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67 anos depois, sobreviventes de naufrágio dramático se reencontram
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Cerca de um mês atrás, um emocionado grupo de pessoas, quase todas com idades avançadas, se reuniu em um centro cultural de Nova York, que também funciona como um pequeno museu marítimo, para celebrar um fato que, a princípio, poderia parecer um tanto descabido: o de estarem vivas.
Mas, o que poderia soar um tanto esquisito, para aquele grupo fazia todo sentido.
Eram sobreviventes de um dos mais famosos acidentes marítimos da história dos Estados Unidos: a colisão de dois navios de passageiros perto da costa americana, quando navegavam em sentidos opostos, na imensidão do Oceano Atlântico — um acidente tão improvável quanto absurdo, que custou a vida de 52 pessoas.
E que eles tiveram a sorte de escapar vivos. Daí o encontro e a celebração
Um resgate dramático
Na noite escura e repleta de neblina de 25 de julho de 1956 — portanto, 67 anos atrás —, os transatlânticos Andrea Doria e Stockholm (o primeiro, vindo da Itália rumo à Nova York, e o outro, navegando no sentido oposto, após ter deixado o mesmo porto) colidiram de frente, em pleno Atlântico, a poucas milhas costa, gerando uma das mais dramáticas operações de resgate da história americana — mas que terminou relativamente bem-sucedida, com o salvamento de 1 758 pessoas que estavam no transatlântico italiano, antes que ele tombasse e afundasse (no outro navio, que não afundou, não houve vítimas).
Jantar com cardápio do navio
"Estamos aqui reunidos para celebrar a vida e homenagear aqueles que perderam as suas", disse, na cerimônia, Ciro Galeno Jr., diretor executivo da Noble Maritime Collection, que sediou o encontro, na sede do elegante Snug Harbor Cultural Center, nos arredores de Nova York.
Na ocasião, além de discursos emocionados, abraços apertados e compartilhamento de lembranças e suvenires que os sobreviventes guardaram daquela viagem, foi inaugurada uma exposição com peças, fotos, maquetes, equipamentos e utensílios retirados do navio pelo mergulhador e colecionador John Moyer, que visitou o enorme transatlântico no fundo do mar, onde repousa a 70 metros de profundidade.
Também foi servido um jantar, cujo cardápio reproduziu o que fora servido no navio naquela fatídica viagem, e recitada a "Oração de um Marinheiro", rezada por muitos passageiros na capela do navio abalroado, logo após o desastre, enquanto aguardavam o resgate.
Idealizadora do encontro
Quem teve a ideia do encontro, da celebração e da exposição foi uma das sobreviventes, a hoje escritora e cineasta Pierette Domenica Simpson, que tinha apenas nove anos de idade quando ocorreu o acidente, e nele perder sua avó — uma das fotos da exposição, batizada "Onde está minha Nonna?", mostra justamente ela procurando pela parente desaparecida, ao desembarcar em terra firme.
Pierette, que tem dedicado sua carreira "a manter viva a memória do Andrea Doria e corrigir injustiças", é uma fervorosa defensora da inocência — e heroísmo — do capitão do transatlântico italiano, Piero Calamai, que, na época, foi considerado tão culpado pela colisão quanto o comandante do outro navio — também um raro caso de culpa coletiva, como concluiu o polêmico inquérito que investigou o acidente.
"O capitão Calamai coordenou bravamente o resgate de todos os sobreviventes, foi o último a deixar o navio, e não teve nenhuma culpa no acidente", garante Pierette, que já escreveu dois livros sobre o caso, além de produzir um documentário, lançado sete anos atrás, e também exibido na recente confraternização -- clique aqui para assistir ao trailer de Are the Passengers Saved? ("Os passageiros estão salvos?"), cujo título remete à suposta principal preocupação do capitão italiano, após a colisão com o outro transatlântico.
Culpado ou herói?
"O acidente do Andrea Doria aconteceu não muito tempo depois da Segunda Guerra Mundial, quando ainda havia muito preconceito, discriminação e revanchismo dos americanos contra os italianos, que, ainda por cima, estavam imigrando em massa para a América. E isso contaminou o inquérito", garante a escritora, que diz que sua "missão é corrigir esta injustiça histórica".
"O capitão Calamai foi, na verdade, um anjo, que salvou nossas vidas", diz a idealizadora do curioso evento.
Caso semelhante no Brasil
No Brasil, há mais de cinco décadas, algo semelhante acontece em certo restaurante de São Paulo, envolvendo familiares de tripulantes de outro transatlântico: O alemão Windhuk, que chegou ao porto de Santos em 1939, no início da Segunda Guerra Mundial, e daqui nunca mais saiu.
Todos os anos, sempre no dia 7 de dezembro — data da chegada do navio ao Brasil —, descendentes daqueles marinheiros, todos já mortos, se reúnem no restaurante alemão Windhuk, no bairro de Moema, em São Paulo (que, não por acaso, tem o mesmo nome do navio), para relembrar a história dos tripulantes alemães do transatlântico, que aqui chegaram por força das circunstâncias e nunca mais quiseram sair, apesar de terem sido presos e até internados em uma espécie de campo de concentração, no interior paulista — clique aqui para ler esta interessante história.
Desastre controverso
Em Nova York, a exposição sobre o naufrágio do Andrea Doria — na época considerado o transatlântico mais elegante da Itália — ficará aberta ao público até o dia 3 de setembro, no próprio Snug Harbor Cultural Center (1000 Richmond Terrace, Staten Island, NY), com entrada por doação espontânea — para mais informações, acesse noblemaritime.org/andrea-doria.
Nela, além de imagens da época (o desastre envolvendo os dois navios rendeu cenas dramáticas, com o enorme transatlântico italiano deitado no oceano), há até um dos botes salva-vidas originais do navio, usados por sobreviventes durante o resgate, que, inclusive, foi autografado pelos participantes, durante a cerimônia.
Há, também, peças e equipamentos do navio que foram resgatados no mar, e muitas informações sobre o acidente, considerado um dos desastres marítimos mais controversos da História, como pode ser conferido clicando aqui.
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