Viúva de velejador que sumiu no mar não consegue provar nem que ele morreu
No início da tarde de 15 de janeiro do ano passado, o velejador Edison Gloeden, de 66 anos, saiu sozinho com seu veleiro de uma marina na cidade de Santos, no litoral de São Paulo, para testar um equipamento que havia instalado no barco, e disse que voltaria rápido.
Nunca mais retornou.
Dado como desaparecido, bem como o veleiro no qual estava, Edison foi procurado durante dias no mar, até que, por fim, deduziu-se que ele havia morrido, possivelmente afogado após eventualmente cair do barco, que seguiu navegando sozinho, já que o equipamento que ele estava testando naquele dia era justamente um piloto automático.
"Não posso nem dizer que sou viúva"
Desde então, sua companheira, a ex-professora aposentada Maria de Fátima Calaca Alves, de 67 anos, vive um duplo drama: o não saber o que realmente aconteceu com ele, com quem vivia em comunhão estável havia 35 anos, e, agora, também por não conseguir provar na justiça sequer que eram um casal - muito menos que o companheiro morreu de fato.
"É uma situação muito ruim, que não desejo para ninguém", diz Fátima.
"Não posso nem dizer que sou viúva, porque, neste momento, aos olhos da lei, nem companheira dele por três décadas e meia eu fui", diz a ex-professora, indignada com o pouco caso da justiça do estado de São Paulo ao processo de união estável que ela deu entrada após o desaparecimento do marido, que está parado até hoje, um ano e sete meses depois.
"Enquanto minha união estável não for reconhecida pela justiça, não posso nem dar entrada no processo da morte presumida do Edison, já que ele não deixou outros herdeiros que possam pleitear isso. Ou seja, para fins legais, ele permanece vivo, o que não deixa de ser outro absurdo".
O que complicou a história
No caso de Fátima, o problema foi que o pedido de reconhecimento de união estável só foi feito após o desaparecimento do velejador, e isso, combinado com a lentidão da justiça paulista, resultou na situação que ela se encontra: sem o marido e, até hoje, também sem nenhum direito. Nem mesmo o de ser classificada como viúva.
"A gente sempre acha que não vai acontecer com a gente, até que acontece", diz a ex-companheira do velejador que sumiu no mar.
"Se a nossa situação civil estivesse regularizada antes do desaparecimento dele, ficaria só a dor da perda. Mas agora, além disso, há também a indignação e impotência, por depender da justiça até para provar que perdi o meu marido", desabafa Fátima, inconformada a lentidão dos trâmites jurídicos.
Newsletter
BARES E RESTAURANTES
Toda quinta, receba sugestões de lugares para comer e beber bem em São Paulo e dicas das melhores comidinhas, de cafés a padarias.
Quero receberNewsletter
OLHAR APURADO
Uma curadoria diária com as opiniões dos colunistas do UOL sobre os principais assuntos do noticiário.
Quero receber"Felizmente, não estou passando dificuldades financeiras, porque tenho onde morar e vivo com o dinheiro da minha aposentadoria. Mas, e as mulheres cujos companheiros também desaparecem e não têm como provar que viviam juntos?", questiona Fátima.
"Brasileiro não gosta de pensar na própria morte"
"Os brasileiros não gostam de pensar na possibilidade da própria morte e, por isso, não se preparam para isso", lamenta a advogada Renata Beltrame, que está cuidado do processo tardio da união estável de Fátima.
"Depois, tudo fica bem mais difícil. Ainda mais com essa lentidão no judiciário, que nunca vi igual, em 40 anos de advocacia".
Enquanto isso, Fátima segue sem conseguir provar nada. Nem mesmo a morte do companheiro.
"Não mereço passar por isso também, depois do tanto que já sofri com o desaparecimento dele", desabafa.
O barco nunca apareceu
Na prática, no Brasil, um processo de morte presumida (como acontece nos casos de pessoas desaparecidas) leva cerca de dez anos para ser concluído - muitas vezes, os requerentes morrem antes disso.
No caso de Fátima, ele ainda nem começou, porque, primeiro, será preciso comprovar sua união estável com o velejador desaparecido.
"Se, ao menos, o barco dele fosse encontrado, talvez fosse menos difícil conseguir um atestado de óbito. Mas nem isso aconteceu até hoje", lamenta a ex-professora, que, no entanto, não perde as esperanças de que, um dia, o veleiro de Edison apareça, nem que seja do outro lado do Atlântico, levado pelas correntezas.
"A análise do barco poderia ajudar a explicar o que pode ter acontecido com ele", acredita. "Até hoje me pergunto isso, todos os dias", diz Fátima, vivendo a angústia típica de quem já teve uma pessoa desaparecida na família.
"Eu preciso saber como a vida do Edison terminou. É como parar de ler um livro na metade e jamais conhecer o final da história", diz, emocionada.
O que pode ter acontecido?
Na época do desaparecimento do velejador, foram apontadas três possibilidades: naufrágio do barco, queda dele no mar ou mal súbito.
Ou uma coisa em decorrência da outra: queda no mar durante um mal súbito, embora Edison não tivesse nenhum problema de saúde.
Como, aparentemente, o velejador também não tinha nenhum motivo para fugir ou se suicidar, a hipótese mais provável passou a ser a queda acidental no mar, já que ele estava sozinho no barco e testando um piloto automático, equipamento que faz a embarcação avançar sozinha, de maneira autônoma.
Mas isso nunca foi provado nem jamais será, porque nem ele nem o barco foram encontrados, o que transforma o enigmático desaparecimento do velejador em um mistério aparentemente eterno, como pode ser conferido na história completa do caso, clicando aqui.
Deixe seu comentário
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Leia as Regras de Uso do UOL.