Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Hospedagem, comida e massagem grátis: trabalho voluntário em pousada gay
Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail
Viajar não está barato, bem sabemos. Então, economizar não é má ideia. Mas, para além de gastar menos, viagem boa é a que traz experiências que mexem conosco. E foi isso que experimentei durante uma passagem pela Europa há alguns anos.
Era 2013 e, contando períodos de estágio, trabalho como PJ e mudanças de emprego, não tinha ainda tido a experiência de estar trabalhando com carteira assinada e ter um período de férias para desfrutar. Na vida pessoal, muita coisa levava para um fechamento de ciclo importante e a cabeça estava a mil.
Decidi seguir o exemplo de um crush da época e experimentar o trabalho voluntário. Ele tinha tido experiência em um hotel gay naturista na Costa do Sol, na Espanha, e me contou como foi, o que me despertou interesse. Basicamente, a ideia é trocar hospedagem — e, muitas vezes, comida — por horas de trabalho. Eu sei, também achei estranho escolher trabalhar nas férias, mas é diferente.
As atividades podem ir de atender público na recepção em um hostel até cuidar de uma pessoa idosa. A que eu escolhi tinha bastante natureza envolvida: eu trabalharia 50 h, num período de duas semanas, em uma pousada estilo bed & breakfast comandada por um casal gay, no interior da Escócia. A proposta era mesmo ficar longe do caos urbano e conhecer um estilo de vida diferente.
E foi isso mesmo que vivi! Além das preocupações serem bem diferentes, havia uma rotina bastante própria que seguíamos. Mark e Till, os donos do Cherry Tree Lodge, propunham que fizéssemos um "check-in" todos os dias durante o café da manhã, um momento para compartilharmos, à mesa, como tinha sido o dia anterior e a noite que passou, como estava se sentindo ao acordar e que perspectivas tinha para o dia. Em princípio, achei inusitado, mais difícil do que parecia e até um pouco invasivo. Aos poucos, percebi que este processo me trazia para o momento presente e aumentava minha autoconsciência. Notei quão rica era uma atitude tão simples.
As minhas atividades diárias eram variadas: de cortar lenha a cuidar das galinhas, passando por um pouco de jardinagem e coletar, lavar e identificar os ovos, que eram parte de nossa alimentação, em grande parte orgânica e vegetariana. O trabalho mais pesado foi limpar de mato e pedras uma área que, no futuro, se tornaria uma "escada" natural no terreno, o que fiz junto com outro voluntário.
Para viver esta experiência, usei uma plataforma chamada HelpX, em que "helpers" (ajudantes) podiam oferecer seu trabalho para "hosts" (anfitriões). Ela oferecia um modelo grátis e outro pago, em que era possível entrar em contato com possíveis anfitriões proativamente. Assim como esta, existem outras plataformas de trabalho voluntário hoje, de diversos tipos e oferecendo todo tipo de trabalho. O importante é alinhar previamente o acordo que deverão cumprir.
Propriedades rurais, como a que fiquei em Saline, próxima de Edimburgo, demandam cuidado constante e o plano de Mark e Till era transformar a pousada em uma morada para a comunidade gay idosa. Homens gays que não tivessem mais família ou quisessem viver em comunidade com seus semelhantes, poderiam ter esse refúgio ali. Da última notícia que tive, Mark e Till venderam o Cherry Tree Lodge e se mudaram para uma outra propriedade mas, até onde me pareceu, o projeto inicial se manteve. Aquilo, para mim, foi combustível para trabalhar mais determinado ainda.
E, enquanto lixava uma cabana de madeira ou retirava o musgo da grama, a cabeça usou a liberdade de ter o corpo físico ocupado e focado em uma tarefa para abrir a porta dos pensamentos e deixá-los fluírem livremente. Para uma pessoa racional, como eu, esses são momentos mágicos. Tanto que tive crises de riso e de choro enquanto mexia na terra, sozinho ali. Foi de lavar a alma.
Para completar, o Mark era terapeuta holístico e trabalhava mexendo com energias. O Till, de origem alemã, trabalhava fora, mas também tinha o mesmo modo de pensar. Numa noite, como agradecimento pelo trabalho, eles me ofereceram uma massagem a quatro mãos, que consiste em duas pessoas aplicando massagem ao mesmo tempo em uma pessoa só.
Se não experimentou ainda, recomendo. É uma sensação maravilhosa perder o "controle", no melhor sentido da palavra, de saber onde as mãos estão e quais os próximos movimentos. Que experiência! Antes que alguém pense besteira, não teve nada de sexual, bom dizer.
Romance de verão: escocês
Mas, confesso que liguei o Grindr por lá. E conheci um escocês parrudo que morava numa cidade vizinha. Numa noite, ele veio de carro me buscar — avisei ao Mark e ao Till, porque havia sempre um receio, né? — e fomos curtir a noite com seus amigos, o que foi bem divertido. Dormimos na casa de um destes amigos e, no dia seguinte, voltando ao trabalho, ficamos na vontade de nos vermos outra vez.
Eu teria dias de folga, nos quais alugaria um carro para explorar a Escócia. Combinamos de nos encontrar em Edimburgo, onde eu ia pegar o carro depois de visitar a cidade por uns dias. Depois de visitar castelos e restaurantes, comprar juntos uma kilt de alfaiataria que uso até hoje e experimentar esse kilt no hostel da forma tradicional, ou seja, sem cueca ou nada por baixo, a paixonite gritou. Ele me acompanhou, inclusive, no primeiro trecho da viagem de carro.
Vivemos dias românticos e intensos. Foi um lindo romance — de duas semanas. Mas valeu muito a pena.
Esta experiência de trabalho voluntário é um pouco diferente da que é mais comum as pessoas terem. Mas foi uma virada de chave na vida e plantou sementes em mim que carrego florescendo até hoje. Recomendo!
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.