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Rafael Tonon

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

'Os melhores restaurantes do mundo': afinal, quem precisa de tantas listas?

Para que servem tantas listas e rankings de restaurantes e bares pelo mundo? - Getty Images
Para que servem tantas listas e rankings de restaurantes e bares pelo mundo?
Imagem: Getty Images

Colunista de Nossa

10/05/2023 04h00

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Os 50 melhores restaurantes da América Latina, os 101 bares mais imperdíveis do mundo, os 100 melhores chefs de todo o planeta: na gastronomia, vivemos em um mundo (cada vez mais) dominado por rankings.

Claro, fazer listas tem um quê de divertido — e as redes sociais estão cheias delas para nos tirar umas boas risadas ou até nos fazer conhecer lugares que não conhecemos.

Mas o problema é quando a coisa fica séria; e o que era para ser um passatempo se torna uma competição, uma busca incessante em classificar projetos distintos a partir de uma listagem sempre subjetiva.

Porque não tem jeito: toda lista é arbitrária. E classificar restaurantes, bares ou chefs a partir de uma enumeração é uma construção vaga para incentivar as pessoas a buscar apenas o topo do ranking — para depois registrar tudo em uma selfie em um post. O que nos tira justamente a beleza do caminho, do descobrimento.

"Quanto mais a mídia gastronômica satura o mercado com essas listas frívolas de melhores restaurantes, mais me pergunto: por que somos tão obcecados em classificar restaurantes?", se perguntou o jornalista Adam Reiner em um texto publicado no site Restaurant Manifesto.

Ele trazia luz sobre uma lista — mais uma! — compilada pelo crítico de restaurantes do "The New York Times", Pete Wells, que selecionou uma centena de restaurantes que moldaram a cena da maior cidade americana.

Mas não se tratava apenas de uma seleção, mas sim de outro ranking: de 1 a 100, as melhores escolhas de Wells, que, em uma entrevista, disse que teve que convencer seus editores a publicar o compilado, sempre capaz de levantar controvérsias.

Os rankings de avaliação de restaurantes são mesmo justos? - Getty Images/iStockphoto - Getty Images/iStockphoto
Os rankings de avaliação de restaurantes são mesmo justos?
Imagem: Getty Images/iStockphoto

Lista pra quê?

Para um jornal, isso é bom. Listas geram engajamento, cliques, acessos, críticas, elogios. As pessoas são obcecadas por elas, querem compartilhar, concordar, refutar: interagir, enfim. Faz sentido que elas existam.

Elas também podem ser vistas como uma porta de entrada para quem não é do mercado entender mais sobre ele: quais são os restaurantes (e bares, cafeterias, etc) que estão fazendo um trabalho realmente notável.

Quais são os que valem a pena ter em mente, quem está realmente criando coisas realmente inovadoras. Uma lista, em suma, também é sempre uma fotografia de um momento para entender o contexto.

A do NY Times, por exemplo, "inclui muitas facetas da cena gastronômica multicultural da cidade de Nova York que foram ignoradas no passado", como aponta Reiner.

Os rankings podem ser um bom termômetro de um cenário. Dos esportes à indústria do entretenimento, dos maiores empresários do mundo às artes, eles fazem parte da nossa sociedade.

Rankings são uma fotografia do momento dos restaurantes - Getty Images - Getty Images
Rankings são uma fotografia do momento dos restaurantes
Imagem: Getty Images

Rinha de restaurantes

Mas na gastronomia, no entanto, têm se tornado demasiados: antes eram as cotações (estrelas, etc), hoje todo mundo quer organizar os restaurantes do melhor ao bom — sem considerar, claro, os maus, que não valem a pena figurar nenhuma delas.

Mas também é preciso questionar a responsabilidade que existe por trás de criar tantas listas. E que tipo de mercado estamos fomentando com a ideia de competição, de rivalidade.

O próprio Pete Wells decidiu que era preciso acabar com a pontuação dos restaurantes (de 1 a 4 estrelas) durante a pandemia. Eram tempos difíceis para empresários e chefs, não tinha sentido avaliá-los com olhos (e paladar) tão críticos.

Foi uma decisão benevolente, mas também que prometia avaliar o trabalho de distintos conceitos pelo que eles são — sem compará-los a outros nas mesmas categorias. Isso também ajudava com que os leitores pudessem formar suas próprias opiniões, sem se fiar tanto pela do crítico.

Mas o período de misericórdia durou pouco, as avaliações voltaram e agora o "NYTimes" tem também um ranking.

Assim como outros jornais pelo mundo, como muitos outros prêmios que surgem todos os anos na tentativa de conquistar seguidores pelo mais fácil: "esse é o melhor dos melhores, é ali que é preciso comer".

Listas de melhores promove rivalidade e tensão entre funcionários dos restaurantes - Getty Images/iStockphoto - Getty Images/iStockphoto
Listas de melhores promove rivalidade e tensão entre funcionários dos restaurantes
Imagem: Getty Images/iStockphoto

Injustiça e tensão

Do ponto de vista dos bastidores, isso gera também uma pressão e uma ansiedade para os profissionais da área que querem estar no pódio para aplacar seus egos e conquistar clientes, claro.

Mais uma pressão, aliás, em um segmento que é movido por ela: as exigências de qualidade, de atender bem os clientes, de gerir negócios cada vez menos lucrativos. A isso tudo, agora também precisam se preocupar com estar bem nas listas: desenvolver "narrativas", se diferenciar, fazer lobbies.

Os que perdem a onda midiática dos prêmios e rankings (e ficam para trás na corrida dos "the best of") podem amargar um declínio econômico, perder investidores e não estar mais na prioridade dos comensais. É uma perda injusta.

Restaurantes com mais capacidade para investir em agências de comunicação e profissionais de marketing têm mais chances que os que não dispõem de maiores reservas. É um tipo de doping injusto do dinheiro.

Chama da cozinha - Getty Images/iStockphoto - Getty Images/iStockphoto
Imagem: Getty Images/iStockphoto

Diferente dos esportes, em que as métricas são matemáticas (tempo, gols, distância, etc), nos restaurantes não há padrões objetivos para dizer que A é melhor que B: quem decide é uma pessoa ou um grupo delas, o que torna a natureza da competição menos fundamentada — e, portanto, respeitável.

Também há um conflito geopolítico por detrás desta realidade sempre enumerada: países com cozinhas mais famosas tendem a ter mais espaço que outras nações mais pobres ou com pouca representatividade.

É um mundo injusto esse em que vivemos na gastronomia, mas os rankings acabam por torná-lo ainda um pouco mais: 1) despótico; 2) arbitrário; 3) parcial. Um "top 3 razões" para não levá-los tão a sério.