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Reportagem

Você compraria carro cheirando a fumaça? O dilema do navio que pegou fogo

Na última segunda-feira, após quase 15 dias de apreensões e angústias, técnicos e equipes de segurança finalmente conseguiram vistoriar o interior do navio transportador de automóveis Fremantle Highway, que pegou fogo no dia 25 de julho, no litoral da Holanda, matando um dos seus tripulantes, quando transportava 3.784 automóveis zero quilômetro, muitos deles de alto luxo, como BMW, Mercedes-Benz e até alguns Rolls-Royce, considerados os carros mais exclusivos do mundo.

E a boa notícia foi que nem todos os veículos haviam sido destruídos pelo fogo — embora a maior parte deles, sim.

"Um grande número de carros que estavam na parte inferior do navio está, aparentemente, intacto", comemorou o diretor da empresa de salvamento Smit Salvage, Richard Janssen.

"Eles parecem estar em condições normais ou razoavelmente normais. Mas, agora, os fabricantes terão que inspecioná-los e decidir o que farão com eles. Já os carros que estavam nos conveses superiores viraram sucata queimada", completou o técnico.

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Imagem: Getty Images

Quem vai querer comprá-los?

Segundo o jornal alemão Bild, cerca de 800 unidades dos quase 4.000 automóveis que o navio transportava não foram atingidos pelo fogo, que consumiu boa parte do interior do navio durante uma semana, até ser extinguido por bombeiros, em 1º de agosto - quando, então, o Fremantle Highway foi rebocado para o porto holandês de Eemshaven, onde foi feita a sua primeira vistoria interna.

A informação de quem nem todos os carros haviam sido perdidos foi saudada como uma boa notícia, já que, até então, a previsão era que nenhum automóvel, em maior ou menor grau, escaparia do fogo.

Mas, agora, vem a dúvida: quem irá querer comprar um carro que, mesmo não tendo sido afetado diretamente pelas chamas, passou dias submetido a temperaturas altíssimas? Ou cheirando a fumaça?

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Esse é dilema que as fábricas donas dos automóveis que estavam sendo transportados terão que enfrentar.

Descartar ou vender sem contar? O que os fabricantes farão com os carros que escaparam do incêndio no navio?

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Imagem: dpa/picture alliance via Getty Images

Nos EUA, não!

Pelo menos uma fábrica, a exclusivíssima Rolls-Royce, fabricante de alguns modelos que estão entre os automóveis mais caros do mundo, já que são feitos apenas sob encomenda, já avisou que está conversando com os compradores dos veículos, que devem ser totalmente substituídos — ainda que não tenham sido afetados pelo incêndio.

Mas ainda não se sabe o que os demais fabricantes irão fazer.

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"Certamente, nenhum veículo que tenha sofrido algum tipo de dano causado pelo fogo, ou pela água usada pelos bombeiros para apagá-lo, poderá ser vendido como ´novo` nos Estados Unidos", adiantou, ao portal Automotive News, o economista americano Patrick Anderson.

"No mínimo, estes carros terão que ser vendidos como equivalentes a veículos usados, já que passaram por situações que nenhum carro saído da fábrica passaria", explicou o economista, acrescentando que o prejuízo total da "carga" que o navio transportava "deve passar dos 300 milhões de dólares", sem contar os danos ao navio em si, que, apesar de ter sido bastante afetado pelo incêndio, aparentemente, também poderá ser recuperado — e esta foi outra boa notícia trazida pelos técnicos que vistoriaram o Fremantle Highway.

A casa de máquinas do navio permanece intacta, e, talvez, não seja possível reaproveitá-lo", disse o diretor da empresa de salvamento.

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Imagem: dpa/picture alliance via Getty Images

Como começou o fogo

O Fremantle Highway começou a pegar fogo na noite do dia 25 de julho, quando navegava na costa da Holanda, vindo da Alemanha com destino ao Egito. Na ocasião, um tripulante morreu e outros se atiraram ao mar, a fim de escapar das chamas, até serem resgatados.

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A suspeita é que o incêndio tenha sido causado pelas baterias de lítio de um dos 498 veículos elétricos que o navio transportava, e foi o oitavo incidente desse tipo em navios voltados para o transporte de veículos apenas nos últimos cinco anos, o que acendeu ainda mais o alerta de que, com a popularização cada vez maior dos carros elétricos, algo precisa ser feito para aumentar a segurança no transporte marítimo de veículos.

O problema das baterias nos elétricos

O principal problema estaria nas baterias de íons de lítio usadas nos veículos elétricos, que contêm eletrólitos inflamáveis e materiais altamente reativos que podem gerar curto circuitos ou mesmo explodir se não forem corretamente desativadas durante o transporte.

Uma vez atingidas pelo fogo (de outro veículo, por exemplo), estas baterias chegam a atingir temperaturas de mais de 2 700 graus Celsius, agindo como um acelerador e potencializador das chamas — daí a dificuldade em controlar incêndios desse tipo, como aconteceu com o Fremantle Highway, que ardeu durante sete dias, até ser controlado.

A questão nesses tipos de navios, chamados de roll-on/roll-off, é que neles os veículos são embarcados de maneira autônoma, ou seja, com o motor em movimento, o que exige que as baterias sejam desconectadas após o processo — e há suspeitas que nem sempre isso acontece da maneira correta, gerando faíscas e curtos-circuitos. Ou, então, que falhas na fabricação das próprias baterias as deixem mais vulneráveis a explosões espontâneas, como também pode ter acontecido no caso do navio que agora está sendo periciado na Holanda.

Outro caso, neste instante

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Imagem: USCG
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Enquanto isso, outro caso bem parecido está ocorrendo, neste exato instante, no porto de Newark, nos Estados Unidos, envolvendo a perícia em outro navio transportador de veículos, o Grande Costa D´Avorio, que também pegou fogo no início do mês passado, quando embarcava 1.200 automóveis usados, que seriam exportados para o Caribe.

O incêndio começou quando o navio ainda estava parado no porto, sendo carregado com os veículos, e levou seis dias para ser controlado. Apesar da intensidade do fogo, também nem todos os veículos queimaram.

Agora, uma vistoria está sendo feita, para determinar quais os veículos que poderão ser resgatados.

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Imagem: USGC

Resta saber quem terá interesse em comprá-los?

Os Porsches de brasileiros que afundaram no Atlântico

Quatro anos atrás, outro navio da mesma empresa do Grande Costa D´Avorio, o Grande America, também pegou fogo e afundou na costa da França, quando transportava automóveis — e quatro deles viraram notícia, porque eram as últimas unidades construídas de um modelo superesportivo da Porsche, o GT2 RS, que haviam sido vendidas para compradores brasileiros.

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O fato chocou até o próprio fabricante, que tomou uma decisão até então inédita na história da indústria automobilística — clique aqui para conhecer este caso.

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Imagem: Joy Photography

Mais tarde, o mesmo procedimento teve que ser adotado pela Lamborghini, quando as últimas 14 unidades do modelo Aventador, que havia acabado de sair de linha, foram destruídas no incêndio que tomou conta de outro navio transportador de veículos, o Felicity Ace, no ano passado.

Um caso que virou história

Outro caso envolvendo navios transportadores de automóveis que deu o que falar na época, ocorreu 35 anos atrás, em 1988, quando o navio japonês Reijin encalhou bem diante de uma das praias do litoral norte de Portugal, com 5 000 automóveis zero quilômetro da marca Toyota a bordo.

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Imagem: Getty Images
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Durante meses, a valiosa carga do navio encalhado em frente à praia, ao alcance de qualquer barquinho, virou objeto de cobiça dos moradores da região, que passaram a sonhar com a possibilidade de ter um daqueles carros na garagem de casa.

Mas, ao contrário do que a vistoria no Fremantle Highway, esta semana, demonstrou, o desfecho daquele caso foi o pior possível, e os portugueses viram o sonho coletivo de conseguir um carro zero quilômetro de graça morrer, literalmente, na praia — clique aqui para conhecer esta interessante história.

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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