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8 casos em 5 anos: por que navios que levam automóveis estão pegando fogo?
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O incêndio que irrompeu no navio transportador de automóveis Fremantle Highway na última quarta-feira, no litoral da Holanda — e que ainda não foi totalmente controlado —, acendeu mais do que nunca o alerta de que, com a popularização cada vez maior dos carros elétricos, algo precisa ser feito para aumentar a segurança no transporte marítimo de veículos.
Foi o oitavo caso de incêndio em navios voltados para o transporte de automóveis em apenas cinco anos, com algumas mortes de bombeiros e tripulantes, navios perdidos ou seriamente danificados, e nada menos que 20.000 carros queimados — muitos deles, elétricos, o que está sendo considerado como a principal causa desses incêndios, que não eram nada frequentes até então. Em pelos menos quatro dos oito casos, os incêndios começaram nas baterias dos carros transportados.
O principal problema estaria nas baterias de íons de lítio dos veículos elétricos, que contêm eletrólitos inflamáveis e materiais altamente reativos que podem gerar curto circuitos ou mesmo explodir se não forem corretamente desativadas durante o transporte, e que, uma vez atingidas pelo fogo (de outro veículo, por exemplo), chegam a atingir temperaturas de mais de 2.700 graus Celsius, agindo como um acelerador e potencializador das chamas — daí a dificuldade em controlar incêndios desse tipo.
A questão em navios desse tipo, chamados de roll-on/roll-off, é que, neles, os veículos são embarcados por conta própria, ou seja, com o motor em movimento, o que exige que as baterias sejam desconectadas após o processo — e há suspeitas que nem sempre isso acontece da maneira correta, gerando faíscas e curtos-circuitos mais tarde.
Ou que falhas na fabricação das baterias as deixem mais vulneráveis a explosões espontâneas.
O incêndio no Fremantle Highway, que transportava 3 783 automóveis zero quilômetro da Alemanha para o Egito, sendo 498 deles elétricos - e que resultou na morte de um dos tripulantes -, foi apenas o mais recente de uma longa e crescente lista de casos envolvendo veículos roll-on/roll-off, como pode ser conferido nesta breve retrospectiva.
Carros queimados no convés
O Fremantle Highway não foi o único navio de transporte de automóveis que pegou fogo este mês. No último dia 5 de julho, o navio italiano de carga mista (carros e contêineres) Grande Costa D´Avorio também foi vítima de um incêndio no porto de Newark, nos Estados Unidos, quando recebia 1.200 veículos usados (nenhum deles elétricos), que seriam exportados.
O fogo durou seis dias e custou a vida de dois bombeiros e ferimentos em outros seis. A imagem de parte dos veículos carbonizados no convés tornou o episódio, cuja origem ainda é desconhecida, ainda mais dramático.
Mais um caso este ano
Em fevereiro passado, o navio panamenho AH Shin, que transportava 4 530 carros novos da Coreia do Sul para Singapura, começou a pegar fogo e ficou à deriva, quando navegava a cerca de 40 quilômetros da costa do Vietnã. A tripulação, formada por 22 marinheiros russos, pediu ajuda, e, após quatro dias, o fogo foi finalmente controlado.
A maior preocupação era que as chamas atingissem os tanques do navio, que estavam carregados com 1 356 toneladas de combustível, o que felizmente não aconteceu — e nem todos os carros foram dados como perdidos. A suspeita é que o fogo, que deixou o navio levemente inclinado no mar, tenha começado a partir da bateria de um deles.
4.000 veículos perdidos
Em 16 de fevereiro do ano passado, quando navegava a cerca de 160 quilômetros das ilhas dos Açores, vindo da Alemanha com destino aos Estados Unidos, o navio especializado no transporte de veículos Felicity Ace, similar ao Fremantle Highway, começou a pegar fogo e as chamas não puderam mais ser contidas — embora todos os 22 tripulantes tenham sido resgatados.
Ao longo de 13 dias, cerca de 4 000 automóveis — muitos deles de alto luxo, como Porsches, Bentleys e Lamborghinis — arderam, até virarem sucatas. Em seguida, o navio afundou. A exemplo de outros casos, a suspeita é o que o incêndio também tenha começado em dos carros elétricos que o navio transportava.
O comandante não quis acionar os extintores
O Höegh Xiamen, da companhia marítima Grimaldi, havia acabado de receber um carregamento de 2.420 veículos usados, no porto de Jacksonville, na Flórida, no dia 4 de junho de 2020, quando surgiram labaredas no seu interior. Rapidamente, os bombeiros do porto entraram em ação, mas não conseguiram conter as chamas, que acabaram por consumir todo o navio.
A investigação concluiu que o incêndio foi causado pela bateria de um dos automóveis, que, não seguindo o padrão adotado pela transportadora, havia sido incorretamente desconectada para a viagem, causando um curto-circuito. A decisão do comandante do navio de não acionar o sistema interno de extinção de incêndio logo nos primeiros instantes, quando o fogo ainda poderia ser contido, a fim de não danificar os demais veículos, foi decisiva para a perda total do navio, e todos os veículos que nele estavam.
Dois incêndios no mesmo navio
Um ano antes, em 15 de maio de 2019, outro navio do gênero — e da mesma empresa Grimaldi —, o Grande Europa, que transportava 1.687 veículos novos e usados, foi vítima de um incêndio total, próximo à costa de Palma de Maiorca, na Espanha.
Foram, na verdade, dois incêndios, um após o outro. O primeiro, que começou em um dos carros que estava no convés inferior, pode ser contido. Mas o segundo, logo em seguida, em outro convés, não. Segundo a empresa, os dois veículos que originaram o problema eram zero quilômetro, o que levou a Grimaldi e cobrar mudanças na forma como os fabricantes preparavam as baterias dos seus carros para o transporte. Mas, ao que tudo indica, o problema continua.
Carros e mercadorias juntos
A imagem de um grande navio de transporte misto (carga e veículos), o Grande America, também da companhia Grimaldi, envolto em uma espessa fumaça negra e com labaredas de até 30 metros de altura, no Golfo da Biscaia, entre a Espanha e a França, no início de março de 2019, correu jornais de todo o mundo. Até porque, dentre dele, havia 2.100 veículos novos e usados.
Mas, aparentemente, o fogo foi causado porque parte da carga que ele também transportava era inflamável — uma combinação bombástica de automóveis e mercadorias perigosas. O navio ardeu por dois dias, até que, por fim, afundou. Apesar da dramaticidade da imagem, não houve vítimas, já que os tripulantes abandonaram o navio, assim que ele começou a pegar fogo. Dois meses depois, outro navio da companhia, o Grande Europa (acima), teria o mesmo destino.
Cinco marinheiros sumiram no mar
No último dia do ano de 2018, o navio especializado no transporte de automóveis Sincerity Ace pegou fogo no Oceano Pacífico, quando navegava do Japão para os Estados Unidos. A bordo, havia 3 500 veículos zero quilômetro da marca Nissan, que foram totalmente perdidos — embora o navio tenha sido salvo e rebocado de volta ao Japão.
O acidente, de tão impactante na quantidade de veículos afetados, gerou até receios de desabastecimento dos carros da marca no mercado americano, mas isso nem de longe foi o pior de tudo — e sim o desaparecimento no mar de cinco dos 21 tripulantes do navio, que tiveram que abandonar o Sincerity Ace quando concluíram que não conseguiriam debelar as chamas. O motivo do incêndio nunca foi esclarecido, mas tudo indica que tenha começado na bateria de um dos automóveis transportados.
Neste, a falha foi humana
Na madrugada de 8 de setembro de 2019, o navio coreano MV Golden Ray, dedicado ao transporte de automóveis, protagonizou o mais bizarro acidente marítimo da história recente dos Estados Unidos: tombou feito um brinquedo, ao zarpar do porto de Brunswick, no estado americano da Georgia, com 4.200 carros novos, das marcas Kia e Hyundai, a bordo.
Por si só, o acidente já seria impactante. Mas o que aconteceu depois dele foi ainda mais impressionante. Na impossibilidade de remover do local o gigantesco navio, a única solução foi picotá-lo, lá mesmo, em oito pedaços, com os automóveis — muitos deles intactos — ainda dentro dele, o que foi feito ao longo de quase dois anos.
A culpa do desastre foi atribuída a "má distribuição da carga" e a um absurdo "esquecimento de duas portas estanques abertas no interior do casco", o que permitiu que o navio inundasse e tombasse. Nenhum automóvel foi salvo, apesar da expectativa dos moradores da região de que isso pudesse ser feito.
E neste caso, os portugueses ficaram a ver navios...
Bem antes do acidente do MV Golden Ray, outro navio que transportava automóveis zero quilômetro e tombou no mar, bem diante das pessoas, fez história.
35 anos atrás, em 1988, o encalhe e perda total do navio japonês Reijin no litoral norte de Portugal, transformou o local em ponto de peregrinação dos portugueses, já que dentro do navio, tombado em frente à praia da Madalena, havia 5.000 automóveis Toyota — e todos sonhavam em poder resgatar algum deles.
Mas o desfecho do caso foi o pior possível, e os portugueses viram o sonho coletivo de conseguir um carro zero quilômetro de graça morrer, literalmente, na praia — clique aqui para conhecer esta interessante história.
Mas, naquele caso, não houve nenhum incêndio, nem o problema não estava na bateria dos carros.
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