi mais um deles. Agora, contra o meio ambiente.
Ou seja, contra todos nós.
Um típico caso em que todos saem perdendo: a empresa turca que comprou e não levou; o ex-soldado que queria transformar o navio em museu e viu seu sonho — literalmente — naufragar; os árabes que ficaram a ver navios com a proposta milionária que fizeram; a humanidade que ganhou um mar ainda menos saudável, e até a própria Marinha, em imagem.
Um dia após a sua festiva data, Iemanjá, Rainha do Mar, recebeu um presente de grego no mar brasileiro: um navio contaminado.
Cabe, agora, protestar e investigar, por que isso, afinal, precisou ser feito?
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