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Rafael Tonon

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Todo mundo ama o Tony: por que ainda seguimos obcecados por Bourdain

Fãs deixam flores e homenagens em frente à Brasserie Les Halles, onde Bourdain trabalhou - Drew Angerer/Getty Images
Fãs deixam flores e homenagens em frente à Brasserie Les Halles, onde Bourdain trabalhou Imagem: Drew Angerer/Getty Images

Colunista de Nossa

15/03/2023 04h00

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Cinco anos depois do anúncio de seu suicídio em um hotel na França aos 61 anos, Anthony Bourdain segue como um dos nomes mais influentes da gastronomia mundial.

O chef que se tornou escritor, virou apresentador reconhecido e depois se transformou em uma celebridade global, segue relevante mesmo quando ainda não tem mais nada a dizer.

Isso porque sua visão de mundo, seus ensinamentos sobre viagens e gastronomia e a forma que moldou de se comunicar continuam a ser propagados em obras póstumas que seguem alimentando sua aura até hoje.

Nos últimos anos, pelo menos uma dezena de filmes e livros foram lançados no mercado para falar de Bourdain. Alguns por pessoas próximas a ele, como sua ex-assistente, Laurie Woolever.

Outros por nomes famosos, como o do vencedor do Oscar Morgan Neville, que dirigiu um documentário sobre sua fama, ou até de pessoas interessadas em pegar carona na sua acachapante fama.

Cena da série "Anthony Bourdain: Sem Reservas" (Netflix)  - Divulgação - Divulgação
Cena da série "Anthony Bourdain: Sem Reservas" (Netflix)
Imagem: Divulgação

Do primeiro grupo, acaba de chegar às livrarias brasileiras "Em Maus Lençóis: Mundo Afora e Nos Bastidores com Anthony Bourdain", em que o ex-produtor Tom Vitale reúne relatos das viagens que fez com o chef-apresentador para o seu famoso programa na CNN, "Parts Unknown".

Com base em filmagens de programas, transcrições, cadernos de anotações, itinerários de viagens, e-mails e até velhos recibos, Vidale se interessa em revelar a personalidade íntima de Bourdain, de suas relações conturbadas ao constante conflito com a fama.

Do segundo grupo, está a controversa biografia não autorizada do escritor Charles Leerhsen, "Down and Out in Paradise: The Life of Anthony Bourdain" (ainda sem previsão de chegar ao Brasil).

O livro criticado por pessoas próximas a ele traz detalhes novos e privados sobre sua vida, incluindo textos crus e angustiados dos dias anteriores à morte do apresentador.

O biógrafo traz à tona mensagens particulares enviadas por ele, em que o chef confessa coisas como: "Eu também odeio meus fãs. Eu odeio ser famoso. Odeio meu trabalho", como escreveu à sua ex-mulher Ottavia Busia-Bourdain, com quem esteve casado por 11 anos.

Chef senta à mesa

O chef, escritor e apresentador Anthony Bourdain (1956-2018) - Divulgação CNN - Divulgação CNN
O chef, escritor e apresentador Anthony Bourdain (1956-2018)
Imagem: Divulgação CNN

São duas faces de um interesse que não cessa ou sequer diminui sobre uma personalidade complexa — e querida — no mundo gastronômico.

Primeiro porque Bourdain conquistou — ainda que tardiamente, aos 43 anos — a fama de uma vida que toda gente adoraria ter.

Rico, famoso e admirado por todos, viajava o mundo para comer. Cada dia um país, um novo hotel. Seus programas eram (e ainda são) assistidos por milhares de pessoas arrebatadas por suas histórias: acima de tudo, Bourdain foi um excelente contador delas.

Nas 11 temporadas de seu programa de maior sucesso ("Parts Unknown"), ele levou os espectadores para os cantos mais distantes do mundo, enfocando não apenas a melhor comida de cada região, mas também questões políticas e sociais de lugares como Acra ou Jerusalém.

É bom saber de quem estamos falando quando falamos de lugares com problemas realmente complexos", disse Bourdain em uma entrevista.

Ele gostava de ouvir as "pessoas reais", que lhe davam o senso de realidade do qual sua fama aos poucos o distanciou.

Isso ajudou, nas telas, a aproximá-lo de seu público. Não era um chef vítima do celebritismo: sentava em cadeiras de plástico, comia com as pessoas nas ruas, tinha um interesse genuíno em espaços populares.

Misturava a coloquialidade com erudição (com uma visão filosófica do mundo) e muito carisma, a fórmula que o tornou mundialmente respeitado e querido. Não havia um chef ou cozinheiro entrevistado por ele que não se rendesse ao seu charme de entrevistador.

Até mesmo Barack Obama, o ex-presidente americano, foi personagem de um dos programas de Bourdain: no Vietnã, dividiram uma refeição em um restaurante casual em Ngô Thì (a mesa onde se sentaram tornou-se uma espécie de peça de museu, protegida por uma estrutura transparente para atrair visitantes).

Vida nua e crua

Mas longe das telas e das redes sociais (era muito ativo no Twitter), sua vida pessoal também suscita interesse e grande curiosidade: um lado sombrio — de depressão e drogas — de uma trajetória invejável.

"A singularidade de sua celebridade e a rapidez de sua morte alimentaram uma dor incomumente intensa e duradoura", publicou a revista "The New Yorker". E ainda um interesse mórbido por sua intimidade.

Uma curiosidade um pouco perturbadora que relaciona uma vida tida como bem-sucedida a uma trajetória pessoal de certo fracasso em relacionamentos (como a conturbada relação com a atriz Asia Argento), em ter sido usuário frequente de drogas.

Asia Argento e Anthony Bourdain namoraram de 2017 a 2018, quando o cozinheiro cometeu suicídio - Reprodução/Instagram - Reprodução/Instagram
Asia Argento e Anthony Bourdain namoraram de 2017 a 2018, quando o cozinheiro cometeu suicídio
Imagem: Reprodução/Instagram

Em menos de 20 anos de sucesso, ele foi uma espécie de cometa cuja queda trágica e fatal foi reflexo de uma ascensão repentina. Antes de se tornar cozinheiro, Bourdain começou em restaurantes lavando louça.

Foi um artigo que publicou na "The New Yorker" — e que depois se transformou em seu mais importante e famoso livro, "Cozinha Confidencial" — que o catapultou à fama.

Foi o artigo sobre cozinha mais falado da história da revista, justamente porque expunha — com humor e certa crueza — os bastidores dos restaurantes que os clientes nunca poderiam imaginar.

Uma atitude de certa forma rebelde coroada por um olhar apaixonado e generoso pela comida e as pessoas por trás dela mantém seu influente legado até hoje.

"Seu amor por grandes aventuras, novos amigos, boa comida e bebida e as notáveis histórias do mundo fizeram dele um contador de histórias único" dizia o comunicado publicado pela CNN quando de sua morte. "Seus talentos nunca deixaram de nos surpreender".

As obras que continuam a ser publicadas abordando sua carreira e (principalmente) sua vida pessoal são prova de que tão pouco deixarão de causar surpresas por algum tempo.