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Rafael Leick

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

100 dias de Lula: promessas no turismo LGBTQIA+ ainda não foram cumpridas

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva coordena reunião de balanço dos 100 dias de governo - Fabio Rodrigues-Pozzebom/ Agência Brasil
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva coordena reunião de balanço dos 100 dias de governo Imagem: Fabio Rodrigues-Pozzebom/ Agência Brasil

Colunista do UOL

11/04/2023 04h00Atualizada em 18/04/2023 13h44

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Nesta segunda-feira, 10 de abril, a terceira temporada do Governo Lula completou 100 dias.

Já são 100 dias com uma relativa normalidade quando falamos de políticas, com temas plausíveis sendo discutidos em vez de delírios de lunáticos.

Isso, por si só, já é um ganho.

Mas, como publiquei nesta coluna pouco depois do resultado das últimas eleições ser confirmado, meu papel aqui não é partidário e sim de defesa de um segmento do turismo que contempla e celebra minha existência junto à minha comunidade e, de quebra, é bastante lucrativo para os cofres públicos.

À época, a Secretaria Nacional LGBT do Partido dos Trabalhadores (PT) finalizou a nota genérica que me enviou — compreensível no período de transição de um governo que destroçou o país — assumindo um compromisso:

Nos colocamos à disposição para que nos primeiros meses de governo, a partir do ano de 2023, voltemos a discutir essa pauta, inclusive de maneira institucional, de forma profunda e qualificada, com dados, objetivos, metas e prazos, podendo assim nos aprofundar de maneira mais eficiente nos questionamentos que você nos colocou.

Fachada do ministério de Minas e Energia e do ministério do Turismo - Marcelo Camargo/Agência Brasil/Marcelo Camargo/Agência Brasil - Marcelo Camargo/Agência Brasil/Marcelo Camargo/Agência Brasil
Fachada do ministério de Minas e Energia e do ministério do Turismo
Imagem: Marcelo Camargo/Agência Brasil/Marcelo Camargo/Agência Brasil

Prestes a completar 100 dias de Governo Lula, solicitei novamente à Secretaria — e, desta vez, incluindo na conversa a Embratur e o Ministério do Turismo — respostas às mesmas questões feitas em novembro e a novas, incluindo pedido de informações como:

  • Propostas para o Turismo e para o Turismo LGBTQIA+;
  • Visão sobre a importância do Turismo LGBTQIA+ para a economia brasileira;
  • Retomada do acordo de cooperação para promoção do Turismo LGBTQIA+ no Brasil assinado em 2018 com validade até 2023 entre Ministério do Turismo, Embratur e Câmara LGBT do Brasil, que foi excluído do Plano Nacional de Turismo do governo Bolsonaro, em 2019;
  • Retomada da cartilha "Dicas para atender bem o turista LGBT", destinada ao trade turístico e descontinuada pelo governo anterior;
  • Planos para áreas dedicadas ao Turismo LGBTQIA+ dentro do Ministério, a exemplo de vários destinos pelo mundo que são exemplo em promoção turística;
  • Medidas de destaque para o segmento dos dois primeiros mandatos de Lula;
  • Destinos que serão promovidos como friendly internamente e plano de promoção;
  • Desafios e medidas tomadas ou planejadas para promover o Brasil como friendly globalmente.

O retorno foi decepcionante!

A prometida discussão "maneira institucional" ou "de forma profunda e qualificada" não ocorreu e os dados, objetivos, metas e prazos também não apareceram.

A Secretaria Nacional "LGBT" do PT encaminhou a demanda para a assessoria de imprensa nacional do partido, que repassou a responsabilidade para o Ministério do Turismo.

O Ministério do Turismo, que está sob o comando duvidoso de Daniela Carneiro (União Brasil, sim, ele mesmo), deu uma resposta genérica falando sobre a reativação do Conselho Nacional de Turismo em abril e a construção do novo Plano Nacional do Turismo.

Apresentação da ministra do Turismo, Daniela Carneiro, em janeiro - Divulgação/Ministério do Turismo - Divulgação/Ministério do Turismo
Apresentação da ministra do Turismo, Daniela Carneiro, em janeiro
Imagem: Divulgação/Ministério do Turismo

A única notícia positiva foi que o MTur lançaria, ainda em abril, a atualização da cartilha "Dicas para atender bem turistas LGBTQIA+", descontinuada pela gestão anterior.

A Embratur respondeu, após o prazo, dizendo que ficaram sem e-mail mas que já tinham as respostas, se ainda poderiam enviar. Mesmo com retorno positivo, as respostas não vieram até a publicação desta coluna.

Mudanças efetivas para o Turismo

É claro que reconstrução, que é lema do governo atual, é algo a ser feito longo prazo e que o setor todo enfrenta uma "herança maldita" de dólar acima dos R$ 5, economia instável, questões sociais urgentes e escândalos envolvendo a ministra do Turismo já no início do mandato.

Isso fora a tentativa de golpe em janeiro e outras tantas coisas para além do Turismo. Mas, acho plausível esperarmos algo mais concreto.

Depois de quatro anos de desmontes, era esperado que a demanda represada por ações afirmativas virasse, pelo menos, um planejamento concreto. Apesar disso, temos algumas poucas coisas para comemorar.

O Ministério do Turismo divulgou, no início de fevereiro, vídeos sobre o "Plano de 100 dias", baseado em cinco eixos.

Escondido no eixo "Sustentabilidade e Mudanças Climáticas", a ministra diz que irá "fortalecer programas voltadas a um turismo inclusivo, que alcance as mulheres, idosos, LGBTQIA+ e pessoas com deficiência", mesmo que o texto na tela seja "Turismo para todos", no masculino mesmo, em vez de "Turismo para todas as pessoas", esquecendo de priorizar mulheres e pessoas LGBTQIA+ neste mesmo anúncio.

Nesta segunda-feira (10), o MTur atualizou, de fato, a cartilha com dicas para atender bem turistas LGBTQIA+.

A nova campanha do Governo Federal traz sopros de diversidade sexual, mesmo que muito sutis e escondidas em um abraço de amigos. Já na nova da Embratur, nem isso aconteceu. Um vídeo da entidade divulgado em janeiro pela Câmara LGBT do Brasil — e que, segundo a Câmara, foi lançado em agosto do ano passado, ainda na gestão anterior — assina a peça em inglês com "Brasil, o país da Diversidade", mesmo que a diversidade afetivo-sexual só apareça sutilmente no penúltimo frame, com duas mulheres de biquini se olhando e sorrindo.

Para deixar bem claro, estou convicto e nada arrependido da decisão que tomei em outubro nas urnas.

Mas, não me contentarei com migalhas sutis e espero que o setor do Turismo LGBTQIA+ no Brasil tenha o mesmo posicionamento. Para além de patrocínios e discursos, precisamos ver, na prática, o fomento ao segmento acontecer.

Mesmo não sendo oposição, a cobrança pode — e deve — acontecer. MTur e Embratur, estamos contando com vocês e estaremos acompanhando bem de perto. ;)

Íntegra da nota enviada pelo Ministério do Turismo:

"O Ministério do Turismo atua para fortalecer a inclusão, cidadania e a oferta de serviços de qualidade no país e, a partir da reativação do Conselho Nacional do Turismo, prevista para abril, iniciará a construção do novo Plano Nacional do Turismo que orientará as ações do setor. Cabe destacar que o Ministério do Turismo lançará no próximo mês a atualização do Guia "Dicas para atender bem Turistas LGBTQIA+". A publicação tem o objetivo de orientar os prestadores de serviço turísticos sobre o atendimento a este público, oferecendo dicas que garantam acolhimento e respeito em destinos e atrativos turísticos ao turista LGBTQIA+, que representa 10% dos viajantes no mundo e movimenta 15% do faturamento do setor, segundo dados da Organização Mundial no Turismo (OMT)."

Informações enviadas pela Embratur após a publicação desta coluna:

"Iremos resgatar as conexões com os principais atores do setor e dar maior visibilidade ao segmento. Para tanto, a Embratur criou uma coordenação dedicada à Diversidade, Afroturismo e Povos Originários, dada a importância estratégica que essa nova gestão percebe neste segmento do turismo. A Embratur tem a intenção de celebrar um protocolo de intenções junto a Câmara LGBT+ com o intuito de fortalecer o diálogo, compartilhar dados, estratégias de atuação e viabilizar projetos de parceria com foco no desenvolvimento do setor.

Um dos principais aspectos observados pela Embratur é a capacidade de desenvolvimento da economia do País por meio do turismo. Assim, em termos econômicos, este segmento é de extrema importância e pode beneficiar de maneira consistente as cidades que recebem este turista. Do ponto de vista social, a inclusão da diversidade é muito benéfica tanto para quem viaja e é LGBTQIAP+ quanto para as cidades que os recebem. O turismo é uma ferramenta de intercâmbio, de aprendizado e enriquecimento cultural. Ademais, o turista LGBTQIAP+ está em todos os lugares e em todos os tipos/segmentos de turismo. Saber trabalhar com esse público é de extrema importância, pois já compreendemos que é um público exigente, que tem poder aquisitivo alto, que prezam pelo conforto, segurança e receptividade dos destinos que visitam. Um destino preparado para o turista LGBTQIAP+ é um destino pronto para públicos exigentes. Queremos, enquanto país, ser um destino de qualidade, que oferta produtos diversos, de alto padrão e que recebe bem os seus visitantes. Enquanto Embratur, queremos que a nossa marca seja reconhecida por trabalhar a diversidade, a inclusão e a sustentabilidade, em prol da igualdade e respeito às diferenças.

O acordo [de cooperação para promoção do Turismo LGBTQIA+ no Brasil assinado entre Ministério do Turismo, Embratur e Câmara LGBT do Brasil em 2018 com validade até 2023 e excluído do Plano Nacional de Turismo do Governo Bolsonaro em 2019] será reafirmado e expandido para refletir o momento atual, considerando os impactos da pandemia e as mudanças no perfil de consumo de cada mercado.

[Principais destinos que serão trabalhados como friendly]: Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte, Juiz de Fora, Salvador, Recife, Fernando de Noronha, Manaus, Belém, Florianópolis, Brasília, Porto Alegre, Búzios.

[Medidas que já foram tomadas para promover o Brasil como um destino LGBT-friendly para o mundo]: Estamos em contato com a Câmara LGBT+ e com a IGLTA para a retomada da promoção do Brasil como destino da diversidade. Precisamos reforçar que o Brasil é um destino friendly, seguro e moderno

Os principais desafios são a segurança e a qualificação dos nossos profissionais. Nos últimos anos a sensação de segurança desse público foi completamente atacada e o nosso papel como órgão de promoção é resgatar a imagem que o Brasil tinha como um dos maiores mercados do turismo LGBTQIAP+, com uma das maiores paradas do Mundo e que representa o quão diversa e acolhedora a nossa população é. Com relação à qualificação e desenvolvimento dos nossos trabalhadores esta é uma ferramenta importantíssima e que será desenvolvida em parceria com o Ministério do Turismo."