Histórias do Mar

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Reportagem

'Sumiços', assédios e ameaças: a vida perigosa dos observadores de pesca

O papuásio (como são chamadas as pessoas nascidas em Papua Nova Guiné) Charles Lasisi tinha 40 anos de idade e quatro filhos, quando, em março de 2010, terminou seu jantar e saiu do refeitório de um barco pesqueiro que atuava no Pacífico Sul, na companhia de dois tripulantes filipinos. E nunca mais foi visto vivo.

Meses depois, parte do seu corpo, preso à uma corrente, foi encontrado boiando no mar.

Lasisi vinha seguidamente denunciando os pescadores daquele barco por capturar, ilegalmente, peixes de espécies protegidas e até golfinhos.

Detidos, os dois filipinos - últimos a serem vistos com ele ainda vivo - alegaram inocência e a acusação foi arquivada.

Em outro caso, em junho de 2017, o também papuásio James Numbaru igualmente desapareceu do barco no qual trabalhava, três dias após registrar uma denúncia de pesca ilegal e poluição no mar contra o capitão da embarcação.

Apesar da evidente ligação entre uma coisa e outra, nada aconteceu com o capitão do barco infrator.

Em junho do ano passado, o português Paulo Peixoto desapareceu do pesqueiro português Calvão, nas imediações do mar territorial argentino, sob circunstâncias igualmente misteriosas.

Seu corpo jamais foi encontrado.

Tinham o mesmo trabalho

Não por acaso, além dos desfechos trágicos, o que une as histórias destes três homens foi a profissão que eles escolheram exercer.

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Charles, James e Paulo - bem como outras estimadas 2 500 pessoas mundo afora, algumas delas, mulheres - eram observadores profissionais de pesca, uma profissão bem pouco conhecida, mas fundamental para coibir abusos, determinar cotas para as empresas de pesca e manter sadios os estoques de seres vivos nos mares do mundo.

Cabe aos observadores de pesca fiscalizar os barcos pesqueiros e colher dados dos cardumes capturados, a fim de impedir a sobrepesca e outras irregularidades.

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Imagem: Divulgação/John Davis

Um trabalho pouco conhecido

Os relatórios e dados coletados por eles servem para balizar a saúde dos oceanos, e permitem - ou não - que as empresas do setor possam estampar em seus produtos (como as latas de atum, por exemplo) um selo cada vez mais valioso: o que atesta que aquele pescado foi capturado de forma responsável e sustentável.

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Os observadores profissionais de pesca fazem um trabalho praticamente desconhecido, mas cercado de virtudes.

E que seria desejado por muita gente preocupada em melhorar o planeta, não fosse por uma particularidade: o permanente risco a que eles são estão expostos, já que atuam dentro dos próprios barcos que fiscalizam. E sozinhos, lado a lado com os que estão sendo fiscalizados.

Isso torna os observadores de pesca extremamente vulneráveis e, com frequência, hostilizados pelas tripulações.

Intrusos indesejados

Em geral, os observadores de pesca são vistos pelos capitães de barcos pesqueiros como intrusos indesejados, quase sempre sem nenhum apoio das empresas do setor, embora elas sejam obrigadas a recebê-los em seus barcos - como um motorista ao qual é imposto levar um guarda de trânsito dentro do próprio carro, pronto para multá-lo.

É um trabalho solitário, incômodo para quem está sendo fiscalizado, e, por isso mesmo, extremamente perigoso para os observadores - que, na maioria dos casos, são vistos como delatores pelos pescadores.

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"Somem" um ou dois por ano

Assédios, ameaças e intimidações fazem parte da rotina desta profissão de alto risco - quando não coisas muito piores, como ocorreu com os três observadores citados no início desta matéria.

Eles fazem parte de uma macabra estatística, que mostra que, por ano, desde 2015, vem ocorrendo um ou dois casos de "desaparecimentos no mar" destes profissionais.

Enviam mensagens cifradas

O que torna o trabalho de um observador de pesca ainda mais arriscado - além do intenso convívio com os fiscalizados, no espaço acanhado de um barco - é que ele geralmente acontece no alto-mar (quase sempre nas chamadas "águas internacionais", que não pertencem a nenhum país, portanto sem a segurança e respaldo de governo algum), onde não há ninguém que eles possam recorrer, em caso de ameaças.

"É um trabalho de risco e psicologicamente difícil", admite Liz Mitchell, da Associação Internacional de Observadores Profissionais.

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"Além de exigir habilidades sociais para conviver, por meses a fio, com pessoas que gostariam que ele simplesmente não existisse, o observador de pesca precisa ter um pouco de hipocrisia, porque pode precisar denunciar seus próprios companheiros de viagem", explica Mitchell.

É um trabalho que também exige precauções. Os observadores são instruídos a só enviarem mensagens cifradas, para o caso de serem monitoradas pela tripulação, o que às vezes acontece, dada a limitação da internet no mar aberto. E a evitar comer comida feita só para eles, porque pode estar contaminada.

"Os observadores ficam dentro dos barcos, mas não são tripulantes. São vistos como invasores por alguns capitães, e precisam estar atentos o tempo todo", diz Mitchell.

Quanto menos peixes, mais perigoso

A tensão - e o risco para o observador - aumenta quando os pescadores não conseguem capturar a quantidade de pescados que necessitam, a fim de garantir o salário.

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Imagem: NOAA
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Quando isso acontece, a tendência é saírem capturando tudo o que encontram pela frente, ignorando critérios como tamanhos e espécies vulneráveis. É quando o observador precisa ter ainda mais tato e cautela.

"É da natureza dos pescadores tentar pescar sempre o máximo possível", analisa Mitchell.

"Cabe ao observador fazer valer as cotas e limites, o que nem sempre é fácil no ambiente tenso de um barco, em estreito contato com os infratores", reconhece o dirigente da associação internacional.

Envolvidos em coisas bem piores

A cautela também se explica pelo fato de que, às vezes, as ilegalidades cometidas pelos barcos de pesca vão bem além de peixes que não poderiam ser capturados.

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As infrações mais frequentes são as de espécies ameaçadas ou protegidas, ou, como é bastante comum nos barcos asiáticos, a ocultação de barbatanas de tubarões (uma iguaria para os chineses, mas cuja captura é proibida, pois os animais são devolvidos ainda vivos ao mar, sem condições de nadar), em meio a outros peixes nos porões das embarcações.

Mas não são raros os casos de barcos pesqueiros envolvidos em coisas bem piores, como o contrabando de drogas, de armas ou mesmo seres humanos, além do trabalho quase escravo de tripulantes. E isso aumenta ainda mais os riscos para um eventual observador que esteja a bordo.

Nestes casos, eles são instruídos a não interferir, já que suas funções têm a ver apenas com a questão da pesca. Mas devem reportar eventuais irregularidades.

A mais famosa das vítimas

Talvez tenha sido este o motivo pelo qual o americano Keith Davis se tornou uma das vítimas mais conhecidas dos "misteriosos desaparecimentos no mar" de observadores de pesca.

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Imagem: Divulgação/John Davis
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Em setembro de 2015, ele simplesmente desapareceu do barco no qual atuava, então a mais de 800 quilômetros da costa do Equador, embora fosse dia claro, o tempo estivesse bom e o mar, calmo.

A alegação do capitão do barco foi a de que ele teria se desequilibrado e caído no mar, sem que ninguém tivesse visto sua queda.

Mas, talvez, não tenha sido bem assim, já que investigações posteriores mostraram que o americano - cujo corpo nunca foi encontrado - vinha documentando uma série de atividades suspeitas a bordo, como pode ser conferido clicando aqui.

Assim como Charles Lasisi, James Numbaru e Paulo Peixoto, tudo indica que Keith Davis tenha sido mais uma vítima do arriscado trabalho dos observadores de pesca.

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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