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Águia nazista de navio afundado vira dor de cabeça para governo uruguaio
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Dezessete anos atrás, o mergulhador uruguaio Héctor Bado encontrou, no fundo do Rio da Prata, os destroços do couraçado alemão Graf Spee, afundado no início da Segunda Guerra Mundial pelo seu próprio comandante, nos arredores do porto de Montevidéu.
Financiado por dois empresários locais, os irmãos Alfredo e Felipe Etchegaray, ele, então, sacou dos restos do naufrágio a parte mais emblemática daquele histórico navio, na época o mais poderoso da Marinha Alemã: uma grande águia feita de bronze, com as asas abertas e a suástica nazista presa em suas garras, perto de 400 quilos de peso, que decorava a popa do casco do couraçado.
Começava ali uma novela, que, até hoje, quase duas décadas depois, ainda não terminou — e que teve um novo capítulo na semana passada, quando o atual presidente do Uruguai, Luis Lacalle Pou, anunciou um infeliz projeto, que ele mesmo havia concebido: derreter a águia e transformá-la na escultura de uma pomba, símbolo universal da paz.
"Um completo absurdo"
O que, aos olhos do presidente uruguaio, pareceu ser uma boa solução para o incômodo objeto, que remete diretamente ao nazismo (e que, há nove anos, repousa dentro de uma caixa, em um depósito da Marinha Uruguaia, após o governo ter confiscado a peça dos seus descobridores, ao cabo de uma longa disputa judicial), caiu feito uma bomba entre historiadores, acadêmicos, museólogos e até membros da própria coalização política que dá apoio ao atual governo do Uruguai — sem falar no empresário Alfredo Etchegaray, que financiou o resgate da polêmica peça, mas que teve que entregá-la ao governo uruguaio, por determinação da justiça, e nunca recebeu um centavo por isso.
"Derreter aquela peça histórica para criar uma imagem artística é um completo absurdo", revoltou-se o empresário, ao saber da proposta do presidente — por quem, no entanto, ele diz ter "muita consideração". "É como retirar um bloco de pedra do Coliseum de Roma para fazer uma estátua de arte moderna".
E ele não foi o único que se indignou com a proposta do presidente uruguaio.
Voltou atrás
A gritaria foi tamanha que, apenas dois dias após anunciar o seu plano — que já tinha até um artista plástico contatado para executar a obra —, o presidente do Uruguai voltou atrás.
"Uma esmagadora maioria não concorda com o projeto, e, se queremos a paz, a primeira coisa é buscar a unidade. Reafirmo que era uma boa ideia, mas um presidente precisa saber ouvir e representar o povo", disse Lacalle Pou, visivelmente constrangido com a situação.
"Eu sei o que fazer"
Com isso, voltou à estaca zero o destino que será dado à controversa imagem, que, desde que foi retirada do navio afundado, virou uma dor de cabeça para o governo uruguaio, que, aparentemente, não sabe o que fazer com ela.
"Eu sei", diz Alfredo Etchegaray. "O lugar águia do Graf Spee é em um museu, já que é uma peça histórica. Sempre defendi isso, mas nunca fui ouvido pelos governantes do meu país. Temos que instruir, não destruir nossa História. Não podemos mudar o passado, mas podemos melhorar o futuro. As próximas gerações precisam saber o que foi o nazismo, e essa águia simboliza o que foram aqueles anos sombrios", diz o empresário, que garante ter gasto uma pequena fortuna para financiar o resgate da peça e, por isso, exige sua parte.
"O governo do Uruguai tem que honrar o contrato que assinou conosco na época do resgate. Ele previa que a águia seria enviada a um museu ou vendida para uma entidade cultural, e nós teríamos direito a metade do que ela vale", diz Etchegaray, tocando no ponto central da questão: a compensação financeira que ele sempre alegou ter direito de receber — e que o governo uruguaio desconversa, afirmando que o contrato não foi cumprido integralmente, porque apenas as partes do navio que interessavam ao empresário foram removidas, e não todos os escombros, que até hoje atrapalham a navegação nas imediações do porto da capital uruguaia.
Quanto vale?
E quanto vale a águia de bronze do Graf Spee?
"Difícil dizer, porque é um objeto histórico, com valor incalculável", exagera o empresário. "Mas estimo uns 60 milhões de dólares", diz Etchegaray, que sempre foi contestado pelo governo uruguaio, tanto no direito que alega ter sobre 50% do valor da peça, quanto no que diz que ela vale.
Governo recorreu
Nove anos atrás, Etchegaray conseguiu uma vitória parcial no caso, quando a justiça uruguaia determinou que a águia fosse leiloada, e parte do dinheiro arrecadado fosse destinado aos financiadores do seu resgate (o mergulhador Héctor Bado, que achou o objeto, morreu anos atrás, também sem nada receber por ele).
Mas, amparado na gritaria de entidade judaicas — e também do governo da Alemanha —, que temiam que a peça fosse arrematada por simpatizantes do regime nazista, o governo uruguaio recorreu da decisão, e a Suprema Corte do país decidiu que a polêmica peça passaria, então, a ficar sob a guarda do Estado, situação que permanece até hoje.
E sem nenhuma solução à vista, a não ser a destrambelhada proposta do presidente Lacalle Pou, de derreter a peça e transformá-la em uma "pomba da paz".
"Se querem fazer um símbolo de paz, que usem qualquer material, não o bronze da águia do Graf Spee, que é um objeto histórico", argumenta Etchegaray, que, enquanto esteve em poder da peça, chegou a colocá-la em exibição em um hotel de Montevidéu, de onde foi retirada, após a decisão da corte uruguaia.
Desde então, a polêmica imagem jaz em uma caixa de madeira, em um depósito, sob custódia da Marinha uruguaia, sem que ninguém do governo saiba o que fazer com ela.
Uma batata quente
Com sua proposta da semana passada, o presidente Lacalle Pou tentou livrar da batata quente que tem nas mãos, mandando, na prática, destruir o objeto.
Mas o plano fracassou.
De onde veio a águia
Aguarda-se, agora, os próximos capítulos de uma novela que vem se arrastando desde que a imagem símbolo do couraçado Graf Spee foi resgatada do fundo do Rio da Prata, 67 anos após o teatral naufrágio do então principal navio de Hitler na Segunda Guerra Mundial pelo seu próprio comandante, o oficial Hans Langsdorff, que se matou em seguida, para que os segredos do navio não caíssem em mãos inimigas — uma história também cheia de reviravoltas, que pode ser conferida aqui.
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