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Veleiro de 100 anos atrás participa da maior prova de barcos a vela do país
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Um lindo veleiro, com casco de aço, dois mastros e estilo que remete diretamente ao passado, vem sendo a principal atração da 50ª edição da maior competição de barcos à vela do país, a Semana de Vela de Ilhabela, que começou neste domingo e irá até o próximo sábado, no litoral de São Paulo.
Há dois motivos para isso: é o segundo veleiro de competição mais antigo do Brasil, construído em 1923 — portanto, com exatos 100 anos de idade —, e, apesar da idade avançada, está participando da competição, na categoria dedicada aos "barcos clássicos" — onde, por sinal, nenhum outro barco é tão "clássico" quanto ele.
Trata-se do "Atrevida", um bonito e elegante veleiro, cuja história consegue ser ainda mais interessante do que sua idade centenária.
Foi barco de patrulha na guerra
O Atrevida foi construído nos Estados Unidos, por um dos mais famosos projetista de barcos à vela da História, o americano Nataniel Herreshoff, uma espécie de criador das Ferrari náuticas da época.
O barco fora encomendado pelo comodoro do mais prestigiado iate clube americano, o New York Yacht Club, que o batizou de Wildfire, e com ele venceu muitas regatas, nas décadas de 1920, 1930 e 1940.
Até que, com o fim da Segunda Guerra Mundial (quando o veleiro, por ser um barco silencioso, ajudou a patrulhar a costa americana, em busca de submarinos alemães), foi posto à venda.
"Atrevimento" gerou nome do barco
Foi quando entrou em cena o empresário brasileiro Jorge Bhering de Mattos, então comodoro do Iate Clube do Rio de Janeiro, que decidiu comprar o barco nos Estados Unidos e trazê-lo para o Brasil, o que fez em 1946.
Na época, a esposa de Jorge Bhering (cujas empresas, entre outras coisas, produziam as famosas balas Toffee), acabou rebatizando involuntariamente o veleiro, ao dizer para o marido que "era um atrevimento" querer ter um barco tão famoso. Nascia, assim, o "Atrevida", hoje o veleiro de competição mais famoso do país.
Reis e rainhas o visitaram
Mais tarde, o barco foi vendido para o também empresário Dirceu Fontoura (fabricante do lendário biotônico que levava o seu sobrenome), e continuou a participar de regatas, ao mesmo tempo em que recebia, para passeios pela Baía de Guanabara, visitantes famosos da Cidade Maravilhosa — do galã da época Alain Delon, ao secretário de estado americano Henry Kissinger, passando por reis e rainhas que visitavam o Brasil.
O Atrevida fez parte até de letra de música ("Domingo Azul", de Billy Blanco), e foi usado na capa de um disco do grupo "Os Cariocas".
Foi a fase áurea do histórico veleiro, que, no entanto, em seguida, acabaria sendo praticamente abandonado.
Virou sucata
Após ser vendido para um grupo empresarial estrangeiro, o outrora garboso veleiro quase afundou nas águas da Baía de Guanabara, por falta de manutenção, e, depois, foi esquecido no pátio de um estaleiro em Niterói, onde apodreceu a céu aberto ao longo de anos.
Até que, 19 anos atrás, em 2004, um grupo de admiradores do célebre veleiro, capitaneados pelo dono de um estaleiro paulista especializado em construir e reformar grandes iates, decidiu fazer algo para salvar o barco, que já havia sido transformado em sucata.
Voltou à vida
Comprado por um valor simbólico, o grande veleiro, de 29 metros de comprimento, então com o casco carcomido e repleto de furos, foi levado para o estaleiro da empresa, no Guarujá, no litoral de São Paulo, onde, com base nas plantas originais de Nataniel Herreshoff, conseguidas através do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, foi inteiramente reformado.
O trabalho levou 14 meses, mas o resultado foi surpreendente: o barco que parecia condenado ao ferro-velho, voltou, mais bonito do que nunca, a navegar e a competir em regatas, quase um século depois de ser construído.
E isso que ele está fazendo neste instante, na maior competição do gênero no país.
Bom exemplo de iniciativa
Em um país, como o Brasil, que não preza nem faz questão de preservar sua história, o renascimento (não há palavra mais adequada) do veleiro Atrevida não deixa de ser um bom exemplo de que bastam pessoas com iniciativa e boa vontade para mudar esta quase máxima.
Infelizmente, porém, outros barcos que fizeram história nos mares brasileiros não tiveram a mesma sorte.
E acabaram destruídos pelo tempo e pelo descaso.
Outro veleiro acabou no lixo
Um dos casos mais emblemáticos foi o de outro veleiro que se tornou lendário entre velejadores brasileiros do passado, o Vendaval, contemporâneo do próprio Atrevida, responsável por fazer nascer no Brasil as próprias competições oceânicas com barcos à vela, que, até então, não existiam por aqui.
Também comprado nos Estados Unidos e trazido para o Brasil na década de 1940, pelo empresário-benfeitor José Cândido Pimentel Duarte, o Vendaval teve um fim melancólico, transformado numa pilha de tábuas e ferros carcomidos no galpão de uma fábrica da Baixada Fluminense, após ter pulado de dono em dono, que nada fizeram para preservá-lo.
O resultado foi que, em vez de ser restaurado ou levado para um museu, o veleiro que fez surgir as competições de barcos à vela no mar do Brasil — como a própria Semana de Vela de Ilhabela —, acabou indo parar tristemente no lixo, como pode ser conferido clicando aqui.
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