Barco histórico naufragado ganha proteção extra contra saqueadores
No início do século passado, o explorador irlandês Ernest Shackleton queria se tornar o primeiro homem a atravessar a Antártica a pé — mas acabou se tornando um herói justamente por conta do fracasso da sua audaciosa expedição.
Por uma falha no planejamento da viagem, o local onde o seu veleiro — o Endurance, um barco com casco de madeira e 44 metros de comprimento — ficaria ancorado, congelou bem mais cedo que o previsto, trancou a embarcação e a grande façanha do explorador acabou sendo a de tirar os seus 27 homens do inferno gelado da Península Antártica, o que ele fez após uma façanha quase inacreditável: navegou até a distante Ilha Geórgia do Sul, a 1 500 quilômetros de distância, em busca de ajuda, com um pequeno barco a remo, em um das maiores façanhas marítimas da História.
E Shackleton salvou todo mundo.
Menos o seu barco, o Endurance ("Resistência", em português), que após 10 meses imobilizado, não resistiu à pressão do gelo e afundou no Mar de Weddell, em 1915.
Tão famoso quanto o Titanic
Mas, 107 anos depois, em 2022 — quando, pelo seu simbolismo, o Endurance já havia se tornado um dos naufrágios mais procurados do mundo, quase tanto quanto o Titanic —, uma equipe de pesquisadores financiados pelo Fundo de Herança das Ilhas Falklands encontrou o lendário barco de Shackleton no fundo da Baía de Weddell.
E a surpresa maior foi que, mesmo após mais de um século debaixo d´água, ele estava praticamente intacto, com mastros, timão, escotilhas em perfeito estado — até o nome do barco ainda claramente visível na popa.
Isso tornou o achado ainda mais impressionante.
Proteção extra ao naufrágio
Tanto que, agora, dada a relevância daquele barco e seu extraordinário grau de preservação, duas entidades preservacionistas inglesas (a UK Antarctic Heritage Trust e a Historic England) acabam de propor uma "proteção extra" para o Endurance, que repousa no fundo do mar, a mais de 3 000 metros de profundidade: expandir a área de proteção em torno do barco naufragado para uma milha náutica (pouco mais de 1 800 metros), a fim de evitar que nenhuma parte dele seja violada ou capturada por caçadores de naufrágios.
"O aumento no perímetro em torno do naufrágio é uma necessidade para impedir que eventuais pertences da tripulação, ou partes do barco que tenham se espalhado no fundo do mar, sejam saqueados", explicou a responsável pelo UK Antarctic Heritage Trust, Camilla Nichol.
"Embora ele esteja em uma área remota, de difícil acesso e a grande profundidade, nada impede que venha a ser vítima de saques, já que qualquer colecionador pagaria uma fábula por algo vindo do Endurance", justificou a historiadora.
"Também vamos tentar que todo o entorno do naufrágio seja designado como Área Antártica Especialmente Protegida, o que obrigaria qualquer barco a ter uma licença específica e um motivo realmente bom para se aproximar do local".
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Quero receberNada será retirado do barco
A preocupação em preservar o Endurance existe desde antes mesmo dele ser encontrado.
Desde o início das buscas, ficou acertado que nada seria retirado do barco, uma vez que ele já era considerado como um "monumento histórico", pelo Tratado Antártico.
"O Endurance é um ícone histórico e, como tal, não pode ser violado".", disse, na ocasião, o chefe da expedição que localizou o naufrágio, John Shears.
"Jamais pensamos em resgatá-lo. O Endurance deve ser deixado para sempre onde está, e do jeito que está", explicou.
São contra a proibição
Mas nem todos concordam com isso, muito menos com o compromisso de não resgatar absolutamente nada do famoso barco naufragado — sequer um objetivo caído na areia ou uma lasca de madeira do casco, como testemunha tangível da História.
O argumento dos críticos da severidade nas restrições é que, como não se trata de um túmulo submerso, já que ninguém morreu no naufrágio - porque Shackleton resgatou todos os seus comandados —, seria muito mais valioso para a própria História recuperar um ou outro objeto do Endurance, para ser exposto ao público em um museu.
Como as imagens que o fotógrafo da expedição deixou para trás no Endurance, quando Shackleton determinou o abandono do barco, já que, naquela época, as fotos eram gravadas em chapas de vidro, resistentes a água - proposta que causa calafrios nos historiadores.
Quem foi Shackleton?
Apesar do fracasso da sua expedição, Schackleton é considerado o maior símbolo da heroica era das explorações polares, entre o final do século 19 e o início do século passado, e um exemplo de liderança, por ter salvo todos os seus homens, em um dos mais eloquentes exemplos de heroísmo no mar que se tem notícia.
Ele morreu de um prosaico ataque cardíaco, quando se dirigia, uma vez mais, à Antártica, em janeiro de 1922. Mas deixou um legado de bravura e liderança que transcende ao tempo.
Mesmo quando a situação era adversa e inesperada, Schackleton sabia como conduzir seus homens para atingir o objetivo pretendido.
Como quando descobriu a presença de um infeliz tripulante clandestino na naquela fatídica viagem, e, ainda assim, fez de tudo para salvá-lo, como pode ser conferido clicando aqui.
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