Histórias do Mar

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Casco de navio surge enterrado na praia e deixa cidade de SC intrigada

O surgimento, semanas atrás, de pontas de ferro soterradas nas areias da Praia da Esplanada, no município catarinense de Jaguaruna, durante uma maré excepcionalmente seca, deixou alguns moradores mais antigos da cidade intrigados.

Embora estivesse claro que aqueles escombros enfileirados faziam parte da estrutura do casco de um antigo barco soterrado na areia da praia muito tempo atrás, nenhum deles foi capaz de garantir com precisão qual navio teria sido aquele.

Discussões nas redes sociais

"Acho que é o Gravataí, um navio tanque que transportava gasolina e encalhou aqui na cidade, em 1972. Mas não posso garantir, porque o mar já subiu e encobriu tudo de novo, e não dá para investigar", diz o responsável pelo Museu da Cidade de Jaguaruna, Gilson Luiz Paes, um dedicado pesquisador de naufrágios ocorridos na região.

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Imagem: Reprodução Museu de Jaguaruna

"Não é o Gravataí, não. O Gravataí encalhou depois das ondas, longe da praia. O mar não pode ter recuado tanto assim", contestou, nas redes sociais, um morador da cidade.

"Não sei qual navio é, mas lembro que meu pai me levava para ver um casco encalhado na praia. Achei que já tinha sumido, mas não é que voltou?", comentou outra moradora de Jaguaruna, sem, porém, acrescentar muito ao enigma: qual navio jaz enterrado na areia daquela praia, para matar a curiosidade dos mais moradores mais antigos da cidade, e despertar a surpresa dos mais jovens?

"É sério que tem um navio inteiro debaixo da areia?", vibrou um deles nas redes sociais, após assistir a um vídeo gravado por um pescador da região, que alertava não sobre a descoberta do navio, mas sim para o perigo que aqueles ferros pontiagudos brotando na areia da praia poderiam representar aos banhistas.

Uma pedra no caminho

A maior dificuldade em apontar a identidade do barco que brotou da areia da Praia da Esplanada está em uma característica da costa que banha a cidade de Jaguaruna: o perigoso mar daquele trecho do litoral sul de Santa Catarina, que, no passado, quando ainda não havia tantos recursos de navegação, era repleto de riscos aos navegantes.

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O principal deles é a Laje da Jaguaruna, uma grande bancada de pedras, com pouco mais de um quilômetro de extensão, que existe a cerca de cinco quilômetros da costa, bem diante das praias da cidade. Ali, a profundidade diminui abruptamente de 40 metros para pouco mais de um metro e meio e forma uma verdadeira armadilha para os barcos.

No passado, dezenas de embarcações foram vítimas daquela laje, que quase aflora na superfície nas marés baixas, mas gera ondas monstruosas, que podem chegar aos 15 metros de altura, no meio do mar, nos dias de ressaca — para delírio dos surfistas, que há muito elegeram a "Laje da Jagua" como dona das maiores ondas do Brasil.

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Imagem: Divulgação Turismo Jaguaruna

O perigo não são as ondas

No entanto, no passado — quando a Laje da Jaguaruna não estava suficientemente assinalada nos mapas —, o maior perigo era justamente quando o mar estava calmo, porque a não presença das ondas impedia que os capitães visualizassem o obstáculo, a tempo de desviar.

E quando os barcos desviavam no sentido errado, às vezes, eram colhidos pelas fortes correntes marítimas da região, que os arremessavam nas praias. Certamente foi o que aconteceu com o enigmático navio que agora está enterrado na praia.

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Um desastre atrás do outro

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Imagem: Reprodução Acervo Gentil Reynaldo Memória Jaguaruna

Além do Gravataí, navio que o gestor do Museu de Jaguaruna acredita ser o dono do casco, também ocorreram encalhes, seguidos de naufrágios, nas praias de Jaguaruna dos cargueiros Santos Porto, em 1942, Guaratinga, em 1954, Rio Parnaíba, em 1955, e Buenos Aires, em 1946, este com um carregamento de roupas de lã, que foram saqueadas pelos moradores da cidade - e isto apenas entre as décadas de 1940 e 1950.

Nem mesmo a construção de um farol na vizinha vila de Santa Marta, entre as cidades de Jaguaruna e Laguna, em 1891, impediu que os acidentes marítimos parassem de acontecer, o que justificou ainda mais o apelido que a região recebeu: "Cemitério de Navios".

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Imagem: Reprodução Acervo Gentil Reynaldo Memória Jaguaruna

O mais famoso dos naufrágios

"Nossos registros indicam 72 naufrágios no mar de Jaguaruna, entre os que nós pudemos apurar. Mas, talvez, existam mais", diz o responsável pelo Museu da Cidade, cujo sonho seria encontrar o mais famoso - e procurado — deles: o do barco do revolucionário italiano Giuseppe Garibaldi, principal expoente da Guerra dos Farrapos, que afundou em algum ponto daquela região em julho de 1839, quando seguia para Laguna, a fim de dominar o porto em favor dos rebeldes que buscavam a separação do sul do Brasil do restante do país.

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Imagem: Getty Images

Apesar de alguns registros deixados por Garibaldi, nunca se soube o exato local onde o seu barco afundou, nem por qual motivo, embora o mais provável que ele também tenha sido vítima da famigerada Laje da Jaguaruna.

Na ocasião, morreram 16 dos 30 homens sob comando de Garibaldi, que, no entanto, sobreviveu ao naufrágio, e de lá marchou pela praia até se juntar a correligionários que seguiam em outro barco, que, por fim, chegou a Laguna e tomou posse do porto, para a fúria do Imperador brasileiro, Dom Pedro II.

Polêmica entre duas cidades

Tempos atrás, baseado em um antigo relato feito por Garibaldi ao escritor francês Alexandre Dumas, o prefeito do vizinho município de Araranguá anunciou que a Prefeitura da cidade iria promover uma pesquisa de campo, a fim de buscar os restos do barco do italiano "na embocadura do Rio Araranguá", como constava na obra como sendo o suposto local do naufrágio.

Mas o projeto não foi adiante e a busca pelos restos do histórico barco de Giuseppe Garibaldi continua, embora o mais provável é que ele tenha sido destruído ao se chocar com a Laje de Jaguaruna, tendo os seus sobreviventes chegado à praia a nado.

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"Isso, com certeza, aconteceu na nossa praia, onde, talvez, o barco dele também tenha encalhado", sonha o gestor do Museu de Jaguaruna, já vislumbrando o benefício turístico que o achado traria para a cidade.

O exemplo de outra cidade

A descoberta de antigos barcos naufragados sempre gera efeitos positivos, tanto para os estudiosos quanto para os turistas.

Especialmente quando eles estão acessíveis, em plena areia da praia.

Em Santos, no litoral de São Paulo, o surgimento de restos da estrutura de um grande barco de madeira soterrado em uma das praias mais movimentadas da cidade, seis anos atrás, deixou alvoroçados arqueólogos e pesquisadores de naufrágios, que trataram de ir atrás da identidade do barco, embora tudo indicasse que foi um veleiro cargueiro que ali havia encalhado em 1895.

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Imagem: Reprodução
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Até hoje, a identidade do barco não foi cientificamente comprovada, porque para isso seria preciso executar um complexo — e caro — projeto de escavação na areia da praia, tecnicamente quase inviável.

Mas, enquanto aguarda uma solução para o caso — que ninguém sabe qual será —, a Prefeitura de Santos resolveu lucrar turisticamente com o curioso achado: instalou um interessante recurso de realidade virtual na própria praia, que permite aos visitantes "visualizarem" o suposto barco que ali está enterrado e conhecer sua história — que também pode ser conferida clicando aqui.

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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