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Pai e filho dados como 'desaparecidos no mar' aparecem, sem saber de nada
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Três semanas atrás, quando o remador americano Aaron Carotta, de 45 anos, foi resgatado acidentalmente no meio do Oceano Pacífico por uma equipe de buscas que procurava por outros desaparecidos no mar, a comunidade náutica mundial respirou aliviada — e, ao mesmo tempo, preocupada.
O alívio vinha do fato de que, não fosse o acaso, aquele remador, que já estava há mais de 30 horas dentro de uma balsa salva-vidas cheia d´água, após seu barco ter virado ao ser atingido por uma onda, fatalmente jamais seria encontrado.
Já a preocupação tinha outro motivo: a razão original daquela busca (o suposto desaparecimento do velejador americano David Wysopal, que vinha fazendo a travessia do Pacífico a bordo de um veleiro de 13 metros de comprimento, na companhia do filho Zachary, de apenas 12 anos de idade) não havia sido atingida — pai e filho continuaram desaparecidos.
Em seguida, as buscas pelos dois foram suspensas em definitivo.
"Uma grande notícia!"
Tudo caminhava para ser mais uma tragédia envolvendo desaparecidos no mar — sobretudo, para a mãe do menino, a nicaraguense Belkis González, que também acusava o ex-marido de ter sequestrado seu filho para aquela viagem.
Até que, na sexta-feira da semana passada, David chegou placidamente a uma praia da ilha de Samoa, no Pacífico Sul, com ele e o menino sãos e salvos a bordo — e sem saber absolutamente nada sobre o "desaparecimento" dos dois no oceano.
"Esta é uma grande notícia: David e Zach estão vivos!", comemorou, nas redes sociais, o líder do movimento que há quase dois meses vinha cobrando da Guarda-Costeira americana ações efetivas no mar, em busca do pai e filho, desde que o equipamento de localização pessoal que eles possuíam no barco parou de emitir sinais automáticos, na primeira quinzena de maio.
Buscavam um, acharam outro
Em vez do presumível naufrágio do barco, o que aquele perturbador silêncio do equipamento indicava era apenas que o aparelho do barco de David não funcionava em áreas tão remotas do Pacífico, quanto aquela na qual pai e filho navegavam.
Mas, nem ele nem seus amigos em terra firme, que vinham monitorando a travessia dos dois, desde que eles partiram da costa do México, um mês antes, sabiam disso.
O equívoco acabou gerando uma dispendiosa operação de buscas no oceano, com barcos e aviões vasculhando uma área gigantesca de mar, durante três dias -- e que teria sido totalmente desnecessária, não fosse o fato de que, graças a ela, o remador Aaron Carotta, cujo barco virara na mesma região, acabou sendo acidentalmente salvo.
A operação buscava um navegador, mas acabou salvando outro. E isso fez valer todo o esforço. Ainda que por puro acaso.
"Foi apenas uma travessia lenta e prazerosa. Não tivemos nenhum problema no mar", disse David, surpreso, ao saber o que o seu sumiço involuntário havia causado, mas feliz por saber que, graças a isso, outra pessoa fora salva.
Não disse para onde ia
O que fomentou ainda mais a confusão, foi que, ao partir da costa mexicana, David não deixou muito claro para onde estava seguindo com seu filho no barco.
O objetivo, como havia comentado informalmente com um amigo, seria, ao final da viagem, chegar à própria ilha de Samoa — como, de fato, chegou na semana passada —, onde tentaria encontrar emprego, em algum estaleiro.
Mas o rumo seguido pelo velejador até o instante em que seu rastreador parou de funcionar, mostrava que o americano estava seguindo na direção da Polinésia Francesa, não para Samoa.
Mudou o rumo e não avisou
Na última comunicação que fez, no dia 13 de maio, David informara que "navegava a cerca de 900 milhas náuticas da Marquesas", uma das ilhas que formam a Polinésia Francesa.
Em seguida, o aparelho deixou de funcionar, o tempo piorou na região, e o velejador, cujo barco, antigo e mal equipado, não possuía nenhum outro sistema de localização a não ser um limitado localizador pessoal, decidiu alterar o rumo e seguir direto para o Pacífico Sul — mas sem comunicar isso a ninguém, o que gerou o alarme equivocado.
Mãe torcia para o filho ter sido sequestrado
Para aumentar ainda mais o drama, na véspera da partida do México, o filho de Davis ligou para a mãe, na Nicarágua, dizendo que "ele e o pai ficariam fora uns três ou quatro meses", mas sem maiores detalhes ou informações.
Isso levou a mãe do menino a procurar a Polícia e denunciar o ex-marido por sequestro do filho, uma vez que ele já não vinha cumprido o que havia combinado, de devolver o garoto após um "período de férias", que, no entanto, já durava quatro anos.
Quando veio a notícia do suposto "desaparecimento" dos dois no mar, Belkis, a princípio, se desesperou. Mas, depois, conjecturou que ex-marido poderia apenas ter desligado os equipamentos de rastreio do barco e fugido com o menino para alguma ilha, a fim de escapar da investigação.
"Passei a torcer para ele que tivesse mesmo sequestrado o meu filho, porque isso significaria que o menino estava vivo", disse Belkis González ao portal de notícias nicaraguense Onda Local, esta semana, ao saber do final feliz da história.
"Algo ruim sempre traz algo bom"
Na entrevista, ela também contou que, durante o período em que os dois ficaram "sumidos", a falta de notícias, "de certa forma", a tranquilizava, porque "era melhor não ter notícia alguma, do que receber uma ruim".
"Dizem que algo ruim sempre traz algo bom", analisou a mãe do menino. "E foi este 'desaparecimento' do meu filho que me fez ter coragem de denunciar os abusos que o pai dele vem cometendo há anos, e que, agora, se tornará um processo legal para que ele devolva a criança para mim".
E completou:
"Além disso, uma pessoa foi salva graças ao 'sumiço' deles".
Destinos que se cruzaram
No mesmo dia em que David fez sua última comunicação com amigos que vinham monitorando sua travessia à distância, 13 de maio, os destinos dele e do remador Aaron Carotta, ambos navegando na mesma região, mas com embarcações diferentes (ele, com um veleiro; o outro, com um pequeno barco a remo) se cruzaram — sem que nenhum dos dois pudesse imaginar isso.
Naquele dia, enquanto David fazia seu último contato com o mundo exterior, através do aparelho localizador que logo deixaria de operar, o remador Aaron também perdia a única fonte de energia que seu pequeno barco tinha: os painéis solares que alimentavam suas baterias pararam de funcionar.
Com isso, o remador também perdeu a capacidade de seguir informando sua equipe de apoio sobre seus avanços no mar. E isso os levou a também pedir ajuda à Guarda Costeira Americana, mas em uma operação diferente da do velejador.
Mas o remador não foi localizado, e também o seu caso passou também a ser tratado com um "desaparecimento no mar".
Mas não era.
Uma emergência de fato
Alheio a tudo isso, Aaron seguiu em frente, remando, apenas lamentando a falta de energia que lhe impedia de se comunicar com seus seguidores nas redes sociais.
Até que, um mês depois, o que até então não passava de um falso alarme, se tornaria uma emergência de fato.
O barco virou
Nas primeiras horas da manhã do dia 15 do mês passado, uma grande onda virou o barco do remador e ele não conseguiu mais desvirá-lo.
Exausto, decidiu, então, abandonar o barco emborcado, e passar para uma balsa salva-vidas inflável.
E acionou o único aparelho que tinha, ainda com um pouco de bateria: um localizador pessoal, semelhante ao que David também possuía, capaz de disparar sinais de emergência, via satélite, em áreas onde isso fosse possível.
E pediu ajuda. Agora, para valer.
Uma chance em mil
Como as buscas pelo remador já haviam sido encerradas, e como ele já estava bem distante daquela área — a mais de 1.000 quilômetros da terra firma mais próxima —, as chances de o sinal de emergência disparado por Aaron ser detectado eram mínimas.
Coisa de uma em mil.
Foi quando o destino do remador e do velejador novamente se cruzaram.
Enorme golpe de sorte
No exato instante em que o remador ativou o seu localizador, estava em curso a última operação de buscas pelo veleiro de David e seu filho - e o bip do aparelho tocou em um dos aviões que faziam a varredura no mar, em busca do veleiro.
A aeronave seguiu imediatamente para o local, imaginando encontrar pai e filho no mar.
Mas quem estava lá era Aaron, já às voltas com uma balsa furada, água na altura dos tornozelos e um ameaçador tubarão ao redor.
Apenas um par de horas havia se passado desde que ele acionara o alarme, com o pouco de bateria que restava no aparelho - que, na chegada do avião, já nem funcionava mais.
Foi um enorme golpe de sorte, como pode ser conferido clicando aqui, com relato do próprio remador.
"Desaparecidos" jamais estiveram perdidos
Enquanto isso, sem saber de nada, David e seu filho seguiram velejando tranquilamente, rumo à ilha de Samoa.
E só quando chegaram lá, oito dias atrás, ficaram sabendo das complexas operações de buscas por eles no mar, e do salvamento do remador que o "sumiço" deles involuntariamente gerou.
Ou seja: por fim, salvaram-se todos os "desaparecidos".
Que, afinal, jamais estiveram perdidos.
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