Mãe e filha são resgatadas no mar após morte do capitão, que fica no barco
Dez dias atrás, no início da tarde de 24 de agosto, um sábado, um pedido de socorro chegou ao Centro de Coordenação de Resgates Marítimos de Honolulu, no Havaí.
Ele vinha do veleiro francês Albroc, que estava em alto-mar, a mais de 1.600 quilômetros de distância do arquipélago americano, e informava que o capitão do barco havia morrido, que o veleiro estava adernado e não tinha mais condições de navegar, e que as outras duas pessoas a bordo - mãe e filha, esta de sete anos de idade - não sabiam o que fazer.
E o pior de tudo: um furacão, o Gilma, se aproximava daquela região no Oceano Pacífico.
Era preciso agir rápido. Mas a distância era grande e a operação - até por conta do furacão que chegava -, bastante complexa.
Avião não pode ajudar
Horas depois, uma equipe aérea de resgate da Guarda Costeira Americana decolou do Havaí, com um avião Hercules HC-130, e voou na direção do veleiro sinistrado.
Mas precisou esperar até que o dia amanhecesse para encontrá-lo.
Só as 9h20 da manhã de domingo, o avião chegou ao local de onde vinham os sinais de pedido de socorro, emitidos por um aparelho chamado Epirb, que o barco possuía e a viúva do capitão acionara, quando pediu ajuda.
O veleiro - à deriva, com velas arriadas e bastante adernado - estava sendo bombardeado pelas ondas, que aumentavam a cada instante, fruto do furacão que se avizinhava.
Mesmo assim, ao ouvirem o barulho do avião se aproximando, mãe e filha saíram da cabine do barco, gesticularam freneticamente e dispararam foguetes sinalizadores, enquanto se agarravam no que podiam, para não serem levadas pelas ondas.
Mas não havia como tirá-las de lá, porque os resgatistas estavam em um avião, não em um helicóptero, já que nenhum aparelho desse tipo teria autonomia para ir tão longe oceano adentro.
E, com um furacão se aproximando, seria perigoso demais lançar mergulhadores no mar, para ajudá-las.
Pediu outro tipo de resgate
O comandante do avião tentou falar pelo rádio com a mulher no veleiro, a fim de acalmá-la, mas não conseguiu contato.
Chamou, então, o Centro de Resgates, informou que havia encontrado o barco, que mãe e filha pareciam estar bem, deu meia volta e retornou à sua base, mas pediu outro tipo de resgate. Agora, pelo mar - que, no entanto, ficava cada vez pior.
Foram tomadas duas atitudes: o mar da região foi vasculhado, em busca de algum navio que estivesse relativamente próximo ao veleiro sinistrado, e a Marinha Americana acionada, para tentar operacionalizar o resgate.
A primeira medida logo encontrou o navio tanque Seri Emperor, com bandeira de Cingapura, que navegava a mais de 500 quilômetros do local onde o veleiro estava. Mesmo assim, seu comandante se dispôs a ajudar.
Já a Marinha despachou imediatamente para a região o destroier USS William P. Lawrence, que estava na base havaiana de Pearl Harbour, a mais de 1 500 quilômetros de distância.
Nenhum dos dois navios estava próximo ao veleiro. E o furacão só fazia aumentar de intensidade. Mas era a única coisa que podia ser feita.
Só chegou no dia seguinte
Mesmo navegando a toda velocidade, o Seri Emperor só chegou até o veleiro no final da tarde de domingo, após 18 horas navegando sem parar.
Mas também nada pode fazer: as condições do mar não permitiam uma aproximação maior do gigantesco navio, que tinha o tamanho de dois campos de futebol, em relação ao frágil veleiro, de apenas 14 metros de comprimento, cada vez mais avariado, adernado e sendo cuspido a todo momento de uma onda para outra, feito um brinquedo.
O máximo que o petroleiro pode fazer foi ficar mais ou menos próximo ao veleiro, para dar alguma tranquilidade à mãe e filha, por saberem que não estavam mais sozinhas, enquanto aguardava a chegada do destroier, este sim com uma tripulação treinada para resgates no mar naquelas condições. Mas isso só aconteceu na manhã do dia seguinte, segunda-feira.
Roteiro de filme
Para complicar ainda mais a situação, como um roteiro de filme de ação, quando o USS William P. Lawrence finalmente chegou ao local e colocou em prática a operação de resgate, a meteorologia informou o capitão do destroier que ele teria apenas um par de horas para executá-la, antes que o furacão chegasse.
Se isso acontecesse, seria o fim: muito dificilmente aquele veleiro sobreviveria ao massacre da tempestade que se aproximava, com previsão de ondas superiores a sete metros de altura. Era preciso agir rápido. E foi o que eles fizeram.
Havia mais dois seres a bordo
Apesar das dificuldades causadas pelas ondas e pelo vento cada vez mais forte, um bote inflável foi baixado ao mar e se aproximou do veleiro, onde mãe e filha já aguardavam, com aflição e ansiedade, o instante de abandoná-lo.
Foi quando os marinheiros do USS William P. Lawrence descobriram que teriam que resgatar outros dois seres, também habitantes do veleiro: um gato e uma tartaruga, mascotes da família, já nas mãos das duas. Apesar de delicada, a operação deu certo.
Instantes depois, o USS William P. Lawrence partiu de volta à sua base, em Pearl Harbour, onde chegou no final da tarde da quarta-feira da semana passada, trazendo mãe e filha.
Ambas estavam bem de saúde, mas traumatizadas por tudo o que haviam passado - sobretudo por terem ficado tanto tempo dentro de um barco condenado, ao lado do corpo do marido e pai morto, imaginando que aquele também poderia ser o final delas.
Corpo foi deixado no mar
Não foi divulgado o que vitimou o capitão do veleiro, nem mesmo os nomes das sobreviventes.
Seu corpo foi deixado no barco - já que, naquelas condições, seria impossível removê-lo - e o veleiro, abandonado no mar.
Muito provavelmente, o veleiro Albroc não deve ter resistido à fúria do furacão Gilma, que atingiu a região menos de um par de horas depois de o destroier USS William P. Lawrence ter partido, levando mãe e filha para a segurança em terra firme, e afundado.
Mas não está descartada a hipótese de ele ainda estar vagando à deriva, em algum ponto do Pacífico, feito um barco fantasma. E com um cadáver a bordo, o que já aconteceu antes, em outras situações igualmente macabras (clique aqui para conhecer uma delas).
O drama de mãe e filha daquela família, talvez, ainda não tenha terminado.
38 comentários
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Roberta Rodrigues Oliveira
É interessante como a forma de se contar uma história, muda de autor e muita o que sentimos sobre ela. Eu li dias atrás essa mesma história (não lembro exatamente se aqui ou em outro canal de mídia) e fiquei impressionada com a história dessa família. Mas, agora, lendo novamente a mesma história, mas do ponto de vista de outra pessoa, eu SENTI a história. Tô aqui com lágrimas nos olhos pensando nessa mãe e filha e no corpo desse pai falecido (e porquê não nesse barco). Jorge, você com sua escrita me tocou com uma história que eu já conhecia mas mesmo assim sua visão para ela me trouxe sentimentos intensos. Obrigada pela contribuição jornalística belíssima e pelo desenrolar da trama de uma forma exponencialmente dramática e linda. Que o corpo desse pai tenha tido seu descanso e que essa mulher com sua filhinha consigam se recuperar desse drama e sigam com suas vidas da melhor forma possível. E o barco, que ele tenha seu descanso no fundo do mar.
Antonio Carlos de Albuquerque
Além de tudo o que foi comentado, vale ressaltar a nobreza e humanidade do capitão do navio de Singapura, o Seri Empeor, que largou seu trajeto, trazendo prejuízos, mas manteve a sua honra e humanidade. Pena que não foi divulgado o nome dele.
Camilo Silva de Oliveira Coelho
Jorge de Souza e o melhor blog deste UOL todo. Parabéns por mais um excelente texto!