Histórias do Mar

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Brasileiro resgatado no mar diz que tentou salvar capitão: 'Vi ele afundar'

Duas semanas após viver a pior experiência de sua vida — o naufrágio, durante uma tempestade, no meio do oceano Atlântico, do veleiro no qual estava, que resultou na morte por afogamento do capitão do barco, o suíço Benno Frey —, o brasileiro Marcelo Osanai, de 38 anos, voltou a São Paulo, onde vive, ainda um tanto traumatizado pelo desastre, mas com um profundo sentimento de gratidão a todos que ajudaram no seu resgate.

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Imagem: Arquivo pessoal

Especialmente o comandante do navio que o resgatou no mar, o indiano Ravi Yadav — que desviou sua rota e navegou horas para resgatar o paulista e outro tripulante do veleiro naufragado, o suíço-americano Balthasar Wyss, que estavam em uma frágil balsa salva-vidas à deriva, no meio do oceano.

Sem a ajuda de todos que ajudaram no meu resgate, que deve ter passado de 100 pessoas, eu não estaria de volta ao Brasil. Muito menos vivo

O que aconteceu

No dia 27 de fevereiro, o brasileiro Marcelo Osanai embarcou, como tripulante ajudante, junto com o suíço-americano Balthasar Wyss, no veleiro Nina Pope, do capitão suíço Benno Frey, para uma travessia do Rio de Janeiro à Cidade do Cabo, na África do Sul.

No meio da travessia, durante uma tempestade e após uma escala da ilha Tristão da Cunha, o veleiro do trio colidiu com uma boia de rede de pesca abandonada, que danificou o barco, que começou a encher de água.

Após quatro horas tentando drenar a água que entrava, eles decidiram abandonar o veleiro, pedir socorro através de equipamentos eletrônicos que tinham, e passar para uma balsa salva-vidas, à espera de um eventual resgate.

Com a ajuda de cintos de segurança que os mantinham atados ao barco, equipamento obrigatório no caso de tempestades, Marcelo e Balthasar entraram na balsa. Mas quando o capitão estava prestes a fazer o mesmo, o veleiro afundou subitamente e o arrastou para o fundo do mar.

Chocados, os dois sobreviventes passaram quase seis horas à deriva no mar, durante a tempestade, até que um navio petroleiro, comandado pelo capitão indiano Ravi Yadav, que havia aceitado o pedido de socorro feito pelos velejadores, desviou sua rota e resgatou os náufragos, a mais de 2 500 quilômetros da costa africana.

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O capitão suíço Benno Frey, que morreu no naufrágio
O capitão suíço Benno Frey, que morreu no naufrágio Imagem: Reprodução

O capitão do barco morreu afogado, porque não conseguiu soltar o cinto de segurança a tempo, apesar das tentativas feitas também pelo brasileiro para ajudá-lo. Mas não conseguiu, como ele conta a seguir.

"Faltou muito pouco"

"Por causa da tempestade, que não tínhamos como evitar, porque a ilha de Tristão da Cunha não tem um porto abrigado, nem sentimos quando o veleiro bateu na boia. Mas ela tinha um pedaço de corda, que enroscou e arrancou a grade do convés, por onde começou a entrar água. Tentamos esgotá-la, mas era impossível".

Horas depois, decidimos pedir socorro, abandonar o barco e passar para a balsa salva-vidas

"Vestimos coletes salva-vidas que tinham cintos de segurança atados nas laterais do convés, e fomos para o lado de fora do barco, que afundava cada vez mais rápido, por causa também das ondas. Elas eram muito altas, mas o cinto de segurança mantinha a gente firme no que restava do barco ainda fora d´água. Para passar para a balsa, era preciso soltar o cinto".

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"O Balthasar foi o primeiro a fazer isso. Eu, o segundo, enquanto o capitão segurava o cabo da balsa, para mantê-la junto ao barco, para que nós pudéssemos embarcar. Quando soltei o meu cinto, veio uma onda que inclinou o veleiro e tombou a balsa. Me atirei na água e ajudei o Balthasar a desvirar a balsa".

"Só faltava embarcar o capitão, que continuava segurando o cabo da balsa, para ela não ser levada pelas ondas".

Ele se aproximou da lateral do barco e baixou uma das mãos, para soltar o cinto de segurança. Mas gritou que não estava conseguindo. Daí, eu me atirei de novo no mar, e tentei ajudá-lo a soltar o cinto. Mas não deu tempo. O veleiro, que ainda flutuava um pouco, afundou feito uma pedra, levando ele junto

"Tudo isso não levou mais do que alguns segundos. Assim que o capitão sumiu diante dos meus olhos, vi afundar, também, a ponta do mastro do barco, que tinha uns 20 metros de altura. Isso mostra como o naufrágio foi rápido. Foi tudo muito impressionante e terrível".

"Quando o barco afundou, levando junto o capitão, fiquei em choque, sem saber o que fazia. Mas voltei para a balsa e contei ao Balthasar o que tinha acontecido. Ele não viu nada, porque estava de costas, tentando se segurar na balsa.

Ficamos os dois aterrorizados com o que tinha acontecido com o capitão, mas, dali em diante, era preciso lutar pela nossa sobrevivência

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Imagem: Reprodução

"Ligamos um dos dois aparelhos de localização que tínhamos. O outro, nós deixamos desligado, para economizar bateria, já que não sabíamos quanto tempo levaria até chegar o resgate - se é que ele aconteceria. Mas logo recebemos uma mensagem de texto, dizendo que um navio estava a caminho. Não dizia quanto tempo levaria, mas provava que o nosso pedido de socorro, feito ainda no barco, tinha sido ouvido por alguém. E isso trouxe uma certa esperança".

"A espera durou umas seis horas, até que ouvimos um apito. Era um grande navio, se aproximando. Sinalizamos com uma lanterna, para facilitar a visualização da balsa, e respiramos aliviados. Mas ainda precisávamos ser resgatados. E isso não parecia ser muito fácil, porque o navio era enorme e precisava ser manobrado com cuidado, para não passar por cima da nossa balsa".

"A sorte foi que o comandante do navio, além de uma pessoa muito humana e solidária (como teríamos certeza mais tarde, após sermos resgatados), fez uma manobra perfeita, posicionando o navio entre a balsa e as ondas, para que pudéssemos embarcar".

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Imagem: Reprodução

Só quando agarrei a escadinha do navio e subi é que tive certeza que estava salvo. Fomos muito bem recebidos e acolhidos pelo capitão Ravi e seus tripulantes, a quem devo boa parte do fato de ainda estar vivo

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"Mais tarde, o capitão Ravi nos contou que aquele desvio que fizera na rota para nos resgatar, e o tempo que navegou até chegar até a balsa, sem a certeza de que conseguiria encontrá-la, custara algo como uns 100 mil dólares em combustível, mas que tanto os donos do navio quanto da carga daquela viagem haviam autorizado o resgate, a quem também agradecerei pelo resto da vida".

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Imagem: SAMSA

"Mas contou, também, que aquela não era uma questão financeira e sim humanitária. E citou uma lei que eu não conhecia: a ´Lei do Mar`, que determina que qualquer pessoa em apuros no mar precisa ser socorrida, custe o que custar. Acho que todas as pessoas que ajudaram no meu resgate, inclusive os anônimos operadores de sistemas de socorro, devem seguir essa lei ao pé da letra.

"À estas pessoas, só posso dizer uma palavra: obrigado. Só lamento que o sucesso do meu resgate tenho ocorrido após uma tragédia".

A imagem do capitão afundando com o barco ficou na minha cabeça. Faltou muito pouco para ele escapar também

Outro comandante que virou herói

A "Lei do Mar", seguida pelo comandante do petroleiro que resgatou os dois sobreviventes do naufrágio do veleiro Nina Pope, não está escrita em nenhum lugar, mas é seguida à risca pelos legítimos 'homens do mar`, como são considerados aqueles que se arriscam para salvar a vida de outras pessoas nos oceanos.

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Inúmeros casos do gênero já aconteceram. Mas, para os brasileiros, um deles em particular ficou marcado para sempre.

No final da década de 1970, o comandante brasileiro Charles França de Araújo e Silva, capitão do então maior navio do país, o superpetroleiro José Bonifácio, fez história ao resgatar, no mar asiático, um grupo de 24 vietnamitas - entre eles, famílias e crianças - que tentavam escapar da miséria e da perseguição política do Vietnã do pós guerra.

Eles estavam um frágil barco em alto-mar, prestes a ser engolido por um tufão que se aproximava.

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Imagem: Reprodução

Entre ignorar aquele grupo de refugiados, que acenavam para os navios que passavam, em busca de asilo em outro país, ou cumprir o dever humanitário de não deixar aquelas pessoas entregue à própria sorte, o comandante França optou, acertadamente, pela segunda hipótese.

E o nobre gesto do comandante brasileiro acabaria dando origem a outro benefício: o surgimento da primeira comunidade vietnamita do Brasil, que, até hoje, ainda tem sobreviventes daquele episódio — clique aqui para conhecer esta interessante história.

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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