Histórias do Mar

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Reportagem

Solidão, escuridão, icebergs, ursos: os desafios de Tamara Klink no Ártico

Menos de dois anos após se tornar a mais jovem brasileira a atravessar o Oceano Atlântico navegando sozinha com um barco à vela, Tamara Klink, de 26 anos, filha do mais famoso navegador do Brasil, Amyr Klink, voltou para o mar, para mais um feito memorável.

Em julho último, após postar um vídeo na internet informando para onde seguiria, ela partiu da França, igualmente sozinha no barco, para outra longa jornada no mar.

Desta vez, uma travessia de mais de 4.500 quilômetros até a distante ilha da Groenlândia, no topo do planeta, aonde Tamara chegou dois meses depois, sem maiores problemas, apesar de esta ser uma das rotas mais tensas do mundo, por conta da presença constante de icebergs.

Nenhum brasileiro fez isso

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Imagem: Divulgação

É lá, na remota Groenlândia, já acima do Círculo Polar do Ártico (onde, nesse instante, quase tudo já é gelo, prenúncio do início do inverno, e logo a luz do sol dará lugar à total escuridão, por meses a fio) que Tamara está iniciando a segunda parte de sua nova jornada: a invernagem, sozinha, dentro de seu barco, na escuridão do mar congelado do Ártico - algo que nenhum brasileiro fez até hoje.

Tamara, no entanto, prefere não falar muito sobre isso.

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Imagem: Dvulgação
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"Prefiro não entrar em detalhes sobre a invernagem", diz a mais falada navegadora brasileira do momento - e, sem dúvida, a mais audaciosa. "Farei isso quando a invernagem já tiver terminado", desconversa.

Dias escuros como a noite

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Imagem: Reprodução

Durante o inverno, que no Ártico vai de outubro até perto de maio, o mar congela por completo, impedindo os barcos de navegar - razão pela qual praticamente nenhum navegador vai para lá nessa época do ano, exceto os mais aventureiros, como é o caso da filha de Amyr Klink.

No inverno, o clima no Ártico se torna inclemente, as temperaturas são sempre dezenas de graus abaixo de zero e os dias ficam tão escuros quanto as noites, o que torna a paisagem ainda mais inóspita.

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Gosta de navegar sozinha

Mesmo assim, é justamente ali que Tamara Klink deve passar os próximos sete ou oito meses, com seu barco travado pelo gelo, sem poder ir a lugar algum. E sozinha, como ela gosta de estar no mar.

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"Sozinha, sei que posso contar apenas comigo mesmo para resolver os problemas, e isso me faz aprender melhor e mais rápido. No Ártico, o frio e a solidão são duas certezas, então não as temo. Venho me preparando psicologicamente para isso há tempos", diz a brasileira, que, neste aspecto - e em outros mais - herdou as mesmas características do pai.

Inclusive o prazer pela navegação nos polos extremos do planeta.

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Repetindo o feito do pai

Caso Tamara passe o inverno inteiro dentro de seu barco no mar congelado do Ártico, estará, de certa forma, repetindo uma das façanhas mais extraordinárias de seu pai, só que no lado oposto do planeta.

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Em 1990, Amyr Klink passou sete meses sozinho em seu barco preso propositalmente ao gelo da Antártica durante o inverno, naquela que se tornaria a primeira "invernagem" de um navegador brasileiro nos polos do planeta.

Em outra de suas expedições, Amyr também esteve no Ártico, mas não durante o inverno, como sua filha está fazendo agora - e de onde ela só deve sair em meados do ano que vem, quando o mar descongelar e permitir que volte a navegar.

De certa forma, Tamara é uma versão ainda mais arrojada do pai, que tanto admira.

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"Meu pai compartilha comigo parte da sua experiência, mas permite que eu persiga meus sonhos a minha maneira. Ele me ajuda fazendo eu aprender sozinha. Sou grata a ele por isso e pelo privilégio de ter crescido próxima de uma pessoa que é referência no assunto. Isso sempre me permitiu crer que navegar em solitário era algo possível, mesmo para uma menina", diz Tamara, que, nesta sua nova jornada, escolheu o Ártico - e não a Antártica, continente preferido do pai - por conta das questões climáticas que o mundo vem enfrentando.

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"No Ártico, as alterações climáticas estão sendo mais visíveis e aceleradas. Ao contrário da Antártica, aqui há uma população nativa, que está tentando se adaptar a estas mudanças. Desde que cheguei aqui, venho percebendo isso, e será instrutivo acompanhar estas mudanças de perto", diz Tamara, que também faz parte de um projeto da Unesco para jovens que se preocupam com o planeta e desenvolvem projetos autossustentáveis.

Barco menor que quitinete

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Imagem: Divulgação

Nesta nova expedição, Tamara está usando um novo barco, um pouco maior que o anterior, que usou para atravessar o Atlântico, mas batizado com o mesmo nome: "Sardinha" - que ela sempre chama no feminino ("a" Sardinha), porque encara o barco como sendo uma "companheira de viagem".

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O novo barco tem casco de aço, mais apto a enfrentar os rigores do gelo do Ártico, pouco mais de dez metros de comprimento, dois pequenos quartos que foram transformados em depósitos para estocar mantimentos e equipamentos para a longa invernagem, um minúsculo banheiro (sem chuveiro nem água quente, o que obriga Tamara a tomar banho dentro de um caixote de plástico), uma saleta com cozinha integrada, e pouco mais de 25 m2 de espaço interno - menos que uma quitinete.

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Ele foi feito em casa, por um francês, e comprado, usado, por Tamara na França, com o dinheiro que ela arrecadou com a venda dos três livros que já escreveu - o último deles, recém-lançado, e escrito após a sua travessia do Atlântico. A verba que tem do patrocínio das lojas Magalu e da empresa de tecnologia NTT Data foi usada para reforçar o barco, já que no Ártico não existe nada, muito menos alguém para consertá-lo.

"Na Sardinha, minha geladeira é o banheiro, onde a temperatura, graças a um aquecedor, fica em torno de 5 graus, e meu ´freezer´ é o lado de fora, onde pode fazer -35ºC", brinca Tamara, que não sabe quando retornará ao Brasil. Nem mesmo quando sairá das proximidades do Polo Norte.

Entrando numa fria

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Embora invernar no Ártico seja algo desafiador mesmo para navegadores experientes, Tamara decidiu rumar para lá logo em sua segunda grande expedição, após a travessia do Atlântico em solitário. E não teme entrar numa fria.

"Já entrei faz tempo, desde que decidi que viria para cá", diverte-se. "Mas tenho bons casacos".

Medo? Tamara garante que sente isso o tempo todo.

"Mas é o medo - e não a coragem - que me faz ficar ainda mais atenta. Como conheço minhas limitações, não passo dos meus limites, e, no mar, monitoro tudo, o tempo todo", diz.

O risco dos ursos polares

No inverno do Ártico, além do frio glacial, da escuridão total e da pressão que o gelo exerce sobre os cascos dos barcos, Tamara ainda enfrentará outro risco, bem mais imprevisível: os ursos polares, que habitam aquelas águas congeladas.

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Por sua impressionante capacidade de farejar comida à distância, os ursos são o principal temor de quem visita o Ártico - razão pela qual, desta vez, Tamara levou uma arma no barco, após fazer um curso de tiro.

No entanto, no passado, quando as embarcações eram bem mais precárias, costumava ser ainda mais perigosos, com os ursos atacando os barcos em busca de comida.

A história do Ártico está repleta de registros de ataques desse tipo, mas nem todos foram trágicos.

Ao contrário, um deles entrou para a história justamente por ter terminado de maneira surpreendente, quando um certo navegador inglês, chamado Bruce Gordon, cujo barco naufragara no Ártico, acabou por "adotar" o filhote da ursa que o atacou, e treinou o animal para caçar para os dois - clique aqui para conhecer esta interessante história, uma das muitas que Tamara certamente terá para contar quando retornar da sua desafiadora expedição aos confins congelados do planeta, embora ninguém saiba quando isso acontecerá.

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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