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Histórias do Mar

REPORTAGEM

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Navio-bomba do Mar Vermelho começa a ser desativado. Mas o risco continua

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Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

22/07/2023 04h00

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Após oito anos de apreensões e angústias, a bomba-relógio em forma de um decrépito navio abarrotado de petróleo ancorado na costa do Iêmen, no Mar Vermelho, que ameaçava vazar ou explodir a qualquer momento, o que causaria um desastre ambiental sem precedentes nos mares do planeta, começou, finalmente, a ser desativada — embora o risco persista.

Esta semana, chegou à região do porto de Hodeida, no litoral do Iemên, um grande navio petroleiro vazio, comprado pela ONU, para uma missão tão improvável quanto inédita: retirar todo o petróleo que abarrota os 34 tanques do decadente ex-petroleiro FSO Safer, ali parado há 47 anos, e que, em 2015, foi sequestrado por rebeldes da etnia hutis, que lutam contra o governo do Iêmen, e assumir o seu lugar.

Mas o que poderia parecer a solução final para o problema do navio-bomba, que, desde que foi capturado pelos hutis, atormenta a região com o permanente risco de ruptura do casco ou explosão do seu conteúdo inflamável, será apenas um paliativo: porque, após receber o petróleo transferido, o novo navio apenas assumirá o lugar do anterior, permanecendo em poder dos rebeldes — que sempre usaram o navio abarrotado de óleo cru para pressionar e chantagear o governo iemenita.

Mais de 1 milhão de barris de petróleo a bordo

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Imagem: UNDP

O objetivo do novo petroleiro, que, a exemplo do anterior, será transformado em uma espécie de refém dos rebeldes — e usado para seguir pressionando o atual governo do país —, será apenas o de substituir o antigo navio, que não tem mais condições de continuar flutuando, muito menos com ameaçadores 1,14 milhão de barris de petróleo a bordo — uma bomba prestes a explodir, ou — pior ainda - rachar e vazar todo o seu conteúdo no mar.

Caso isso acontecesse, o vazamento poderia gerar o maior desastre ambiental marítimo da História, porque os tanques do FSO Safer, que tem 362 metros de comprimento, e, na época em que foi construído, em 1976, era o maior do gênero no mundo, contém quatro vezes mais óleo do que havia nos reservatórios do superpetroleiro Exxon Valdez, que encalhou, rachou e inundou a costa do Alasca com petróleo, em 1989 — considerada a pior tragédia ambiental marítima até hoje.

Mesmo assim, o risco ainda não acabou. Ao contrário, pode estar apenas começando.

Porque a transferência de tanto petróleo de um navio para outro é uma operação complexa, delicada e perigosa.

"Só não explodiu ainda por sorte"

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Imagem: ONU

"Não há alternativa", explica Ghiwa Nakat, Diretor Executivo do Greenpeace, entidade que, há anos, vem monitorando à distância o estado de decomposição do navio-tanque, já que os rebeldes nunca permitiram que ele fosse vistoriado por técnicos.

"Embora a operação tenha riscos, eles são menores do que não fazer nada", diz o ativista ambiental. E ele completa:

"Só por pura sorte não aconteceu nada até agora. Mas, se nada fosse feito, aconteceria, com certeza".

Operação levará dois meses

A rigor, os riscos durante a operação de remoção do petróleo, que começaram ontem e deverão se estender por cerca de dois meses, são os mesmos que sempre afligiram o velho navio, permanentemente ancorado nas proximidades do porto de Hodeida: vazamento ou explosão - esta, causada pela diferença de pressão entre os tanques.

"A diferença é que os riscos só existirão durante a operação, enquanto que, se nada fosse feito, ele seria permanente, e inevitavelmente resultaria em um desastre mais que anunciado", explica o representante do Greenpeace.

Não há prazo para ele ser esvaziado

Após a transferência do petróleo, não há prazo para o novo navio sair da posse dos rebeldes, e ser, finalmente, descarregado -- porque isso depende, praticamente. do fim da guerra civil no Iemên
Mas a esperança é que o simples fato de os hutis (que sempre foram contrários a qualquer intervenção estrangeira na questão) terem concordado com a operação, sinalize uma possibilidade de negociação política para o conflito, que já dura desde 2015 -- mesmo ano em que o navio foi apreendido.

As negociações da ONU com os hutis, pedindo autorização para a substituição do navio (operação que irá custar às Nações Unidas cerca de R$ 700 milhões, incluindo aí a remoção e demolição do petroleiro a ser substituído), começaram no ano passado, mas só avançaram no final do último mês de maio, quando os rebeldes, finalmente, autorizaram a troca do FSO Safer pelo petroleiro Náutica, que, inclusive, foi rebatizado de Yemen, em homenagem ao acordo.

Como começou o problema

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Imagem: Google Earth

O problema começou quase uma década atrás, quando os hutis tomaram algumas áreas do Iemên, incluindo o porto de Hodeida, diante do qual ficava o navio confiscado, que havia sido transformado pelo governo iemenita em navio-tanque, a fim de estocar petróleo para o país.

Não seria um grande problema, não fosse o fato de que, dali em diante, a manutenção do navio deixou de ser feita, o que o levou a se deteriorar rapidamente.

Ultimamente, além da ferrugem que tomou conta de todo o casco e ameaça parti-lo ao meio (segundo técnicos que periciaram o navio, a espessura das chapas de aço em certas partes foi reduzida a milímetros, por conta da corrosão marinha), o principal risco são as bombas responsáveis por eliminar os gases gerados nos reservatórios cheios de petróleo, que pararam de funcionar em 2017, e nunca foram consertadas.

Durante a operação de remoção, isso ainda representa um alto risco de explosão. Mas não há outra opção.

"O SFO Safer ainda é uma bomba", diz o representante do Greenpeace. "Mas, agora, ao menos, começamos a desarmá-la".

Outro navio-bomba

Enquanto isso, bem longe da costa iemenita, outro navio-bomba vem tirando o sossego dos ingleses, há quase 80 anos.

Desde que, em 1944, o ex-cargueiro americano SS Richard Montgomery afundou na foz do Rio Tâmisa, com mais de 9 000 explosivos que seriam usados nos combates da Segunda Guerra Mundial, que o governo da Inglaterra não sabe o que fazer com os escombros do navio, que ainda estão à mostra na superfície, já que as bombas continuam dentro dele.

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Imagem: Reprodução/WikiCommons

A mais recente investida do governo inglês para livrar os moradores da região do permanente risco de explosão do velho navio (já que muitas bombas ainda podem estar ativas) deveria ter acontecido no mês passado, mas teve que ser suspensa, depois que técnicos detectaram explosivos espalhados, também, nos arredores dos escombros submersos.

Com isso, ganhou ainda mais força entre os ingleses uma tese que, a princípio, pode não fazer muito sentido — mas que, talvez, seja mesmo a melhor saída: a de que o melhor a ser feito, no caso, é não fazer nada.

Como pode ser conferido clicando aqui.