Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Cardápio em QR code: se (quase) todo mundo odeia, por que eles continuam?
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O primeiro confinamento passou, o segundo confinamento passou, a pandemia passou, mas o menu em QR code continua.
Trata-se de uma das piores pedras no sapato que ainda temos que enfrentar como sequela de tempos nada saudosos.
Passados mais de três anos do início da pandemia, continua sendo necessário usar o celular para escanear aquele quadradinho e definir o que vamos, enfim, pedir.
Ok, no princípio parecia fazer sentido: lavávamos até sacos de plástico de batatas chips ao voltar do supermercado; quem é que iria querer colocar as mãos em um menu que passou por tantas outras?
Assim, a solução era que cada um pudesse ter o cardápio ao alcance de seus próprios dedos sanitizados com muito álcool gel. Mas agora, depois do fim dos picos de doenças e da comprovação que o vírus da covid-19 quase não se transmitia por superfícies, eles continuam entre nós, sem previsão de quando irão nos deixar.
Incêndio nos jornais e nas redes
Na imprensa e nas redes sociais, há um movimento crescente que pede o fim dos códigos de barras estilizados que tomaram restaurantes pelo mundo todo. Um recente artigo publicado no "The Washington Post" rechaçava logo no título: "Os menus QR code são a morte da civilização".
Em outros jornais do mundo, o apelo continua. Há menos de um mês, o "Times of India" publicou uma reportagem com uma pesquisa que prova que os indianos só querem os menus físicos de volta.
O periódico levantou a crítica de que, em um país ainda tão desigual, o acesso à internet exigido aos clientes para acessar o menu é muito pobre e instável em muitas partes do país.
Por outras partes do planeta, os títulos não são menos duros: "Por que os menus QR code precisam morrer" a "Os menus QR code são a pior ideia do setor de restaurantes".
Nas redes sociais, comuns amplificadores de comportamentos, as críticas seguem — às vezes com um pouco mais de humor. "Eu prefiro um cardápio sendo ditado num microfone estourado do que o formato QR code", postou um perfil do Twitter.
O fato de sempre dar pau (a conexão nos estabelecimentos nem sempre é boa, e o Wi-Fi pode custar a conectar), de não ser propriamente inclusivo e ainda gerar uma quebra na interação entre as pessoas e o restaurante são muitas das críticas feitas. A plataforma "The Summer Hunter" enumerou uma série delas há uma semana.
Economia em pixels
Mas a questão é entender por que, apesar de toda a repercussão negativa que os quadradinhos pixelizados ainda causam, os restaurantes ainda insistem em manter o formato.
Fato é que a tecnologia veio para dominar o setor — antes da pandemia, ela já dava alguns sinais de onipresença. Agora, há tablets e aplicativos criados para fazer pedidos e diminuir a interação com pessoas.
Isso porque um dos maiores desafios dos restaurantes tem sido justamente a contratação de pessoas: de um lado, cada vez menos trabalhadores estão dispostos a ficar na área (jornadas exaustivas, salários baixos comparados a outros empregos, enorme pressão).
Por outro, com os preços de alimentos e insumos aumentando em proporções galopantes, é preciso reduzir custos. Algo em que a tecnologia parece promissora — ainda que cobre algumas coisas que nem sempre os clientes estão interessados, como essa impessoalidade do serviço.
Mais do que um menu, os QR codes podem oferecer todo um sistema de pedido que diminui etapas — e necessidade de funcionários.
Os quadrados impressos em uma adesivo sobre os tampos das mesas são apenas a ponta de um iceberg de um serviço que deve se tornar, sim, cada vez mais híbrido, porque mais e mais virtual.
Mais do que o que a escritora Jaya Saxena chamou no "Eater" de "teatro sanitário da pandemia", ela escreve que "os operadores perceberam que o menu QR é muito conveniente para seus negócios".
Admirável cardápio novo
E está na hora dele ser explorado totalmente para mostrar o potencial do que pode ser feito com a tecnologia nos restaurantes. Entre alguns dos aspectos positivos para os empresários, está a possibilidade de atualizar o menu na falta de algum prato ou avisar o cliente imediatamente sobre alguma informação (com um pop up) sem ter que imprimir tudo de novo.
Ainda há a possibilidade de criar preços variáveis mediante os horários: em alguns restaurantes, os preços dos pratos mudam no decorrer do dia, podendo ficar mais caros também aos finais de semana — como no caso de hotéis ou passagens.
Outros negócios já estão testando modelos de financiamento pessoal por meio das próprias plataformas, que permitiria um "empréstimo" aprovado em segundos para ir a um restaurante.
O formato Eat Now, Pay Later, já existe em países como os Estados Unidos e possibilita que os utilizadores paguem a conta quando tiverem dinheiro no futuro.
Para além dos QR codes, a interação digital com bares e restaurantes só deve crescer. Fazer reservas, gerenciar a fila, escolher os pratos, pedir a conta e pagar: tudo tende ser feito por telas, sem relações humanas.
Até porque acredita-se que com perfis criados, os empreendimentos podem ter mais informações de seus clientes (restrições alimentares, alergias, o que comeram nas últimas vezes), deixando a experiência mais pessoal e personalizada, tirando melhor proveito de algoritmos e de interfaces até então impensadas.
O código QR pode permitir que se saiba quem é cada um dos clientes (e todas as suas informações pessoais) quando ele se senta para comer: por exemplo, um frequentador que tenha alergia a glúten, por exemplo, pode abrir um menu em que as opções já sejam enumeradas levando isso em conta, onde pizzas e pães de farinha não aparecem.
Melhorar ou morrer
O problema tem sido convencer o cliente a fazer parte do trabalho que era da equipe de serviço e se habituar ao "faça você mesmo" — desde sentar e ter a iniciativa de "abrir" o cardápio até pedir a conta.
Isso porque parte da magia dos restaurantes está justamente na hospitalidade, ou seja, em pessoas atendendo pessoas: a essência de sair para comer — para muitos — está justamente nisso.
Claro que as tecnologias têm a capacidade de criar conexões melhores, mas também representam algum tipo de alienação: todo mundo com os celulares na mão por ainda mais tempo.
Por parte dos desenvolvedores e empresários, há muitas razões para querer que os QR codes se mantenham. A ver se o descontentamento explícito dos clientes vai fazer com que eles mudem de opinião — e os cardápios digitais sejam só uma promessa que flopou junto com as paleterias e outros modismos passageiros.
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