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Histórias do Mar

REPORTAGEM

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Da guerra para a glória: como um barco nazista virou símbolo dos EUA

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Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

13/04/2023 04h00

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No final da década de 1930, o partido nazista estava em franco crescimento na Alemanha. E seu líder supremo, Adolf Hitler, não perdia uma oportunidade de fortalecer ainda mais a sua popularidade.

Assim sendo, em setembro de 1936, ele foi pessoalmente a um estaleiro na cidade portuária alemã de Hamburgo, para a cerimônia de lançamento da mais nova — e impactante — embarcação da Kriegsmarine, a Marinha de Guerra da Alemanha: um vistoso veleiro de três mastros (cada um deles com a altura de um prédio de 15 andares) e casco de aço com o comprimento igual ao de um campo de futebol, que seria dedicado ao treinamento de novos marinheiros, e que fora batizado com o nome do mártir da milícia nazista, Horst Wessel.

A presença de Hitler na cerimônia repercutiu em toda a Alemanha, e despertou sentimentos ufanistas de patriotismo entre os admiradores do nazismo, dada a imponência do barco recém-construído - o mesmo que, hoje, 87 anos depois, ainda arranca aplausos por onde passa.

Mas, agora, sob outra bandeira, com outro nome e, ironicamente, nas mãos dos maiores inimigos de Hitler na Segunda Guerra Mundial, quando o Horst Wessel entrou em ação: as forças armadas dos Estados Unidos.

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Imagem: USCG

O lindo veleiro que fez Hitler sair do seu quartel-general, em Berlim, para ir pessoalmente inaugurá-lo, ainda navega com o mesmo propósito (treinar futuros oficiais da Marinha) e desperta fortes sentimentos de orgulho e admiração. Mas, agora, em vez da suástica nazista, ostenta uma enorme bandeira americana.

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Imagem: USCG

O veleiro tanto admirado por Hitler virou — quem diria? — o barco-símbolo dos Estados Unidos.

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Imagem: USCG

Como ele foi parar nos EUA?

Confiscado ao final da Segunda Guerra Mundial, como prêmio de compensação, e rebatizado USCG Eagle, o ex-veleiro nazista é, desde então, a nau capitânia da Guarda Costeira Americana, e o mais emblemático barco dos Estados Unidos — uma espécie de monumento vivo, além de ser um dos dois únicos veleiros ainda em uso nas forças armadas do país.

"O Eagle não navega", define um dos muitos entusiastas do lendário barco, que mudou radicalmente de lado. "Ele desfila" — e um desfile que sempre embute sentimentos de vitória.

Passageiros famosos

Na Guarda Costeira Americana, o USCG Eagle ainda desempenha as mesmas funções para as quais foi construído, sob as ordens de Hitler: serve para treinamento de futuros oficiais da marinha, além de representar o país em eventos marítimos mundiais.

Desde 1946, quando foi incorporado à Marinha Americana, todo novo cadete aprende a velejar — à maneira antiga, puxando cabos e erguendo velas — no USCG Eagle, o que o torna uma espécie de pré-escola da maior marinha do mundo.

Por ele também já passaram alguns presidentes americanos, como Harry Truman, Richard Nixon e John Kennedy, além de personalidades como Walt Disney.

Troféu de guerra

O reluzente veleiro também já deu a volta ao mundo navegando, como uma espécie de embaixada americana flutuante, a fim de estreitar relações com outros países, além de participar de regatas comemorativas.
Como quando participou, ao lado de outros dez grandes veleiros das marinhas dos países sul-americanos - como o navio-escola "Cisne Branco", do Brasil - das comemorações dos 200 anos da independência do Chile e da Argentina, em 2010.

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Imagem: USCG

"O Eagle não é apenas um barco", diz outro dos milhares de admiradores do grande veleiro, nos Estados Unidos. "É um troféu de guerra, pela vitória contra o nazismo".

E não deixa de ser verdade.

Maracutaia para ficar com o barco

Em 1945, com o fim da Segunda Guerra Mundial, o então veleiro Horst Wessel foi apreendido pelos ingleses e entrou na lista dos despojos do conflito que estavam sendo divididos — no seu caso, amplamente disputado — entre os Aliados.

Reza a lenda que sua destinação para os Estados Unidos foi fruto de uma artimanha política.

Em um sorteio realizado entre comandantes das forças armadas americanas, inglesas e russas (que teria sido feito com simples papeizinhos dentro de um chapéu), a posse do barco teria cabido à Rússia.

Mas, em seguida, por meio de uma negociação paralela, os americanos teriam "herdado" o barco dos russos, e o levado para os Estados Unidos - uma viagem repleta de simbolismos.

Tripulação alemã e americana

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Imagem: USCG

A travessia do já rebatizado USCG Eagle ("Águia", em inglês, ave símbolo dos Estados Unidos) para a América (o novo nome do barco não deixou de ser uma coincidência, pois o original Horst Wessel já ostentava a figura de uma águia, também símbolo nazista, sob o mastro de proa, que é mantida até hoje) aconteceu no ano seguinte, em junho de 1946, com a tripulação americana sendo auxiliada pelo ex-capitão alemão da embarcação, Barthold Schnibbe, além de alguns marinheiros originários do famoso barco.

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Imagem: USCG

Os marinheiros alemães desembarcaram poucos antes de o veleiro chegar à costa americana, mas o capitão Schnibbe seguiu em frente, até o porto, onde foi recebido com respeito.

Schnibbe, no entanto, não permaneceu nos Estados Unidos, ao contrário do que fizeram muitos outros oficiais da antiga marinha nazista, ao final da guerra.

Um deles foi o condecorado comandante de submarinos alemães U-boat, Herbert Werner, que mesmo tendo afundado dezenas de navios Aliados durante os combates (com um número expressivo de mortes), virou cidadão americano e viveu tranquilamente nos Estados Unidos até sua morte, dez anos atrás — clique aqui para ler esta história.

Timão que Hitler tocou

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Imagem: USCG

Na histórica travessia do USCG Eagle entre o porto alemão de Bremerhaven e os Estados Unidos (considerada pelos americanos como "viagem inaugural" do barco), a tripulação meio alemã meio americana enfrentou até um furacão na passagem do Atlântico, mas o veleiro chegou intacto à escola naval de New Londow, em Connecticut, sua base até hoje.

Décadas depois, em 1972, a pedido do governo alemão, o USCG Eagle retornou pela primeira vez à Alemanha, para participar de uma regata festiva no porto de Kiel, que ele visitara inúmeras vezes, ainda sob o comando nazista, e o nome Horst Wessel — mas já com o escudo da Guarda Costeira americana no lugar da antiga suástica.

Mesmo assim, até hoje, o timão do USCG Eagle guarda inscrições originais alemãs (agora escondidas sob uma placa de latão, com dizeres da Guarda Costeira Americana), como uma lembrança dos tempos em que o próprio Hitler (que chegou a navegar no barco, em 1938) o teria tocado.

Um barco, sem dúvida, histórico.

Mais velho ainda

Embora seja o mais emblemático, o USCG Eagle não é o único barco usado na Segunda Guerra Mundial que ainda navega - muitos outros continuam em atividade.

Mas nenhuma embarcação ex-combatente tem uma história tão longeva - e curiosa - quanto o MV Liemba, um velho navio alemão usado na Primeira Guerra Mundial, que até hoje, mais de um século depois, ainda transporta passageiros em um grande lago no coração da África, mesmo local onde combateu — e até afundou — durante o conflito, que terminou 105 anos atrás — clique aqui para ler esta interessante história.

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Imagem: Wikipedia