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Perdido no mar e sem esperanças, remador é resgatado por acaso: 'Milagre'
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Em outubro de 2021, o americano Aaron Carotta, um ex-repórter de TV, partiu da costa oeste dos Estados Unidos em busca de um feito inédito: tornar-se o primeiro homem a dar a volta ao mundo com um barco movido apenas a remo.
A aventura durou pouco mais de um ano e meio, até que, no último dia 20 de maio, quando remava, sozinho, na imensidão do Oceano Pacífico, o sinal de satélite emitido pelo seu barco, uma espécie de caiaque hi-tech oceânico, com 6,5 metros de comprimento, batizado de Smiles ("Sorrisos", em português), parou de funcionar.
Era um mau sinal. E acabaria sendo mesmo.
Ficou sem comunicação
Embora a perda do sinal tivesse sido consequência apenas de um colapso no sistema de energia do barco, que deixou o americano incomunicável com sua rede de amigos em terra-firme, o que aconteceria depois dramatizaria toda a história — até que surgiu um extraordinário golpe de sorte.
A falta de notícias, causada pela pane elétrica no barco, deixou os amigos de Aaron apreensivos — embora ele estivesse bem, e seguisse remando, rumo à Polinésia Francesa, mas sem que eles soubessem disso.
Os amigos, então, acionaram a Guarda Costeira dos Estados Unidos, que, por sua vez, retransmitiu o alerta de buscas no mar para equipes de resgate do Havaí e do Taiti.
Durante dias, barcos e aviões procuraram pelo remador, na vastidão do oceano.
Mas nada encontraram, já que a última comunicação feita pelo remador, informando a sua posição, acontecera muito tempo antes.
Com o passar do tempo, as buscas foram suspensas, mas ficou o alerta para quem estivesse navegando, ou voando sobre a região, sobre a procura do aventureiro americano.
Também nada aconteceu.
Pedido de socorro
Até que, quase um mês depois, o silêncio do remador deu lugar a um aflitivo pedido de socorro, feito por ele mesmo.
Nas primeiras horas da manhã do último dia 15, o barco do remador foi colhido por uma grande onda e virou de cabeça para baixo, sem que ele tenha conseguido fazê-lo voltar à posição original.
Aaron passou um bom tempo na água, tentando desvirar o barco, até que, exausto, decidiu abandonar o casco emborcado e passar para a balsa salva-vidas inflável.
Em seguida, usando o pouco de bateria que ainda lhe restava, ligou o seu localizador pessoal, uma espécie de transmissor via satélite que dispara sinais de emergência, e pediu ajuda — agora, para valer.
Como as buscas pelo remador já haviam sido encerradas, e como ele estava bem distante da área onde presumivelmente havia sido dado como "sumido" (além de estar a mais de 1.000 quilômetros da terra firme mais próxima), as chances de o sinal de emergência emitido por Aaron ser detectado eram mínimas.
Foi quando outro fato, que nada tinha a ver com o seu resgate, acabou virando a sua salvação.
Pai e filho desaparecidos no mar
Uma semana antes do infortúnio que acometeu o aventureiro, o barco de outro navegador americano, David Wysopal, que também atravessava o Pacífico com seu filho, Zachary, de apenas 12 anos de idade, a bordo de um veleiro de pouco mais de 13 metros de comprimento, deixou igualmente de transmitir sua localização, mais ou menos na mesma região.
O sumiço do barco, agravado pelo fato de haver uma criança a bordo, desencadeou uma grande operação de buscas, que, no entanto, a exemplo da busca pelo remador americano, também não surtiu efeito.
Até hoje, pai e filho não foram encontrados, e seguem oficialmente "desaparecidos", para angústia e aflição da mãe do menino, a nicaraguanse Belkis González, que, no passado, havia tido um relacionamento com David Wysopal.
Mas, ironicamente, foi desaparecimento de David e seu filho que resultou na salvação do remador Aaron Carotta.
Por um extraordinário golpe de sorte.
Alerta na hora certa
No mesmo dia em que o barco do remador virou e ele ativou o seu localizador, estava em curso a última operação de buscas que a equipe de resgate sediada no Taiti faria, em busca do veleiro do pai e filho desaparecidos.
E no exato instante em que Aaron ativou o equipamento, o seu bip de socorro tocou em um dos aviões que faziam a busca pelo veleiro, a muitos quilômetros de distância.
Ao receber o sinal, a equipe, imediatamente, seguiu para o local, imaginando encontrar pai e filho no mar.
Mas quem estava lá era o remador, já às voltas com uma balsa furada, água na altura dos tornozelos e um ameaçador tubarão em volta.
Apenas um par de horas havia se passado, desde que Aaron acionara o alarme, com o que lhe restava de carga na bateria.
Foi um enorme golpe de sorte.
Mas o mesmo não pode ser dito sobre pai e filho, que seguem desaparecidos até hoje.
Navio só chegou depois
Quando o resgate chegou ao local onde o remador náufrago estava, boiando sobre uma balsa cada vez mais murcha e cheia d'água, ele não pôde ser resgatado de imediato, porque a equipe estava em um avião, não em um helicóptero, aeronave que não permite o desembarque de resgatistas no mar, muito menos o embarque de vítimas — e aquele ponto era longe demais para a autonomia limitada dos helicópteros.
A solução foi lançar víveres e equipamentos (inclusive um novo localizador) bem perto da balsa, e pedir para Aaron aguardar o resgate, que teria que ser feito pelo mar.
O centro de operações de buscas foi avisado sobre o inesperado achado (procuravam por dois náufragos e acharam um terceiro, que nada tinha a ver com o caso), e alguns navios que navegavam na região orientados a recolher o remador.
Mesmo assim, a embarcação que estava mais próxima, o cargueiro Baker Spirit, levou cerca de 30 horas para chegar ao local. Ao embarcar, o remador fez questão de posar com toda a tripulação que o resgatou no mar.
Em seguida, o navio seguiu viagem, para o Havaí, levando junto o náufrago, que só desembarcou em Honolulu no último domingo — em boas condições físicas, como celebrou nas suas redes sociais.
Já o mesmo não pode ser dito do pai e filho que ocupavam o veleiro desaparecido, e que acabaram, indiretamente, salvando a vida do remador.
Deles, ainda nada se sabe.
E os fatos que emergiram nos últimos dias suscitaram ainda mais dúvidas sobre o caso.
Menino teria sido sequestrado
De acordo com a mãe do menino desaparecido, a nicaraguense Belkis González, ele teria sido "sequestrado" pelo pai, David Wysopal, quatro anos antes.
"Ele me pediu para passar um tempo com o menino, no México, onde morava, no próprio barco, mas nunca mais o devolveu", disse a mãe de Zachary, ao noticiário nicaraguense Onda Local, esta semana.
"Eu, então, registrei queixa e ele passou a ser investigado por sequestro. Nunca tornei isso público, porque temia que o David, por ser um sujeito violento quando bebe, descontasse no menino. Mas, agora, que eles estão desaparecidos, isso talvez ajude nas buscas".
Belkis acredita que David Wysopal possa ter apenas "fugido com o menino e se escondido em alguma ilha", daí ter desligado os equipamentos que permitiriam rastrear o seu barco no mar, embora amigos do navegador garantam que o veleiro dele, por ser antigo, não possuía recursos como rastreadores automáticos nem telefone via satélite - apenas um localizador manual, que ele mesmo acionava, quando desejava informar onde estava.
Na última comunicação que fez, no dia 13 de maio, um mês após ter partido do México com o filho (que ligou para a mãe na véspera da partida, dizendo que "ficaria fora uns 3 ou 4 meses"), David informou que "navegava a cerca de 900 milhas náuticas da Marquesas", uma das ilhas que formam a Polinésia Francesa - mesma região onde, por sorte, estava o remador americano.
Mas David, talvez, não estivesse rumando para lá, como se supôs — e sua rota sugeria —, e sim na direção de outras ilhas do Pacífico, bem mais adiante, como Fiji ou Samoa, onde, de acordo com o que teria comentado com amigos, "buscaria emprego em algum estaleiro".
"Torço para que isso seja verdade", diz a mãe do menino desaparecido. "Ele é um garoto muito esperto, e tenho certeza que fará contato comigo, assim que desembarcar em alguma ilha", diz, esperançosa.
Em busca da mesma sorte
Embora as buscas pelo veleiro de pai e filho sumidos há quase 50 dias já tenham sido "oficialmente encerradas", como informam os comunicados emitidos pela Guarda Costeira dos Estados Unidos, as equipes de resgate adotaram a mesma conduta do caso do aventureiro americano: pediram a todos os navegantes e moradores das ilhas da região que fiquem "atentos" quanto a algum sinal do barco e seus dois ocupantes.
Uma das esperanças é que eles venham a ter a mesma sorte do remador, que graças a uma simples casualidade (a busca por um acabou salvando a vida de outro) foi salvo.
Não fosse isso, o destino de Aaron Carotta fatalmente teria sido outro, e bem mais trágico, como já ocorreu com outros aventureiros que também tentaram cruzar a remo o maior oceano do planeta movidos apenas pela força dos braços, e ficaram pelo meio do caminho.
Outro caso, bem mais trágico
O caso mais recente aconteceu no início de 2020, quando o corpo do remador chinês Ruihan Yu, de 35 anos, foi dar numa praia das Filipinas, juntamente com seu barco, que era do mesmo tipo usado por Aaron Carotta, após uma fracassada tentativa de atravessar o Oceano Pacífico a remo.
Também no caso do remador chinês, o barco virou e não mais desvirou.
Mas o que determinou a sua morte não foi o emborcamento, e sim o mau procedimento da própria equipe de resgate, que não se deu ao trabalho de checar se o remador ainda estava dentro do barco virado -- clique aqui para conhecer este caso, que gerou uma intensa investigação na época, mas acabou não dando em nada.
Também neste aspecto, o remador americano teve muito mais sorte.
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