Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.
Vagina de vaca no prato: restaurante em Milão serve animais "por inteiro"
Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail
O nome do restaurante — Trippa — não foi uma escolha ao acaso, claro. E a seleção do menu, pouco convencional para outras trattorias de Milão, também não.
Ali, ao lado do tortelli recheado de ricota e da versão mais fotografada de toda a Itália do clássico vitello tonnato, estão receitas menos familiares ao público em geral: cibreo, finanziera, pajata.
Mesmo os italianos podem ter dificuldade em reconhecer os nomes. E, mais ainda, de saber o que há por trás de cada um desses preparos. E é exatamente aí que reside o prazer mais recôndito do chef milanês Diego Rossi.
Um aficionado pela cozinha de seu país, ele gosta mesmo é de vasculhar antigos cadernos de receitas que podem dar pistas sobre aquelas que estão a desaparecer das mesas italianas.
E, assim, tentar trazê-las de volta, em versões mais modernas, mas sempre com respeito às tradições, ele frisa. Há um verbo para isso em italiano: "spolverare", que significa literalmente remover o pó. É o que ele busca na sua cozinha.
Uma dessas receitas é a sopa coada, do Vêneto, uma espécie de terrine feita com pão e perdiz que quase desapareceu. Ou então a cassoeula, um cozido de partes de porco (incluindo a pele) típico da Lombardia.
Mas as conversas com historiadores e as nonnas o ajudaram a trazer de volta hábitos ainda mais antigos, como o de comer entranhas e todas as partes do animal.
Do passado pobre da Itália, com duas guerras e muitas outras dificuldades pelo caminho, surgiu o que se convencionou chamar de cucina povera (ou cozinha pobre), em que todo ingrediente era ouro.
Quando conseguiam acesso a um animal para comer, por exemplo, era preciso devorá-lo todo, das orelhas ao rabo, dos rins aos pulmões. E até a vagina.
Sim, Rossi descobriu através de um professor de História que havia uma receita feita com as genitais bovinas que era herança de uma cozinha etrusca que se estabeleceu na Itália. Ficou instigado em reproduzi-la de qualquer maneira.
Visitou um por um dos maccelaio que conhecia em Milão para conseguir a parte do animal. Só teve sorte depois de percorrer quase uma dezena deles e convencer um amigo açougueiro a vendê-la.
Nem ele sabia que era possível cozinhá-la. Estudamos um pouco a anatomia e conseguimos o corte, que preparei na cozinha do restaurante alla parmigiana [coberta com queijo]", diz.
Meses depois, em um mercado em Florença, visitou uma barraca de tripas e encontrou o mesmíssimo corte a venda. "Foi quando percebi que a receita tinha mesmo uma tradição, que estava se perdendo", conta.
Embora seu trabalho esteja ajudando a revelar antigos hábitos alimentares dos italianos, Rossi diz que sua busca parte, principalmente, por uma curiosidade muito pessoal.
"Eu adoro conversar com os senhores e ouvi-los falar de receitas que comiam e que já não encontram mais. A forma que eles contam sobre esses pratos como verdadeiros troféus sempre me motiva a reproduzi-los pelo simples fato de querer prová-los", admite.
As receitas vêm de livros e cadernos familiares. "Elas não estão na internet", afirma. Quando fica feliz com o resultado, decide que é hora de incluir no menu e dar a chance das pessoas as conhecerem também, já que muitas delas nunca saíram das casas.
Por isso, seu menu — que, por incrível que pareça, também traz receitas muito delicadas feitas à base de vegetais — é uma ode ao aproveitamento total dos animais. "Busco usar os produtos por inteiro", garante.
Os rins de vitela bem rosados cobertos com um molho leve feito com a carne do animal, a tripa de vaca frita como um torresmo sequinho (que deu nome ao espaço) ou as orelhas de porco crocantes se tornaram hits do cardápio.
Aliás, desde que o Trippa foi aberto em 2015, passou a ser considerado um dos melhores restaurantes de Milão nos guias da cidade.
Próximo da Porta Romana de Milão, Rossi conseguiu unir técnicas de alta cozinha com o ambiente das trattorias mais familiares (o restaurante é coberto de madeira) e servir receitas históricas com certo ar de modernismo.
"Desde o começo, trabalhar com ingredientes menos convencionais me parecia mais desafiador. E também uma forma de ter produtos mais acessíveis", diz. "Acho que vem daí o interesse dos clientes", conclui.
Mas também da curiosidade de provar novas receitas, uma entranha de cada vez.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.