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Rafael Tonon

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Almoçar no Netflix, jantar na Gucci: por que marcas abrem restaurantes?

Netflix Bites, o restaurante pop-up da marca em Los Angeles - Reprodução
Netflix Bites, o restaurante pop-up da marca em Los Angeles Imagem: Reprodução

Colunista de Nossa

28/06/2023 04h00

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O cardápio foi criado por alguns dos melhores chefs do mundo — aqueles que levaram milhares de pessoas a passar horas e horas na frente da tela.

Os pratos já filmados em todos os ângulos e reprisados à exaustão na Netflix poderão ser finalmente provados — ainda que por um público restrito.

A plataforma de streaming internacional inaugura nesta sexta-feira (30) seu restaurante "da tela para a mesa", como foi anunciado.

Batizado de Netflix Bites, ele abre as portas em Los Angeles em versão pop-up e com receitas de cozinheiros aclamados de seus mais famosos programas, como "Chef's Table", "Iron Chef" e o popular "Mandou Bem".

Conquista pelo estômago

Não é a primeira vez que o canal investe na ideia de utilizar a popularidade de seus programas de comida para conquistar seus assinantes pelo estômago.

Tampouco é a única: cada vez mais, marcas internacionais veem na gastronomia uma forma de estreitar um relacionamento com seu público — já consagrado ou potencial.

Gucci Osteria - Divulgação - Divulgação
Gucci Osteria
Imagem: Divulgação

Na moda, a Gucci foi uma das mais representativas: em parceria com o famoso chef Massimo Bottura (convertido em celebridade com a ajuda da Netflix!), a grife italiana criou a Gucci Osteria, um modelo de restaurante com filiais de Florença a Tóquio, de LA a Seul.

A decoração dos espaços com madeira pintada em verde gritante e móveis vintage ajudam a dar o tom extravagante-chic da marca. Mas são os pratos que falam mais alto aqui.

No menu, tortellini artesanais recheados com Parmigiana-Reggiano e croque madames saem da cozinha desfilando sobre as bandejas dos garçons em pratos com estampas florais.

Gucci Osteria Tokyo - Reprodução/Gucci Osteria Tokyo - Reprodução/Gucci Osteria Tokyo
Gucci Osteria Tokyo
Imagem: Reprodução/Gucci Osteria Tokyo

Bottura é notavelmente um dos primeiros chefs famosos a encabeçar uma colaboração estratégica com uma marca de moda.

O cardápio reflete uma amostra acessível dos famosos pratos que só poderiam ser degustados a partir de uma lista de espera de seis meses para uma mesa em sua Osteria Francescana.

As receitas revelam uma estética quase artística, emulando valores importantes da Gucci e transmitindo o estilo da marca além do guarda-roupa.

Não à toa, outras marcas seguiram o caminho, com a também italiana Prada abrindo seu primeiro restaurante em Milão depois de ter um café dentro de sua mesma Fundação desenhada pelo cineasta cool Wes Anderson.

Prada Caffé, em Milão - Reprodução - Reprodução
Prada Caffé, em Milão
Imagem: Reprodução

A Ralph Lauren criou um conceito de café para algumas de suas lojas; a Louis Vuitton contratou um chef premiado para comandar as receitas na sua nova maison em Osaka e até a Disney passou a abrir cada vez mais espaços onde se pode degustar pratos saídos dos filmes da Marvel ou das sagas de Star Wars.

Essa aproximação das marcas com a gastronomia não é fortuita, claro. Os gênios de marketing que comandam essas empresas conhecem o poder engajador da comida.

Nas redes sociais ou nas rodas de conversa, falar de pratos e restaurantes se tornou assunto da moda na sociedade atual. Todo mundo quer comer e postar o que come. Reflexo dos tempos modernos e digitais em que vivemos.

A gastronomia também permite ampliar a experiência sensorial que se tem com as marcas: não só ver, mas degustar; não apenas vestir, mas também desfrutar.

Ela materializa em muitos sentidos (olfato, visão, paladar) a relação que se constrói em torno da mesa.

O chef catalão Ferran Adrià dizia que a gastronomia é um luxo acessível: poucos são os que podem comprar um terno da Gucci, mas eventualmente há mais gente disposta a gastar cerca de 50 euros para comer no restaurante da marca — e postar sobre isso.

Através da comida, chegam a novos nichos de clientes com os quais não conseguiam se relacionar antes — ou tornam mais palpáveis a experimentação que conseguem oferecer com aqueles que já usavam peças da marca.

Um dos restaurantes pop-up da Louis Vuitton pelo mundo - Reprodução - Reprodução
Um dos restaurantes pop-up da Louis Vuitton pelo mundo
Imagem: Reprodução

Mais abrangentes

Em vez de apenas estampar um nome em um restaurante, as estratégias parecem ser mais abrangentes, criando experiências mais significativas que envolvem comer, mas também socializar e gerar algum tipo de status social.

Os restaurantes ganharam uma representatividade importante na nossa sociedade como palcos da vida moderna: são dos poucos lugares em que o propósito prosaico de compra e venda parece ter um sentido maior: não somos clientes, mas sim nos sentimos como "convidados".

Tratam-se, afinal, de espaços onde buscamos ser tratados com honra e algum carinho, com atenção prestativa nesses refúgios modernos com boas doses de bem estar e afeto.

Coisas não tão fáceis de se conseguir no mundo de hoje, muito menos na frente da televisão ou no provador de uma loja.