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Histórias do Mar

REPORTAGEM

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É o fim. Buscas por velejadores sumidos no mar do México são encerradas

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Imagem: Facebook/Reprodução

Colunista do UOL

22/04/2023 04h00

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18 dias atrás, três velejadores americanos, o casal Kerry O'Brien e Frank O'Brien, mais o amigo William Gross, todos com larga experiência em navegação, partiram da cidade turística de Mazatlán, na costa oeste do México, com destino a San Diego, na Califórnia, a bordo de um confiável veleiro de treze metros de comprimento, que conheciam muito bem.

Mas não chegaram nem à primeira escala prevista, que seria em uma marina do Cabo San Lucas, na ponta da península da Baja Califórnia, onde deveriam ter chegado dois dias depois, para repor suprimentos no barco.

Desde então, nunca mais se teve notícias do trio de velejadores, nem nenhum vestígio do barco foi encontrado no mar, apesar de a Marinha Mexicana, com apoio da poderosa Guarda Costeira dos Estados Unidos, ter passado 15 dias vasculhando a região, e checado uma área maior do que o estado da Califórnia.

Fim das esperanças

Na última quinta-feira, as autoridades jogaram a toalha e encerraram as buscas, acabando com as esperanças dos familiares dos desaparecidos de que eles ainda pudessem ser achados vivos.

"Infelizmente, não encontramos nenhuma evidência do paradeiro deles ou do que possa ter acontecido. Nossas mais profundas condolências às famílias e amigos", disse Gregory Higgins, comandante da Guarda Costeira Americana, que atuou intensamente nas buscas.

Mas em vão.

Navegadores experientes

A decisão de pôr um ponto final nas operações de buscas, no entanto, já era esperada.

Após mais de duas semanas do desaparecimento do trio, que havia partido no dia 4 deste mês da costa mexicana, as chances de os três americanos serem encontrados vivos já eram praticamente nulas, embora as famílias contassem com a experiência das vítimas para superar as adversidades de um provável naufrágio.

Resignação e inconformismo

"Embora jovens, minha filha e meu genro são capitães formados pela Guarda Costeira Americana há mais de 20 anos, e o amigo deles, William Gross, que foi convidado para ir junto na viagem, também é capitão há quase meio século. Portanto, experiência eles tinham de sobra. Mas reconheço que é praticamente impossível que ainda estejam vivos", disse, com um misto de resignação e inconformismo, a mãe de Kerry O'Brien, Ellen Argall, ao jornal americano Pittsburgh Post-Gazette.

"Tenho tentado me controlar, mas não saber o que aconteceu com eles é aflitivo demais".

Primeira vez que retornavam com o barco

O casal O'Brien, que morava no Alasca, mas, sempre que podia, costumava velejar pela costa sul dos Estados Unidos, já tinham feito aquela travessia entre San Diego a costa oeste Mexicana duas vezes.

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Imagem: Facebook/Reprodução

Mas aquela seria a primeira vez que retornariam com o barco, razão pela qual convidaram o amigo William Gross para ir junto, já que o caminho de volta costuma ser mais difícil, por conta das correntes marítimas contrárias.

"Minha filha estava entusiasmada com a viagem de volta. Ela me disse isso ao telefone, no dia em que partiram de Mazatlán. Mas, depois disso, só restou uma agonia que não tem fim", disse Ellen Argall, ao jornal americano da cidade onde vive.

O que pode ter acontecido?

Dada a abrangência da área vasculhada pela Marinha Mexicana, é praticamente certo que o barco afundou e os três se afogaram, antes mesmo que pudessem passar para o bote salva-vidas, equipamento obrigatório nesse tipo de travessia — e que tampouco foi encontrado no mar.

Histórias do Mar - mexicanos desaparecidos - FOTO 3 - Facebook/Reprodução - Facebook/Reprodução
Imagem: Facebook/Reprodução

Dois fatores podem ter contribuído para a tragédia: a idade avançada do veleiro, um modelo La Fitte 44, batizado de Ocean Bound, que, embora seguro e confiável, por ser antigo era um tanto precário em instrumentos de navegação e comunicação, e as condições do mar, que, como de hábito na região, estava um tanto agitado no dia da partida, com ventos fortes e muitas ondas.

O mais provável é que as duas coisas juntas — mar agitado e precariedade de recursos no barco, como equipamentos automáticos que emitem pedido de socorro ao serem acionados ou em contato com a água, chamados Epirb —, tenham causado o afundamento quase instantâneo do veleiro, com os ocupantes ainda dentro dele, sem tempo sequer de pedir ajuda — ou de pularem para o bote salva-vidas.

"Minha filha era uma ótima nadadora, chegou a ganhar competições na infância, mas, talvez, nem isso tenha ajudado", consola-se a mãe da velejadora desaparecida.

Ao que tudo indica, para sempre.

O quê? E por quê?

O que torna o desaparecimento dos três velejadores americanos particularmente perturbador é que os três tinham larga experiência em navegação, o que pressupõe que não se exporiam a riscos no mar.

Mesmo assim, decidiram partir sob condições não ideais, talvez, justamente, por confiar demais na sua experiência ou destreza.

Algo inesperado, no entanto, aconteceu naquele pequeno trecho da travessia, entre Mazatlán e o Cabo San Lucas, e o mais provável é que jamais se saiba o quê, nem por quê — uma situação angustiante demais para os parentes das vítimas.

Acho que nunca teremos estas respostas", diz outro familiar do trio de velejadores engolidos pelo mar mexicano.

Um caso igual no Brasil

A mesma situação vive, até hoje, a brasileira Maria de Fátima Alves, de 65 anos, cujo marido, o velejador Edison Gloeden, de 66, mais conhecido como "Alemão", saiu sozinho com seu veleiro de uma marina na cidade de Santos, no litoral de São Paulo, no dia 15 de janeiro deste ano, para testar um equipamento que havia instalado no barco, garantindo que voltaria rápido, e nunca mais retornou — nem tampouco nenhum vestígio do seu barco, ou de um naufrágio, foi encontrado no mar da região.

Histórias do Mar - mexicanos desaparecidos - FOTO 4 - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

"Ainda tenho esperanças de que o veleiro do meu marido seja encontrado, à deriva, em algum canto do oceano, porque isso, ao menos, poderá ajudar a entender o que aconteceu com ele", diz a esposa, que, mesmo hoje, mais de três meses depois, ainda convive com um sentimento conflituoso.

"Não é tristeza", diz. "É um vazio que não cabe no peito" — clique aqui para conhecer que este caso, que, a exemplo do que acaba de acontecer com os três velejadores americanos, tecnicamente não pode ser dado como concluído, já que não há provas concretas do naufrágio do barco nem da morte dos seus ocupantes.

Mas, infelizmente, o bom senso diz o oposto disso.