Topo

Rafael Leick

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Viagem LGBTQIA+: para que separar se todo mundo deve ser igual?

Getty Images/iStockphoto
Imagem: Getty Images/iStockphoto

Colunista do UOL

18/07/2022 04h00

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

O setor de turismo tem denominações mercadológicas para tornar mais fácil vender seus produtos para fatias específicas de viajantes. Parece simples e básico, mas a definição desse conceito não é tão clara para todo o mercado, especialmente quando a viagem tem as cores do arco-íris. Afinal, onde está a diferença entre as viagens do público LGBTQIA+ e o turismo tradicional ou, para usar um termo ainda mais excludente, o turismo "normal"?

Antes de mais nada, "anormal'' é não gostar de viajar. Posso ouvir um amém?

Dito isso, fica mais simples entender que muitos dos desejos são parecidos entre viajantes da comunidade LGBTQIA+ e os héteros cisgêneros (não transgêneros) pois estamos falando de seres humanos que são indivíduos únicos e com vontades únicas mas que, no mercado, são classificados em caixinhas para achar mais fácil a viagem certa na prateleira.

O turismo LGBTQIA+ não é um tipo só de turismo. Existem lésbicas que gostam de viagem de aventura, gays que gostam de festivais e festas e bissexuais que buscam resorts calientes com trocas de casais no Caribe, por exemplo.

Viagem LGBTQIA+, casal gay de homens com filhos - Getty Images/iStockphoto - Getty Images/iStockphoto
Imagem: Getty Images/iStockphoto

Sim, essas pessoas existem. Mas, estourando a bolha do estereótipo cheio de pré-conceitos, há também pessoas trans buscando um resort para curtir as férias de julho em família com seus filhos, homens gays buscando autoconhecimento em uma viagem à Índia, bissexuais experimentando os melhores roteiros gastronômicos da Ásia e lésbicas que sonham em conhecer a terra dos Beatles e da Rainha Elizabeth.

A viagem para o público LGBTQIA+ é tão múltipla e diversa quanto a sigla que a representa e que cresce a cada dia. E não somos assim todas as pessoas?

Aí você me pergunta: ok, mas se a comunidade queer está em todos os tipos de turismo — de entretenimento ao rural, passando pelo turismo sênior e de esportes — porque há um nome específico acompanhado da bandeira do orgulho?

Viagem LGBTQIA+ - Getty Images/iStockphoto - Getty Images/iStockphoto
Imagem: Getty Images/iStockphoto

Se você é parte da comunidade e faz essa pergunta, me alegra que você tenha tido o privilégio da heteronormatividade para que a resposta não te seja óbvia. Mas, se você é uma pessoa heterossexual cisgênero (e branca, geralmente), te pergunto: você já teve um sentimento de alívio tão arrebatador por conseguir andar pela primeira vez de mãos dadas com sua outra metade da laranja na rua, em plena luz do dia, nos lugares mais movimentados de uma cidade ou país diferente de onde mora?

Acho que agora começa a ficar mais fácil de entender?

Infelizmente, ainda são cerca de 70 países onde é crime ser LGBTQIA+, alguns tendo pena de morte como punição. Em outros países, a legislação é bastante avançada na proteção à comunidade, mas a experiência na sociedade não reflete essa segurança. É o caso do Brasil, que tem o casamento igualitário permitido por lei desde 2013 — antes de EUA e Alemanha, por exemplo — mas é o país que tem o maior índice de mortes de pessoas trans por LGBTfobia no mundo.

Viagem LGBTQIA+, casal de mulheres tirando selfie - Getty Images - Getty Images
Imagem: Getty Images

E, enquanto houver preconceito, ignorância, intolerância e ódio, haverá motivos para esses "guetos" ou "lugares seguros" existirem, tanto para garantir sobrevivência quanto para promover pertencimento, representatividade e conexão com grupos afins.

Trocando em miúdos, enquanto eu não puder beijar um outro cara em qualquer balada sem medo de ser agredido, será necessário haver uma balada gay onde eu me sinta confortável para expressar quem sou. Entendeu?

Viajantes queer também podem ter os mesmos sonhos de viagem que você tem de fazer um passeio romântico de gôndola em Veneza ou de se aventurar em um safári na África do Sul, ou ainda de se gabar por ter tido coragem de comer as comidas mais estranhas no Sudeste Asiático. Ou seja, somos todo mundo.

Viagem LGBTQIA+, casal de homens com malas - Getty Images - Getty Images
Imagem: Getty Images

Ao mesmo tempo, "todo mundo" não nos cabe pois queremos ser tratados como realmente somos e respeitados e valorizados por isso. Então, se uma agência de viagens me sugerir viajar 5 dias depois do que planejei porque haverá uma marcha do orgulho acontecendo no fim de semana seguinte ou recomendar que eu me hospede em um bairro que tenha maior circulação de pessoas LGBTQIA+, vou entender que ela me vê e me respeita como consumidor.

Isso também vale para o hotel que não vai dar duas camas de solteiro quando a reserva for feita para cama de casal ou o spa de alto padrão que vai oferecer dois roupões e chinelos de tamanhos similares para casais homoafetivos com estaturas similares.

Outro ponto importante de ressaltar, se ainda não estiver óbvio, é que viagem LGBTQIA+ não tem nenhuma relação com turismo sexual. Pelo menos, não mais do que a viagem para todos os outros públicos, afinal tem sempre quem aproveita as viagens para ampliar suas "conexões", digamos. Não é uma exclusividade nossa.

Se você chegou até aqui, espero que tenha ficado bastante explícito que o turismo LGBTQIA+ vai muito além de festivais, saunas e boates e que mesmo héteros cis podem ter experiências maravilhosas em destinos friendly.