Histórias do Mar

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Reportagem

Sozinho e sem falar português, japonês vence o rio Amazonas com um caiaque

Nos últimos dez anos, o japonês Gotaro Haruma tem feito coisas que bem poucos aventureiros fariam.

Já cruzou o deserto egípcio em cima de um camelo, viveu um tempo com pigmeus nas florestas africanas, atravessou a cavalo o Quirguistão, na Ásia, velejou ao redor de todo o Japão, atravessou a pé parte da congelante Lapônia, dormindo sobre a neve, e no extremo oposto, cruzou, também a pé, o temido Vale da Morte, no oeste dos Estados Unidos, um dos lugares mais quentes do mundo, onde as temperaturas podem passar dos 50 graus Celsius - e no qual quase morreu de insolação.

Fez tudo isso sozinho, em busca de um objetivo: viver grandes aventuras.

E a mais recente delas, ele acaba de concluir.

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Imagem: Reprodução/TikTok Thierry Lobato

2.500 km a remo

Com um simples caiaque movido a remo, Gotaro - que prefere ser chamado apenas de "Go" - atravessou praticamente de ponta a ponta o rio Amazonas, de Iquitos, no Peru, até o ponto onde o segundo maior rio do mundo em extensão deságua no mar, no estado brasileiro do Amapá, onde chegou na semana passada.

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Imagem: Reprodução
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A ousadia, de 2.500 quilômetros no maior rio do planeta em volume d'água, lhe custou 48 dias remando uma média diária de 50 quilômetros, de povoado em povoado, onde era sempre recebido com um misto de surpresa e perplexidade: o que aquele japonês, que mal falava português (mas com uma extraordinária capacidade de compreender o que lhe diziam) estava fazendo ali, a milhares de quilômetros da cidade mais próxima? E com uma espécie de canoa inflável, com menos de dois metros de comprimento?

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Imagem: Reprodução/TikTok DarkyNews

"Soy aventureiro do Japão", dizia Go aos ribeirinhos, sempre sorrindo e misturando espanhol com português, quando era abordado por curiosos, que logo o transformavam em atração nas suas redes sociais.


Um celular e mais nada

Quando não encontrava nenhum povoado para parar e descansar, Go dormia na própria margem do rio, em plena selva amazônica, debaixo do seu bote, que virava uma espécie de barraca improvisada.

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Imagem: Reprodução

Ali, ele também preparava suas refeições, em uma panelinha que levava no caiaque, juntamente com uma muda de roupa, um canivete, um facão e uma bolsa à prova d'água, que continha o seu bem mais precioso: um celular, que usava para traduzir o que lhe falavam, e com o qual também monitorava o caminho a ser seguido, entre os mais de 1.000 afluentes que deságuam no rio Amazonas.

Suas roupas viviam encharcadas e o sol e a chuva amazônica não davam tréguas.

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Imagem: Reprodução

Mas em nenhum momento Go pensou em desistir. Pelo contrário, adorou a travessia.

Como todas as que já fez.

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Fala 7 idiomas

Entre outras estripulias, Go (que é formado em engenharia de tecnologia e é capaz de se comunicar em sete idiomas, incluindo árabe, russo, espanhol, e, agora, também um pouco de português), já experimentou passar uma temporada como nômade no deserto em cima de um camelo, cruzar o Marrocos com uma carroça (na qual também iam um gato, uma galinha, um cachorro e um pombo - além do burro que a puxava), atravessar 1.000 quilômetros no Quirguistão sobre um cavalo (além de outros 500 a pé, na companhia de um cachorro e duas ovelhas), contornar toda a costa japonesa com um barco a vela tendo um periquito a bordo, viajar pelo Ártico com um trenó puxado por cães siberianos, que ele mesmo treinou para isso, e fazer uma trilha de 800 quilômetros na Cordilheira do Andes, no Peru, tendo como únicas companhias uma lhama e duas alpacas.

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Imagem: Reprodução

Go sempre teve predileção por viajar com animais, o que, por razões óbvias (já que só cabia ele na canoa), precisou abrir mão na expedição amazônica que acabou de completar.

E sempre sozinho.

"Sou um caçador de aventuras", se autodefine Go, nas suas redes sociais.

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"Se continuar tentando, você consegue"

O interesse de Go Haruma pelas aventuras começou 15 anos atrás, quando ele para as Filipinas em busca de um amigo que havia desaparecido naquele país.

Ele não o encontrou, mas descobriu algo que o marcaria para sempre: o prazer pela aventura de fazer algo que a maioria das pessoas consideraria impossível.

Depois disso, nunca mais parou de inventar expedições e travessias, cada vez mais intensas e difíceis.

"Se você continuar tentando, com certeza conseguirá o que quer", é o seu lema.

Como um jogo de sobrevivência

Go também encara suas jornadas como se fossem jogos reais de sobrevivência em solitário.

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Viaja sempre sozinho - no máximo, na companhia de algum bicho, o que, às vezes, torna as coisas ainda mais difíceis - e sem a ajuda de intérpretes, embora frequente lugares que nem de longe compreendem japonês.

Por isso, sempre aprende um pouco do idioma local, antes de iniciar suas viagens, para as necessidades básicas.

Mas confessa que achou o português um tanto difícil de aprender.

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Imagem: Reprodução

"Sorte que achei gente boa, que quis ajudar", disse o japonês a um dos ribeirinhos que encontrou no meio do rio, como divulgado pelas redes sociais do amapaense Dalton Pacheco, um dos muitos que noticiaram a improvável passagem de um solitário remador do Japão pelo maior rio brasileiro.

Neste momento, após chegar ao Oceano Atlântico e dar por encerrada sua expedição vitoriosa, Go está seguindo, em um barco de linha, da cidade amapaense de Santana para Manaus, de onde retornará ao seu país, antes de partir para uma travessia, que ele ainda não sabe qual será.

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Exceto que acontecerá.

Driblou os "ratos do rio"

Além da distância quilométrica e do desconforto de passar mais de um mês e meio remando um caiaque de sol a sol no maior rio da Amazônia, Go Haruma também teve a sorte de não topar com nenhum "rato de rio", como são chamados os ladrões e bandidos, que, de décadas para cá, passaram a aterrorizar os navegantes de algumas regiões do Amapá, como as margens do próprio rio Amazonas, nas áreas próximas à capital, Macapá.

Foi ali, por exemplo, que 24 anos atrás um dos maiores velejadores de todos os tempos, o neozelandês Peter Blake - na época, uma espécie de Ayrton Senna do segundo esporte mais popular da Nova Zelândia, o iatismo -, foi assassinado durante um assalto ao seu barco, quando estava ancorado diante do próprio porto de Santana, por onde Go Haruma também passou com seu caiaque.

Na época, o crime bárbaro gerou manchetes no mundo inteiro, gerou indignação mundial e enormes constrangimentos ao governo brasileiro, até porque o autor do disparo levou absurdos 16 anos para ser preso, e ainda assim por puro acaso, como pode ser conferido clicando aqui.

"No meu viagem, no problema", disse o japonês ao embarcar para Manaus e dar por encerrada a sua mais recente peripécia.

Reportagem

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

13 comentários

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Marlon Zortea

Esse é o cara!

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Maria Lúcia Carvalho Marques

Muito bom Jorge, ótima matéria.

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Adriano Coradi

Matéria sensacional! Parabéns pro autor.

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