Julgamento de acusados de causar naufrágio que matou 500 é negado na Grécia
Em 14 de junho do ano passado, um decrépito barco de pesca abarrotado com centenas de imigrantes ilegais (600 ou mais), virou e afundou a cerca de 80 quilômetros da costa da Grécia, gerando um até hoje não sabido número de mortes - possivelmente, mais de 500, muitas delas, crianças.
Foi uma das piores tragédias já geradas pelo implacável êxodo de imigrantes ilegais africanos rumo à Europa, que já dura mais de uma década.
Apenas 104 pessoas e 82 corpos foram resgatados pelo barco da Guarda Costeira grega que abordou o falso pesqueiro, então à deriva, depois que seu motor parou de funcionar, no meio do mar.
Mas, de acordo com boa parte dos sobreviventes da tragédia, foi a própria embarcação da Guarda Costeira que causou o afundamento do barco dos imigrantes, ao rebocá-lo de forma inadequada.
Na ocasião, assustada com as dimensões da tragédia, as autoridades gregas tomaram uma decisão, no mínimo, controversa: prenderam e acusaram nove ocupantes do próprio barco - todos jovens egípcios, na faixa dos 20 anos de idade, que tentavam chegar à Europa para tentar uma nova vida - de serem os responsáveis por aquele transporte ilegal de pessoas, embora eles fossem simples vítimas.
Apesar dos protestos de entidades de direitos de humanos, o julgamento dos nove acusados foi marcado, e deveria ter ocorrido na manhã desta terça-feira (21), na cidade grega de Kalamata. Mas não aconteceu.
Antes de iniciar o julgamento, a juíza Eftichia Kontaratou decidiu acatar a recomendação do procurador público para que o caso não fosse julgado, já o naufrágio ocorreu fora das águas territoriais gregas - portanto, não caberia a um tribunal grego julgá-lo.
Além disso, a juíza destacou que a investigação sobre o naufrágio que vem sendo feita pelo Tribunal Naval da Grécia ainda está em curso, o que tornaria precipitada qualquer acusação.
Aplausos da plateia
A decisão do tribunal grego de não aceitar o julgamento dos nove egípcios foi saudada com aplausos pelos parentes dos acusados e representantes de entidades internacionais de direitos humanos, uma vez que ninguém acredita que eles sejam culpados de nada - e sim bodes expiatórios, vítimas de uma armadilha.
Se condenados, os nove egípcios poderiam pegar prisão perpétua, dada a quantidade de mortos naquele naufrágio.
Agora, sem a acusação, devem ser libertados da prisão na qual se encontram, há quase um ano.
Rebocado de maneira errada
Na acusação contra os egípcios, a Guarda Costeira grega alegou que eles foram vistos ordenando que as pessoas se sentassem, quando o barco começou a inclinar demais, o que foi interpretado como sendo um comportamento "compatível" com o dos responsáveis pelo barco.
Mas os jovens alegaram que estavam apenas acalmando as pessoas para que o pesqueiro não perdesse estabilidade e virasse no mar, como acabou acontecendo. Também segundo eles, o barco estava sendo rebocado de forma inapropriada pela embarcação grega, informação confirmada por outros sobreviventes.
De acordo com os sobreviventes, após prender um cabo, a embarcação da Guarda Costeira Grega passou a rebocar o barco superlotado, mas o movimento teria feito com que o casco do pesqueiro tombasse, matando estimadas cinco centenas de egípcios, sírios, paquistaneses, afegãos e palestinos - o número exato de vítimas jamais foi sabido, pois nunca também se soube quantas pessoas havia a bordo.
Newsletter
BARES E RESTAURANTES
Toda quinta, receba sugestões de lugares para comer e beber bem em São Paulo e dicas das melhores comidinhas, de cafés a padarias.
Quero receberNewsletter
OLHAR APURADO
Uma curadoria diária com as opiniões dos colunistas do UOL sobre os principais assuntos do noticiário.
Quero receberVítimas que viraram réus
Após terem sido resgatados no mar, os nove egípcios foram interrogados pela Polícia grega, e, com a ajuda de um tradutor não muito confiável, forçados a assinar papéis cujo conteúdo desconheciam.
Passaram, então, a ser acusados de fazerem parte de uma organização criminosa, que visava facilitar a entrada ilegal de imigrantes na Grécia, e de causar o naufrágio do próprio barco no qual estavam, algo que praticamente ninguém acredita - um típico caso de vítimas que viram réus, a fim de acobertar os verdadeiros culpados, que poucos duvidam que sejam justamente aqueles que deveriam tê-los salvo no mar.
Com a negativa da justiça grega a realização do julgamento, pelo menos por enquanto, os nove egípcios estão livres da acusação de tráfico ilegal de seres humanos.
Mas ainda resta saber por que - afinal? -, aquele barco virou, causando um dos mais letais naufrágios da triste rota de imigrantes africanos para a Europa, que não para de gerar tragédias diárias.
No passado, caminhões em vez de barcos
Em tempos recentes, a migração em massa de africanos para a Europa pelo mar, só tem paralelo em outro frenético movimento do gênero ocorrido nos anos de 1990, quando milhares de cubanos decidiram fugir para os Estados Unidos a bordo de qualquer coisa que flutuasse: de boias com câmeras de pneus de automóveis, a caçambas de lixo adaptadas para virarem "barcos".
No auge daquele movimento, que ficou conhecido como a "Fuga dos Balseros", até um insólito caminhão foi visto "navegando" no estreito que separa a ilha de Cuba da Florida, graças a engenhosidade do povo cubano, como pode ser conferido clicando aqui.
Deixe seu comentário