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Reportagem

Juíza dos EUA ordena despejo de transatlântico histórico parado há 38 anos

Dias atrás, a juíza federal americana Anita Brody expediu uma ordem de despejo curiosa: a de um navio, que está parado no porto de Filadélfia há 38 anos. E deu 90 dias para que a sentença seja cumprida.

Não seria nada de mais, se o navio em questão não fosse um gigantesco transatlântico, de quase 300 metros de comprimento.

E não seria nada significativo se o navio em questão não fosse um dos mais emblemáticos da história marítima dos Estados Unidos: o USS United States, um transatlântico de alto luxo, histórico para os americanos, até hoje detentor do recorde de velocidade da travessia do Atlântico, conquistado 72 anos atrás.

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Imagem: Divulgação/United States Conservancy

Com a decisão da juíza, o USS United States agora corre o sério risco de acabar como sucata, em um ferro-velho.

Neta do projetista tenta salvar o navio

"A sentença coloca este símbolo americano em perigo", resumiu Susan Gibbs, neta do projetista do USS United States, William Francis Gibbs (uma espécie de Oscar Niemeyer da indústria naval americana no seu tempo), ao saber da decisão da juíza - que deve ser cumprida até o próximo dia 12 de setembro.

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Imagem: Divulgação/United States Conservancy

"Este prazo é muito pequeno para encontramos outro local que possa abrigar um navio desse porte, e também para arrecadar recursos necessários para o seu transporte até lá. Precisamos de mais tempo e mais doações dos admiradores deste navio, que faz parte da nossa história", apelou Susan, que também é presidente da SS United States Conservancy, uma organização sem fins lucrativos que se tornou dona do velho transatlântico 15 anos atrás, quando ele também estava em vias de ser demolido.

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Na ocasião, a doação do transatlântico à ONG administrada por Susan Gibbs teve apoio até do ex-presidente americano Bill Clinton, que havia feito uma das últimas viagens do navio, da Europa para os Estados Unidos, em 1968.

Além dele, muitas outras celebridades - como Marilyn Monroe, Salvador Dali, Judy Garland, Cary Grant e Walt Disney - viajaram no USS United States, na sua época um dos transatlânticos mais luxuosos do mundo. Além de ser o mais rápido de todos os tempos.

R$ 1 milhão em aluguéis atrasados

Embora a decisão da juíza tenha gerado indignação na administradora do navio, foi, por outro lado, positiva para a instituição, porque a isentou do pagamento de aluguéis atrasados, que vinham sendo cobrados pela empresa dona do cais onde ele está atracado, a Penn Warehouse, que já somavam perto de R$ 1 milhão.

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Imagem: Divulgação/United States Conservancy

Agora, a guardiã do mais famoso transatlântico construído nos Estados Unidos - na época, orgulho da engenharia naval americana - está em busca de outro porto onde possa atracá-lo, ao mesmo tempo em que lança uma campanha urgente para arrecadar fundos, a fim de conseguir rebocá-lo até lá.

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"Símbolo da decadência americana"

Ao mesmo tempo, Susan também tenta viabilizar uma parceria com uma grande rede hoteleira, a fim de transformar o navio em hotel flutuante, como já foi feito com outros transatlânticos do passado, como o também lendário Queen Mary, hoje permanentemente atracado no porto de Long Beach, na Califórnia.

"Seria um hotel e museu ao mesmo tempo, contando a rica história desse navio", explica Susan, que apela até para sentimentos patrióticos dos americanos para tentar salvar o navio projetado por seu pai.

"Em breve, a independência dos Estados Unidos irá comemorar 250 anos. A destruição de um navio como esse, cujo nome é o do próprio país, seria uma metáfora da decadência americana", argumenta.

Mudou várias vezes de dono

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Imagem: Divulgação/United States Conservancy
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Apelidado de The Big Ship ("O Grande Navio", o que já dizia muito sobre sua relevância na época), o USS United States foi lançado em 1952 e navegou até 1969, quando o crescimento do transporte aéreo entre Europa e Estados Unidos, e a diminuição paulatina no número de passageiros, forçou a sua aposentadoria.

Depois disso, o ex-glamoroso transatlântico, que podia transportar quase 2 000 passageiros, metade deles em Primeira Classe, foi mudando periodicamente de dono, sem que nenhum deles conseguisse viabilizar uma saída financeira para o USS United States. Com isso, ele foi parar, quase como doação, nas mãos da filha do engenheiro que o projetou.

Leiloou peças para pagar dívidas

Em 1984, a fim de sabar dívidas com o aluguel atrasado do cais onde o USS United States estava atracado, Susan chegou a vender, através de leilões, peças e acessórios do navio, já então sem condições de navegar.

De lá para cá, a situação só piorou. Tanto do navio quanto das finanças da ONG administrada por Susan - que, agora, corre contra o tempo, para achar um local para guardar o seu transatlântico.

Ou, então, terá que vendê-lo como sucata, o que ela sempre evitou de todas as formas.

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Recordista de velocidade até hoje

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Imagem: Divulgação/United States Conservancy

Ironicamente, "correr contra o tempo" sempre foi a principal característica do USS United States, o navio mais veloz do seu tempo.

Logo na sua viagem inaugural, em 1952, ele quebrou o recorde da travessia do Atlântico Norte, com inéditos 66 km/h de média horária - marca impressionante até hoje.

O feito lhe rendeu o direito de usar a Blue Riband, a "Fita Azul", concedida ao navio regular de passageiros que atravessasse o Atlântico com a maior velocidade média.

Como, depois disso, as viagens marítimas entraram em declínio - e novos navios para linhas regulares da travessia do Atlântico não foram lançados -, o USS United States ficou com o recorde para sempre.

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Assim sendo, ele mantém, até hoje, a posse da Blue Riband, a mais alta honraria que um navio poderia receber no passado - um prêmio que, durante décadas, rendeu uma vibrante disputa entre as grandes empresas marítimas, com enormes transatlânticos participando de uma improvável corrida de navios em pleno oceano, como pode ser conferido clicando aqui.

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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