Documentário acha dono de barco que pôs 3 brasileiros inocentes na cadeia
Em junho de 2017, três jovens brasileiros responderam a um anúncio na internet que buscava marinheiros voluntários para ajudar a conduzir um veleiro do Brasil para a Europa.
Meses depois, foram presos em Cabo Verde, sob a acusação de tráfico internacional de drogas, porque o barco no qual haviam embarcado para aquela viagem continha mais de uma tonelada de cocaína escondida no casco.
Eles nada sabiam sobre aquela impressionante quantidade de droga escondida no barco. Mesmo assim foram presos.
Ficaram encarcerados durante um ano e meio, até que ficou claro que haviam sido vítimas de um golpe arquitetado pelo dono do barco, o inglês George Saul, mais conhecido pelo sugestivo apelido "Fox" ("Raposa", em inglês), que espertamente não estava naquela viagem.
Ele era o dono da droga.
Mas - ao contrário dos brasileiros - nunca foi preso por isso.
Até hoje, Fox vive tranquilamente na Inglaterra, onde, apesar de todas as evidências - e de um mandado de prisão expedido pela Polícia Federal do Brasil seis anos atrás, mas que nunca chegou a ser aplicado - sequer é acusado de crime algum.
Encontrou quem a justiça não acha
Em linhas gerais, esta é a história que narra o documentário e o podcast "A Raposa" - este no terceiro episódio, de um total de cinco, com lançamentos sempre às segundas-feiras -, ambos produzidos pela BBC Brasil, a partir de uma série de entrevistas conduzidas pela jornalista Christine Kist - que, com a ajuda de um colega da BBC inglesa, chegou a estar com o próprio Fox na cidade de Norwich, onde ele vive impunemente até hoje. E sem nenhum risco de ser preso.
"A justiça inglesa afirma que não há nenhuma acusação contra ele e não há mesmo, porque o único pedido de extradição do Fox feito pelo Brasil na época da prisão dos brasileiros não foi entregue no prazo, e por isso perdeu validade", diz Christine, que para produzir o documentário e o podcast ouviu pessoas no Brasil, em Cabo Verde e no Reino Unido.
"Já o Ministério Público do Brasil diz que a ação penal contra o Fox segue em andamento, mas que o processo está 'suspenso' porque ele não foi 'localizado'", explica a jornalista, que estava no local quando o dono do veleiro - e da droga - foi abordado pelo seu colega da BBC, em um estacionamento de um hotel em Norwich, no interior da Inglaterra, onde ele vive atualmente.
Na ocasião, como mostra o documentário, Fox, visivelmente perturbado com aquela inesperada abordagem, volta apressado para o carro se recusando a responder às perguntas do jornalista.
Mais tarde, ele faria o mesmo, ao não responder aos questionamentos da BBC enviados por carta ao seu endereço - o mesmo que o Ministério Público do Brasil diz desconhecer.
"Perdi um ano e meio da minha vida"
"Tudo isso me deixa indignado", diz hoje Rodrigo Dantas, um dos jovens brasileiros envolvidos na arapuca armada pelo inglês Fox.
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Quero receber"Fico indignado por ele não ter sido preso, pelas autoridades brasileiras não exigirem isso e pelo fato de a justiça de Cabo Verde nunca o ter sequer intimado a depor. Perdi um ano e meio da minha vida em uma cadeia por um crime que não cometi, e isso comprometeu o meu desejo de me tornar capitão e viver navegando", diz o brasileiro.
"Não quero nunca mais encontrá-lo e torço para que ele, um dia, finalmente seja preso, e pague pelo que fez com a gente. Mas tenho poucas esperanças que isso aconteça, apesar de o documentário esclarecer toda a história e mostrar que não tivemos culpa alguma nessa história", diz Rodrigo, que hoje, por conta ainda da repercussão da sua prisão, tem dificuldades encontrar trabalho na área náutica.
"Por mais que saibam que eu era inocente, os donos de barcos ainda ficam receosos de me contratar para trabalhar. Espero que o documentário mude isso", diz o jovem velejador.
Uma intrincada história
A mesma situação também vive o gaúcho Daniel Guerra, outro brasileiro vítima do inglês, que também ficou um ano e meio preso em Cabo Verde, mesmo sendo inocente.
"Meu projeto de vida sempre foi trabalhar em barcos, navegando pelo mundo, mas fiquei tão traumatizado com que o aconteceu que nem quero mais ouvir falar em mar. O Fox destruiu o meu sonho", diz o ex-velejador gaúcho no documentário e no podcast, que não só esclarecem os fatos, como mostram a ineficiência da justiça e muitos detalhes desta intricada história, que também pode ser conferida clicando aqui.