Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Acalmem-se, chefs! A inteligência artificial (ainda) não sabe cozinhar
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Era uma questão de tempo: enfim, a inteligência artificial entrou com os dois pés na cozinha.
Porque um já estava lá há muito. Depois de vencer o Jeopardy, o mais importante programa de perguntas e respostas dos Estados Unidos, o Watson, o supercomputador inteligente criado pela IBM, lançou um livro de receitas em 2013.
Sim, "Cozinha Cognitiva com o Chef Watson: Receitas para Inovação da IBM e do Instituto de Educação Culinária", trazia criações culinárias do inovador sistema de inteligência cognitiva.
Foi a primeira publicação do tipo no mundo exclusivamente desenvolvida por um computador. Anos depois, Watson fez uma parceria com a "Bon Appetit" para desenvolver novas criações a partir do banco de dados de mais de 10 mil receitas da revista americana.
Da parceria, saíram receitas como uma bruschetta turca, com berinjela queimada e cominho, claro, mas também com cenoura, manjericão e parmesão. Ou um burrito austríaco feito com chocolate, que ainda contava com queijo, damasco e edamame.
Robô-chef
Agora, a inteligência artificial entra em nova fase na gastronomia com o ChefGPT: a versão mestre-cuca do chat que ficou famoso por permitir interagir diretamente com um robô para obter respostas e ajudas sobre (quase) tudo.
Para as receitas, os criadores do novo sistema inteligente explicam que quiseram criar um "um aplicativo da web que aproveita o ChatGPT para fornecer receitas com base nos ingredientes que o usuário tem à sua disposição".
Uma forma de combinar sabores a partir de ingredientes criando combinações infindáveis que são estabelecidas pelo computador: ou seja, tudo o que você tem na geladeira, pensado de uma forma mais nerd e gourmet.
É uma inovação e tanto a partir do uso de IA (Inteligência Artificial) para a cozinha, mais um campo para uma ferramenta polêmica, cujas discussões giram em torno de questões de plágio e desinformação à medida que as principais empresas de tecnologia do mundo correm para tornar os recursos inteligentes mais amplamente disponíveis.
Principalmente quando se fala de receitas, que no Brasil (e em muitos países) não têm nenhum tipo de propriedade intelectual atualmente reconhecida pela Justiça, apesar de haver discussões legais e iniciativas do setor para proteger e registrar receitas.
Não é algo totalmente novo — o site "There's an AI for That" selecionou mais de 20 plataformas que também fazem podem ajudar a criar receitas —, mas realmente à medida que os computadores aprendem durante o processo, o céu é o limite.
Experiências agridoces
O chef americano Donald Mullikin, do food truck Bunboy, em Austin (Texas), decidiu testar as novas tecnologias para ver como poderiam ajudar seu negócio: pelo próprio ChatGPT, ele pediu uma descrição sobre seu negócio e algumas ideias de receitas.
A forma que a tecnologia falou de seu negócio (elogiando a equipe com seus "sorrisos acolhedores e hospitalidade natural") o agradou muito. Já as receitas, nem tanto.
Ele queria criar um trio de espetinhos de frango (yakitori) combinados com três tipos de molho — bacon, yuzu e miso com mostarda Dijon. Depois de muitas "conversas", a IA deu algumas boas pistas, mas no final todos os molhos ficaram sem sal com as proporções geradas pela máquina.
Mesmo assim, depois de ajustar os temperos, ele incluiu as criações conjuntas no menu, que se esgotaram logo. Muitos outros chefs estão aproveitando a onda para testar a tecnologia — e fazer algum marketing com ela.
Curioso, mas nada certeiro
Os especialistas acreditam que a IA pode ser um grande reforço nas cozinhas justamente porque os computadores não têm nenhum preconceito ou restrição quanto a alimentos ou misturas de sabores.
Chefs possuem seus ingredientes favoritos e outros que raramente usam — no caso de Mullikin, um molho de pimenta da marca Lao Gan Ma. As máquinas não: elas não criam raízes culturais, o que pode tornar suas criações mais livres e abertas.
Existem inúmeras misturas possíveis de ingredientes que um ser humano jamais seria capaz de imaginar: as IA criam milhões de combinações de sabores que seriam impensáveis — legumes em doces, queijos com peixes, café com melão.
Ou ainda criar receitas típicas de alguns países com ingredientes que, por questões religiosas e culturais, seriam proibidos: como o uso de carne de vaca em curries indianos, porco em receitas de origem muçulmana.
Isso na teoria: na prática, as receitas têm corrido mal. Em uma amostragem maior, o "World of Vegan", um site de bem-estar focado na vida vegana, pediu pro ChatGPT criar uma centena de receitas que foram testadas depois pelos chefs da plataforma.
Os resultados foram "hilários e lamentáveis", segundo a equipe do site, que defende que nenhuma das receitas funcionou 100%.
Ponto pra máquina (mas não em receitas)
Mas parece haver alguma esperança: em entrevista ao "Eater", o chef Donald Mullikin diz que o melhor uso do chatbot de IA foi para ajudá-lo a calcular os custos e despesas de alimentos.
Com a ajuda da tecnologia, ele conseguiu chegar a resultados muito interessantes sobre "custo total dos ingredientes, o peso de uma porção, quantos espera vender semanalmente e levar em consideração coisas como despesas gerais e custos operacionais", como diz.
O ChatGPT o ajudou, por exemplo, a definir os preços do cardápio para garantir uma margem mais substancial de lucros, e até ajudar no gerenciamento do restaurante: de compras a horas de folga. Para receitas, ele diz que não deve voltar a usar a plataforma.
Apregoada como a nova fronteira do conhecimento, a IA ainda não conseguiu surpreender muito na cozinha até agora, mas talvez possa ser útil a empresários e chefs de outras formas.
O ChefGPT e seus congêneres podem nos ajudar a sermos todos melhores cozinheiros (em casa ou nos restaurantes) à medida que aprendemos com eles sobre medidas, proporções, custos. Mas na hora de cozinhar, ainda vale mais o caderno de receitas da sua mãe.
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