O barco real que foi a inspiração para o mais novo filme de Drácula
Os fãs de filmes de terror que já assistiram a nova versão de Drácula ("A Última Viagem do Demeter", em cartaz nos cinemas), sabem que a história começa e se passa praticamente dentro de um barco, com o vampiro aterrorizando os seus tripulantes — que, um a um, vão sendo atacados.
Mas, o que talvez nem todos que já viram o filme saibam é que, embora tudo ali tenha saído da mente fértil do criador do Príncipe das Trevas (o filme, do diretor norueguês Andre Øvredal, é baseado no clássico livro sobre o Conde Drácula), seu criador, o escritor irlandês Bram Stoker, se baseou em elementos verdadeiros para escrever sua obra-prima da ficção do terror.
A começar pelo próprio barco que levou o vampiro para a Inglaterra: o tal Demeter, do título do filme, que nunca existiu. Mas o que o inspirou, sim.
Como tudo começou
Tudo começou quando Bram Stoker foi passar uma temporada de férias em um pequeno povoado da costa nordeste da Inglaterra, chamado Whitby, em julho de 1890, sete anos antes de escrever seu livro.
Ali, entre passeios diários pelo povoado e visitas às escarpas que se debruçavam sobre a praia e o porto da cidade, Stoker ficou sabendo de um episódio um tanto dramático envolvendo um navio russo, chamado Dmitry, cinco anos antes.
O Dmitry era uma escuna de madeira, movida à vela, como a maioria dos barcos da época, que havia zarpado da então cidade russa de Varna (hoje pertencente a Bulgária), praticamente vazio, com destino ao porto de Antuérpia, na Bélgica, onde seria carregado para a viagem de volta.
Mas, ao chegar à costa inglesa, a tripulação do Dmitry foi surpreendida por uma sequência de tempestades, ventos fortíssimos e chuvas intensas, que levaram o comandante da embarcação a buscar abrigo em Whitby, na noite de 24 de outubro de 1885, medida também adotada por outros barcos.
Um deles, a também escuna cargueira Mary and Agnes, que navegava milhas à frente do Dmitry, não teve sorte e encalhou na entrada do porto, obrigando a equipe de socorro da cidade, que acompanhava tudo à distância, do alto dos promontórios da costa inglesa, a colocar um bote no mar, a fim de resgatar os seus tripulantes.
Outro bote já estava sendo preparado para fazer o mesmo com os tripulantes do Dmitry, que parecia fadado ao mesmo destino. Mas não foi preciso. Mesmo debaixo de uma chuva de raios e fortes ventanias (nada mais propício para fomentar a mente criativa de Bram Stoker anos depois...), o Dmitry conseguiu entrar no porto de Whitby e ancorou diante da praia, graças a habilidade do seu comandante.
Mas, na manhã seguinte, quando a tempestade já havia passado e o risco de naufrágio parecia extinto, a maré subiu rapidamente com muita força, arrancando a escuna do seu ancoradouro e a atirando na praia, onde passou a ser espancada pelas ondas.
O massacre não durou muito. Logo, os mastros desabaram e a tripulação, agora sim com a ajuda dos habitantes locais, abandonaram o barco, que, semidestruído, foi parar em cima areia, bem diante de uma longa escadaria, que conduzia ao topo de uma escarpa, onde havia uma antiga abadia, ao lado de cemitério desativado.
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Quero receberNão houve vítimas no acidente do Dmitry. Mas Bram Stoker daria um jeito de mudar isso radicalmente, anos depois.
Cenário perfeito para uma história de terror
Embora o episódio do Dmitry tenha tido um final até feliz, com todos os seus sete ocupantes sãos e salvos, Stoker se interessou bastante por aquela história: um sombrio barco do leste europeu chegando à Inglaterra durante uma noite de tempestade, e encontrando o seu fim bem diante de uma escadaria que levava às ruínas de uma velha abadia, repleta de morcegos, ao lado da qual jazia um abandonado cemitério — um cenário perfeito para estimular a mente de um criativo escritor, que logo vislumbrou um completo roteiro de terror.
Stoker começou, então, a tomar nota de nomes e detalhes. A começar pelo do próprio barco: Dmitry (que viraria Demeter na obra do escritor).
No cemitério, onde algumas lápides estavam vazias, porque eram homenagens do passado a pescadores que haviam perdido a vida no mar, Stoker reparou que muitas outras continham o mesmo sobrenome: Swales — que, não por acaso, se tornaria o nome da primeira vítima do futuro Drácula em solo inglês, morto com o pescoço quebrado.
Em seguida, cada vez mais entusiasmado com o que brotava em sua mente, Stoker visitou a biblioteca local. Lá, encontrou um livro, escrito pelo ex-cônsul britânico William Wilkinson, que atuara nos principados da Valáquia (atual Romênia), que narrava a história de um príncipe da região, do século 15, que tinha o pavoroso hábito de empalar seus inimigos em estacas de madeira. Seu nome era Vlad Tepes — muito mais conhecido como "Drakul", ou "Filho do Dragão" — que também significava "Diabo" -, na língua local
Pronto: Bram Stoker já tinha o nome para a sua futura criatura. E ela chegaria à Inglaterra vinda da Romênia a bordo de um barco condenado, em uma noite tempestuosa, e se escondido em um cemitério abandonado, que ficava ao lado de sinistras ruínas, repletas de apavorantes morcegos — ingredientes perfeitos para uma história de terror.
Sete anos depois, em 1897, Stoker lançou Drácula, que se tornaria uma das principais obras-primas da literatura gótica de todos os tempos, dando vida às lendas dos vampiros, que tanto fascinam leitores e espectadores até hoje.
Plateia atenta à tela
O mais novo filme sobre o Princípe das Trevas, sobre o qual já foram feitas dezenas de produções, foca apenas no sétimo capítulo do livro de Stoker: o que narra a chegada do vampiro à Inglaterra, depois de ter aniquilado a tripulação do barco no qual viajara escondido dentro de uma caixa de madeira, e desembarcado sob a forma de um grande cão, que passa a aterrorizar também a cidade, a partir do cemitério no qual se escondia — como se vê, aquelas férias de Bram Stoker em Whitby foram bem proveitosas.
Mesmo assim, o filme — apesar do roteiro previsível e do formato um tanto convencional dos filmes de terror — mantém a plateia tão atenta à tela quanto os ouvintes de uma boa história marítima — o que, de certa forma, "A Última Viagem do Demeter" também é.
Outra história que virou clássico literário
Bram Stoker, contudo, não foi o primeiro escritor a se inspirar em um fato real oriundo do mar para criar uma obra-prima da ficção.
Um pouco antes dele, em 1851, o americano Herman Melville fez o mesmo — e com ainda mais sucesso —, ao se inspirar na saga real de um barco baleeiro que enfrentara a fúria de uma grande baleia no meio do oceano, deixando seus ocupantes entre a vida e a morte, para escrever um dos maiores clássicos da literatura de todos os tempos: Moby Dick — que, embora também seja uma lenda, foi baseado em um caso verídico, ocorrido com o baleeiro Essex, em 1819, como pode ser conferido clicando aqui.
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