Quem é o pescador que ganhou a amizade de um pinguim e virou tema de filme
Até 13 anos atrás, o ex-pedreiro João Pereira de Souza, então com 71 anos, era um desconhecido pescador da isolada vila do Provetá, na parte mais inacessível da Ilha Grande, no litoral do Rio de Janeiro.
Mas, certo dia, em maio de 2011, um pinguim enfraquecido e coberto de óleo pelo corpo foi dar na praia da vila.
João ("Seu João", para os demais moradores da vila) estava na sua casa, um casebre na frente da praia, quando ouviu os cachorros latindo na areia, e viu alguns vizinhos se aproximando da beira d´água, com certa curiosidade.
Ele também foi lá ver do que se tratava. E viu que aquele pinguim mal conseguia nadar direito.
O pinguim o sensibilizou
Não era a primeira vez que um pinguim (uma ave que não voa, e que usa suas "asas" apenas para nadar no mar) aparecia na praia do Provetá.
Mas o estado do bichinho mexeu com Seu João, que tratou de espantar a cachorrada e levá-lo para casa.
Lá, a despeito da contrariedade da esposa, Seu João passou a cuidar da saúde do pinguim - logo apelidado "Dindim".
Mas disposto a devolvê-lo ao mar, assim que estivesse recuperado.
Ia, mas voltava
Durante semanas, todos os dias, Seu João caminhava com o pinguim até a beira da praia, na esperança de que ele voltasse para o mar e fosse embora - embora, no fundo, preferisse que ficasse ali para sempre, lhe fazendo companhia.
Dindim entrava no mar, se afastava um pouco da praia, mas logo retornava.
Voltava para a areia com as asas abertas, como se buscasse um abraço, e abanando o rabo, feito um cachorrinho ao reencontrar o seu dono.
Vez por outra, chegava berrando alto com sua voz rouca, que Seu João entendia como sendo um chamado pelo seu nome: "Joãããão!!!".
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Quero receberE lá ia ele correndo, encontrar o amigo. Era recebido com bicadinhas delicadas no rosto, como se fossem beijinhos. Em troca, o pinguim ganhava carinhos.
Juntos, os dois então saiam caminhando pelas ruas da vila, onde o pinguim Dindim logo virou uma espécie de mascote comunitário.
Foi e não voltou
Até que, um dia, oito meses depois de ter chegado, Dindim partiu. E, desta vez, não voltou.
Seu João ficou dividido, entre triste e feliz. Triste por ter perdido a companhia do animal. Mas feliz por ele ter voltado ao seu habitat natural.
Colocou um porta-retrato com a foto do bichinho na sala de sua casa e deu o episódio por encerrado. Mas, que nada!
Meses depois, lá estava Dindim, de novo, na praia de Provetá, chamando pelo amigo.
Foi recebido com muita festa por Seu João e certa perplexidade dos demais moradores da vila, onde passou mais um punhado de meses, dormindo no galinheiro da casa do pescador e tomando banhos de mar com o amigo, na praia.
Tempos depois, partiu novamente. Mas, de novo, voltou no ano seguinte. E no outro também. E assim por diante, por mais cinco vezes.
Voltou oito vezes
No total, Dindim retornou oito vezes para visitar Seu João naquela praia da Ilha Grande, indo e voltando da Patagônia, em impressionantes jornadas de cerca de 8 000 quilômetros.
O que poderia explicar aquele comportamento?
"Pinguins são seres fiéis aos seus companheiros, e, para o Dindim, o Seu João é um deles", tentou explicar, na época, um especialista.
Mas, para Seu João, aquilo era outra coisa: amizade.
"Ele não é o meu bicho de estimação", dizia aos vizinhos. "É um amigo. E um sente saudades do outro".
Nunca mais apareceu
O ritual dos encontros anuais entre Seu João e o pinguin Dindim se repetiu de 2011 a 2018.
Mas, depois disso, Dindim não apareceu mais na praia do Provetá, para apreensão de seu João, que ficava na areia da praia, olhando para o mar, na expectativa de vê-lo chegar.
"Acho que ele vem pro Natal", dizia o pescador, alimentando a esperança de rever o bichinho.
Mas isso nunca mais aconteceu.
O que pode ter acontecido
Jamais se soube o que aconteceu com o pinguim Dindim, após sua última visita a Seu João, em meados de 2018.
O mais provável é que, como todos os pinguins, ele tenha encontrado uma parceira, constituído família e ficado para sempre na região da Península Valdez, na costa da Patagônia argentina, um dos maiores redutos de pinguins de Magalhães do mundo, de onde se supõe que tenha vindo.
Neste caso, Seu João teria sido trocado por uma jovem fêmea, algo bem mais pertinente e adequado para a sua espécie, por sinal.
Tempos depois, porém, o velho pescador passaria por uma alegria e decepção, ao mesmo tempo.
Era outro pinguim
Dois anos atrás, em dezembro de 2022, quando estavam praticamente terminando as filmagens de Meu Amigo Pinguim - filme que conta a relação daquele pinguim com o pescador que o salvou, em cartaz nos cinemas desde ontem (clique aqui para ver o trailer) -, Seu João recebeu, em casa, a notícia de que "um pinguim tinha chegado na praia".
Eufórico, saiu correndo, pronto para abraçar o amigo. Mas era outro pinguim, não o Dindim.
O animal havia sido devolvido ao mar tempos antes, ali perto, por uma equipe de biólogos, e isso podia ser facilmente confirmado por meio de um chip que ele trazia implantado no corpo.
Além disso, o pescador logo estranhou o comportamento do "velho amigo", que bicou suas mãos ao se aproximar, como fazem todos os pinguins, para se defender.
Só Dindim não fazia isso. E nunca em Seu João.
Ainda vive na vila
Hoje, aos 84 anos, Seu João ainda vive - agora sozinho - na mesma vila do Provetá.
Aposentado, não pesca mais.
Mas recebe regularmente a visita da filha (ele, de fato, perdeu um filho, como mostra o filme, mas já adulto e não criança), que serviu de elo de ligação entre ele e a equipe do filme, embora Seu João não tenha participado das filmagens, apenas fornecido informações para a elaboração do roteiro.
Foi levado para Hollywood
Mesmo assim, Seu João foi levado para a pré-estreia do filme, em Hollywood, nos Estados Unidos, no mês passado, na condição de ilustre convidado, em uma das raríssimas vezes em que saiu da Ilha Grande.
Lá, foi aplaudido de pé pela plateia e, posou para fotos - de bermudas, como no seu humilde dia a dia na ilha - ao lado do diretor do filme, o brasileiro David Schurmann.
Dias depois, repetiu a dose em outra sessão especial do filme que narra a sua história, para os moradores da vila do Provetá, que tiveram o privilégio de serem os primeiros espectadores de Meu Amigo Pinguim no Brasil - filme hoje já exibido no mundo inteiro, e, em breve, também nos serviços de streaming.
Queria rever o amigo
A relação de Seu João com aquele pinguim mudou para sempre a história da vila - agora muito mais conhecida como "a praia do pinguim Dindim".
A popularidade gerada pelo filme, deixou Seu João orgulhoso e feliz.
Mas o que ele gostaria mesmo era de rever aquele amigo, chegando na praia e gritando: "Joãããão!!!".
"Dindim era um pinguim de temperamento particularmente amistoso, e isso fez com que ele se apegasse ainda mais ao pescador que o abrigou. Mas não restam dúvidas de que houve uma empatia singular entre os dois", definiu, certa vez, um especialista, tentando explicar cientificamente aquela curiosa alquimia entre um homem e um pinguim.
Não conseguiu. Nem ele, nem ninguém.
Tem coisas que nem a ciência explica.
Outro caso impressionante
Outro raro caso de estreita interação entre um homem e um ser marinho - e que também rendeu um belo filme - foi o do biólogo argentino Roberto Bubas e um grupo de orcas da própria Península Valdés, de onde se supõe que também tenha vindo o pinguim Dindim.
Nos anos de 2000, quando trabalhava como guarda-parque em Valdés, Bubas passou a interagir naturalmente com um grupo de orcas que frequentavam a região.
Munido de uma simples gaita, sempre que ele começava a soprar o instrumento na praia, as orcas se aproximavam da areia, trazendo tufos de algas sobre a cabeça, para que o biólogo os arremessasse de volta ao mar - como quem brinca com uma bola.
Isso permitiu ao biólogo uma proximidade inédita com aqueles animais (erroneamente chamados de "baleias assassinas"), e o tornou o único estudioso a interagir tão intensamente com orcas não domesticadas, em uma relação de quase amizade.
Quando a história de Bubas se tornou filme - o também emocionante Farol das Orcas, disponível na Netflix -, seus superiores hierárquicos se sentiram incomodados e decidiram transferi-lo para outra unidade de conservação, bem longe do mar - e das orcas que ele tanto amava (clique aqui para ler esta indignante história).
"Prefiro não aparecer mais na mídia", diz hoje o argentino, ainda saudoso dos animais que lhe faziam companhia.
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