Histórias do Mar

Histórias do Mar

Siga nas redes
Só para assinantesAssine UOL
Reportagem

Por que algumas cidades não querem mais receber navios de cruzeiros?

Nesta segunda-feira, Búzios, no litoral do Rio de Janeiro, recebeu o primeiro navio de cruzeiros da temporada brasileira de verão, repleto de passageiros.

No próximo mês, pelo menos mais seis navios de grandes empresas como a MSC e a Costa, chegarão ao Brasil para a mesma temporada, que se estenderá até abril do ano que vem, com dezenas de paradas previstas em portos brasileiros.

Em todos eles, a expectativa é positiva: as cidades brindadas com as escalas dos navios esperam lucrar com os milhares de turistas que deles desembarcarão, para passeios na região.

Aqui, os navios são bem-vindos

No Brasil, um país carente de mais turistas, a chegada dos gigantescos navios de cruzeiros, cada um deles com milhares de passageiros, é algo altamente benéfico para a economia local.

Comércio, restaurantes e agências de viagens contam com o que passageiros dos cruzeiros irão gastar nas breves horas que passarão nas cidades para alavancar seus negócios, e dão boas-vindas aos visitantes que chegam pelo mar.

Aqui, os grandes navios de cruzeiros são bem-vindos.

Mas, em parte do resto do mundo está acontecendo exatamente o oposto disso: eles estão sendo banidos das cidades turísticas.

O problema está no tamanho dos navios

Imagem
Imagem: Sven Hoppe/picture alliance via Getty Images
Continua após a publicidade

A razão disso está nas próprias proporções cada vez mais gigantescas dos navios. A cada parada, eles despejam milhares de pessoas nas cidades ao mesmo tempo, gerando um intenso impacto social e ambiental.

Tanto na Europa, quanto nos Estados Unidos, a lista das cidades que já vetaram ou estão em vias de banir os cruzeiros marítimos de seus portos só tem aumentado.

Desde que, três anos atrás, Veneza proibiu a passagem de grandes navios de cruzeiro pelo canal que cruza a cidade, porque o deslocamento de água que eles geravam estava afetando a estrutura das próprias casas (e, em seguida, a Unesco ameaçou tirá-la da lista de cidades do Patrimônio Mundial da Humanidade se os navios continuassem despejando milhares de visitantes no seu acanhado Centro Histórico), que aquele pioneiro movimento anticruzeiros vem sendo copiado mundo afora.

Na Europa, além de Veneza, também Amsterdã proibiu a parada dos cruzeiros, alegando que eles vão contra o esforço da prefeitura local de limitar o número de visitantes da cidade, já que ela vinha recebendo mais de 100 navios durante o verão europeu.

"Praga de gafanhotos"

Desde o ano passado, os navios estão proibidos de parar na capital holandesa, e isso foi saudado como algo positivo pelo governo.

Continua após a publicidade

"O problema não é tanto a quantidade de pessoas que esses navios comportam, mas sim o fato de que todas elas desembarcam ao mesmo tempo, gerando um colapso urbano. São quase como uma praga de gafanhotos", comparou uma das líderes da oposição holandesa que encabeçou o movimento a favor do banimento dos navios. E conseguiu.

Já em Barcelona, a Câmara Municipal aprovou recentemente uma lei que limita a quantidade de navios com autorização para parar no porto de cidade - e consequentemente de turistas que neles chegam -, mesma atitude tomada pela administração da ilha grega de Santorini, outra Meca dos cruzeiros marítimos.

O mesmo também já acontece em Dubrovnik, a mais desejada cidade turística da Croácia, que anos atrás implantou um sistema de "rodízio" dos navios no seu acanhado porto, de forma a impedir que diversos deles parem ao mesmo tempo.

Turistas em Palma de Mallorca
Turistas em Palma de Mallorca Imagem: Clara Margais/picture alliance via Getty Images

Nos EUA é ainda pior

O problema da super ocupação das cidades com visitantes oriundos dos cruzeiros marítimos atravessou o Atlântico e já afeta algumas cidades americanas.

Continua após a publicidade

Em 2016, Houston, no Texas, quarta cidade mais populosa do Estados Unidos, foi a primeira a proibir a parada de navios de cruzeiro, sob a alegação de que já havia gente demais na própria cidade.

Em seguida, foi copiada pela acanhada Key West, na Florida, que, no entanto, por pressão do governo do estado, teve que voltar atrás, apenas limitando a quantidade de navios, em vez de proibí-los.

Atualmente, apenas um navio por dia pode parar no porto da cidade - que mesmo assim fica com suas ruelas entupidas de pedestres.

Formas originais de proibir

Já a também pequena Bar Harbor, no estado do Maine, em vez de limitar a quantidade de navios limitou o número de passageiros que deles podem desembarcar: não mais que 1 000 por vez, entre passageiros e tripulantes.

Como os navios atuais têm capacidade para transportar até sete mil pessoas, a medida teve o mesmo efeito da proibição pura e simples da atracação dos grandes cruzeiros.

Continua após a publicidade

Já em Monterrey, na Califórnia, outro destino outrora predileto dos cruzeiros marítimos, foi ainda mais original na forma de abordar o problema.

Seu Conselho Municipal - que não têm poder legal para impedir que os cruzeiros cheguem - decidiu apenas não mais fornecer funcionários para os serviços de desembarque dos passageiros, obrigando assim as empresas marítimas e contratarem seus próprios atendentes. E isso as levou a desistir do destino.

"Deu certo e as empresas perceberam que seus navios já não eram mais bem-vindos na nossa cidade", disse na época o prefeito de Monterey, Hans Uslar, que, por isso mesmo, foi aplaudido pelos habitantes locais, todos incomodados com as multidões de turistas que os navios desovavam na cidade.

Imagem
Imagem: Nicolas Economou/NurPhoto via Getty Images

50 vezes mais turistas que habitantes

Agora, o caso mais recente envolve a minúscula Juneau, no Alasca, para obrigatória de dez em cada dez cruzeiros que exploram a região.

Continua após a publicidade

Com míseros 32 000 habitantes e impressionantes 1,6 milhão de visitantes de cruzeiros marítimos no ano passado (50 vezes mais que a população local), Juneau votou recentemente pela proibição da parada de navios aos sábados, como forma de, ao menos, aliviar o incômodo permanente nos seus habitantes.

A proposta foi rejeitada por pequena margem (fruto da pressão dos comerciantes locais), mas os moradores não desistiram e agora tentam limitar a quantidade de visitantes, como forma de diminuir os impactos ambientais causados pelos grandes navios e preservar alguma qualidade de vida para eles próprios.

Por que as cidades reclamam?

A principal queixa das cidades é que, além de perturbarem o sossego local, os milhares de visitantes que chegam a cada novo cruzeiro ficam tão pouco tempo nelas que nada deixam de realmente lucrativo para os cofres municipais.

"Nem comer nos restaurantes daqui os passageiros comem, porque não dá tempo de passear e comer. Ou eles fazem uma coisa ou outra", reclama um comerciante de Juneau.

No centro desta questão está uma equação de difícil solução: como conciliar a preservação do meio ambiente e do bem estar dos habitantes com as necessidades que as próprias cidades têm de extrair recursos do que os passageiros dos cruzeiros marítimos gastam nos passeios?

Continua após a publicidade

A resposta pode estar no equilíbrio entre as duas coisas, o que, no entanto, diversas cidades da Europa e dos Estados Unidos não conseguiram aplicar, com muitos mais turistas oriundos dos cruzeiros marítimos do que podem suportar.

No Brasil, este problema ainda não acontece.

Mas, a julgar pelo crescimento do mercado brasileiro de cruzeiros, que nesta temporada terá nove navios e esperados mais de 300 mil passageiros - só Buzios receberá 106 escalas, até abril do ano que vem -, talvez seja só uma questão de tempo, antes de os grandes navios começarem a ser enxotados, em vez de ansiosamente aguardados, também pelas nossas cidades.

Especialmente, as menos preparadas para recebê-los, com tamanha quantidade de turistas ao mesmo tempo.

Reportagem

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

Deixe seu comentário

Só para assinantes