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Rafael Tonon

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Do 50 Best ao Michelin: o que os restaurantes fazem para conquistar prêmios

Os premiados do World"s 50 Best Restaurants 2022 - Divulgação
Os premiados do World's 50 Best Restaurants 2022 Imagem: Divulgação

Colunista de Nossa

20/06/2023 08h33

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Estrelas, sóis, distinções, rankings, listas criadas por algoritmos: o mundo da gastronomia de repente ficou repleto de premiações e eventos.

A cada ano, novas listas e honrarias surgem para tentar girar ainda mais forte as engrenagens de um segmento que não para de crescer. Tem sido difícil acompanhar tantas novidades.

A geopolítica da gastronomia mundial se transformou a partir de eventos criados por empresas particulares e de representantes do setor para reconhecer os melhores de cada ano: restaurantes, chefs, bares, etc.

Mais premiações

À medida que o próprio universo gastronômico evoluiu e se profissionalizou, era natural que mais premiações surgissem. O mundo do cinema está repleto delas (Oscar, Globo de Ouro, Cannes, etc), o da música também (Grammy, Billboard, etc).

Na última década, a gastronomia também mudou muito, ganhando mais representatividade na sociedade: está nos canais de streaming, nas capas de revista, nas discussões nas ruas, nos filmes, nos programas de TV.

Neste contexto, novas premiações surgiram e nunca foram tão decisivas para definir onde (e como) saímos para comer fora: "é o melhor restaurante do Brasil". "Ele ganhou como melhor chef do mundo, temos que ir lá". Em um mundo de tantas informações, elas ajudam (e influenciam) muito o consumidor na hora de definir onde comer.

Michelin

O cheef Alexandre Couillon celebra a terceira estrela Michelin  - PATRICK HERTZOG/AFP - PATRICK HERTZOG/AFP
O cheef Alexandre Couillon celebra a terceira estrela Michelin
Imagem: PATRICK HERTZOG/AFP

Por anos, entre os restaurantes, o panorama era quase dominado exclusivamente pelo Michelin, um guia que surgiu na França com o objetivo de fazer as pessoas viajarem mais pelo país — e investirem em pneus novos para isso, claro.

De lá pra cá, ele evoluiu para uma prestigiosa marca que influencia ainda hoje (a partir de uma cotação entre uma e três estrelas) quais os restaurantes valem a visita — ou até, quem sabe, o desvio.

Isso da França aos EUA, do Japão ao Brasil — o único país da América do Sul no guia cuja edição, pausada depois da pandemia, deve voltar nos próximos anos, expandindo a atuação do guia por toda a América Latina, promete a empresa.

Comilões anônimos

O moderno sistema de estrelas do guia foi lançado em 1936, e até hoje é seguido por inspetores anônimos remunerados e cujas refeições são pagas pela Michelin e que precisam preencher relatórios após as refeições para saber quais restaurantes sobem ou descem no firmamento da alta cozinha.

Majoritariamente a cobertura mais significativa da Michelin é reservada para a Europa Ocidental e Ásia. França e Japão são os países com maior número de restaurantes com a cotação máxima (3 estrelas) — mais de duas dezenas cada.

Porém, novos países ganham suas versões locais do guia, mais recentemente com Letônia, Emirados Árabes Unidos, Eslovênia e Turquia para mostrar que a Michelin está atenta ao que está acontecendo na gastronomia mundial.

Também porque se tornou um modelo financeiro interessante para a empresa, já que, ao entrar em um país, costumam receber incentivos financeiros dos governos interessados em atrair mais e mais turismo gastronômico, que não para de crescer.

50 Best

50 Best América Latina 2022 - Divulgação - Divulgação
50 Best América Latina 2022
Imagem: Divulgação

Poucas premiações, entretanto, carregam tanta representatividade — e polêmica — quanto a dos 50 Best. Surgido em 2002, o guia então publicado timidamente pela revista Restaurant deu ao espanhol El Bulli o inédito prêmio de "o melhor restaurante do mundo".

Nos anos que seguiram, a lista ganhou representatividade, passou para o controle de outra empresa (William Reed Media) e colocou diferentes restaurantes de todo o mundo (dos EUA à Dinamarca) no pódio

Hoje, mais de 20 anos depois, se tornou talvez o mais eminente prêmio da gastronomia mundial, com a premiação mais seguida e comentada, com direitos a apostas e análises em veículos internacionais de imprensa.

Voto independente

Um painel de cerca de 1.040 juízes é composto quase igualmente por jornalistas, chefs e gourmands bem viajados de todo o mundo.

As regras: eles devem permanecer anônimos (sem contar que votam), não podem votar em restaurantes nos quais tenham participação financeira e devem ter comido nos restaurantes para os quais votaram dentro dos últimos 18 meses.

Os votos desses jurados exclusivos resultam, então, na lista com os 50 melhores, que ultimamente passou a ser oficialmente 100, já que a empresa por trás do 50 Best resolveu tornar pública também a lista de "consolo" com os ganhadores entre 51-100.

Assim como no Michelin, os vencedores são, em grande parte, uma coleção de restaurantes com menus-degustação sofisticados. Desde 2002 , os primeiros lugares, pelo menos, seguem esse perfil — ainda que seja preciso dizer que há, entre os 50, restaurantes mais casuais, o que diferencia os 50 Best de outros concorrentes.

Outros concorrentes

Mas entre ranking e estrelas, há pelo menos uma outra dezena de premiações internacionais que estão brigando pelo mercado hoje.

De guias (como o tradicional Gault Millau, um concorrente direto do Michelin) a listas, como francesa La Liste, gerada por algoritmos, e a OAD, que diz ser a única que inclui o fator "experiência" na sua avaliação, reunindo mais de 200 mil resenhas online.

Uma das mais recentes é a The Best Chef, que este ano chega na sua sexta edição e que, em pouco tempo, se converteu em uma referência. Ao invés de apostar nos restaurantes, como todas as outras, a premiação foca na figura pública dos cozinheiros, cada vez mais "celebritizados".

Foco no chef

Os criadores da lista (um foodie italiano e uma cientista polonesa) querem ressaltar a criatividade e papel dos cozinheiros na sociedade de hoje, já que "por muitos anos, os chefs estiveram escondidos na cozinha", como diz o site da premiação.

A premiação elege os 100 melhores chefs (em ordem numeral, de ranking) do mundo a partir de uma lista prévia com 200 concorrentes, votados por chefs e especialistas espalhados por todo o globo.

Todas as últimas edições foram vencidas por chefs europeus, o que mostra ainda o perfil eurocêntrico da maioria da maioria dessas premiações. Em 20 anos, o 50 Best também premiou apenas um restaurante nos EUA: todos os outros estão na Europa.

Com redes sociais que passam dois milhões de seguidores, por exemplo, o The Best Chefs é uma prova de como é possível aproveitar o poder de exposição da internet (e dos chefs) para se catapultar no mercado.

Briga por popularidade

O serviço oferecido pelo time de salão dos restaurantes será celebrado pelo novo prêmio Michelin - Dan Dalton/Getty Images/iStockphoto - Dan Dalton/Getty Images/iStockphoto
Imagem: Dan Dalton/Getty Images/iStockphoto

Na era dos perfis sociais, os prêmios se tornaram uma briga por popularidade: sobe mais (nos rankings e nas estrelas) geralmente quem se mostra mais. É algo que tem sido comprovado nos últimos anos.

Restaurantes mais visitados costumam, claro, atrair mais votos. Assim como chefs que desenvolvem projetos paralelos (iniciativas sociais, pesquisas de produtos, etc) que criam uma outra camada de valorização de seus nomes.

No caso dos restaurantes, para melhorar suas estratégias nas competições, muitos deles convidam jornalistas e influenciadores do mundo todo para visitarem seus projetos: pagam passagens, hospedagens e os gastos dos convidados: uma forma de mostrarem seus trabalhos e convencerem os jurados que merecem o voto.

Há outros chefs que saem por "turnês" mundiais, cozinhando em distintos países para que não se esqueçam de suas caras — e, claro, dos restaurantes que representam.

Estratégias agressivas

Tudo isso tem feito parte das estratégias agressivas para que os restaurantes e chefs possam subir mais e mais nas listas e nos rankings. Não apenas por uma questão de ego e status, mas por tudo o que estar numa boa posição representa.

Todos os chefs que já estiveram no número um da lista dos 50 Best relatam que o prêmio tem um papel decisivo para os negócios: no dia seguinte ao anúncio, ficam com as mesas lotadas por meses e meses, o telefone não para, os emails se acumulam.

No caso do Michelin, a estrela (ou as estrelas, nos melhores casos), fazem brilhar mais os cofres dos negócios: no mercado, diz-se que uma estrela é capaz de aumentar o faturamento em 40 a 50%, a depender do país e do restaurante.

Quanto um chef é eleito o melhor ou ganha algum primeiro relevante, sua imagem se torna mais valiosa no mercado publicitário — como acontece com jogadores de futebol ou atores em papéis na novela das nove.

Divulgação

Interior do Geranium, considerado o melhor restaurante do mundo pelo 50 Best - Claes Bech-Poulsen - Claes Bech-Poulsen
Interior do Geranium, considerado o melhor restaurante do mundo pelo 50 Best em 2022
Imagem: Claes Bech-Poulsen

Do ponto de vista do mercado, os prêmios são um motor de divulgação e de ajuda para o setor de restaurantes, que ainda sofrem para se recuperar da pandemia e das crises econômicas.

Há um componente importante do quanto essas premiações geram em termos de competições muitas vezes injustas, claro, já que nem todos os restaurantes possuem as mesmas armas e os mesmos lobbies para brigar pelos mesmos objetivos.

Mas para quem sai para comer, as listas e prêmios podem representar uma ajuda e tanto, à medida que geram maior atenção da mídia especializada e da imprensa em geral, o que dá a conhecer novos restaurantes e divulga conceitos que, sem eles, não chegariam a tantos consumidores.

Também ajudam a traduzir as tendências e movimentos da gastronomia a um público maior. As pessoas cada vez mais querem um aval sobre onde escolhem comer. E o reconhecimento de especialistas pode ser um excelente termômetro para isso, mesmo quando os fins nem sempre são suficientes para justificar os meios.