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Rafael Tonon

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Fez reserva e não apareceu? Restaurantes cobram multa alta e vão à justiça

Muitos restaurantes estão cobrando pela reserva, e descontam no cartão de crédito de quem não aparece - Getty Images/iStockphoto
Muitos restaurantes estão cobrando pela reserva, e descontam no cartão de crédito de quem não aparece
Imagem: Getty Images/iStockphoto

Colunista do UOL

05/07/2023 04h00

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Email inválido

Uma família inglesa de 5 pessoas teve um problema de atraso com um trem para Londres, o que impediu que elas chegassem para a reserva das 19 horas que tinham feito no famoso restaurante Core, da chef Clare Smyth.

Cinco horas antes do jantar, a mãe ligou para avisar do imprevisto. Achou que estava tudo resolvido, até ser surpreendida dias depois com uma taxa total de 125 libras (760 reais) no cartão de crédito pelo não comparecimento.

Três amigos decidiram ir a San Sebastián, a idílica cidade no litoral do País Basco, e fizeram uma reserva no Amelia, com duas estrelas Michelin. Para garantir os três assentos, tiveram que efetuar um pré-pagamento no cartão de crédito de 510 euros (R$ 2.700)

Receberam o email e confirmaram a reserva. Mas no dia do jantar, se confundiram com as datas e não apareceram. O restaurante, então, efetuou a cobrança pré-estabelecida de 170 euros (R$ 890) por pessoa.

Os clientes reclamaram. O restaurante disse que não devolveria o dinheiro. Os clientes entraram na justiça, mas o restaurante ganhou a ação por provar que tinha deixado as regras de reserva claras.

Mesa de restaurante vazia com toalha quadriculada - Getty Images - Getty Images
Atitude piorou no pós-pandemia: muitos clientes reservam mesa em mais de um restaurante e dão cano em um deles
Imagem: Getty Images

Combate ao no-show

Cada vez mais, restaurantes de toda a Europa (e de outras partes do mundo) decidiram criar novas políticas para evitar o que, no jargão da gastronomia, é conhecido como "no-show" — quando o cliente não aparece para a reserva.

Em muitos estabelecimentos, principalmente nos menores, a prática se tornou um problemão: como quase nunca é possível substituir as mesas de última hora, muitos acabam por amargar um faturamento bem mais baixo por culpa dos "clientes furões".

Os cancelamentos de última hora e até mesmo o total desaparecimento dos clientes (que nem atendem ao telefone quando os atendentes ligam) fizeram os restaurantes agirem: muitos passaram a cobrar taxas que vão de 20% a 100% do valor do menu quando casos assim ocorrem.

Ação imediata

Empresários e cozinheiros alegam que era mesmo preciso adotar alguma medida mais restritiva: casos de não comparecimento se acirraram depois da pandemia, quando as pessoas — por restrições dos espaços — precisavam fazer reserva.

Muitos eram os clientes que, para terem mais opções, acabavam por reservar mais de um restaurante com antecedência e decidir em qual ir no dia — sem avisar os que foram preteridos.

Chefs de várias partes do mundo vieram às redes sociais — o novo palco da vida moderna — para reclamar e conscientizar os comensais. Jornais fizeram reportagens, muita gente partilhou hashtags a dizer #reservaeaparece.

Mas parece que as ações não foram suficientes, o que tem feito que os profissionais do setor busquem hoje mexer no bolso do cliente para não arcarem sozinhos com o prejuízo que a má prática lhes causa.

Imagem da campanha realizada por restaurantes em Portugal - Reprodução - Reprodução
Imagem da campanha realizada por restaurantes em Portugal
Imagem: Reprodução

Não reembolsável

Um restaurante em Mid Wales, no Reino Unido, por exemplo, passou a exigir um pré-pagamento de 375 libras por pessoa para o jantar, com vendas "finais e não reembolsáveis" — embora exista a possibilidade de reeagendamento.

Outros cobram metade do valor do menu, alguns uma taxa de desistência flexível: mais cara quanto mais tarde o cancelamento for feito.

Há até restaurantes que aconselham que os clientes façam um seguro de viagem para o caso de precisarem cancelar a reserva a curto prazo.

O setor de restaurantes tem tentado se aproximar de outros segmentos, como o de companhias aéreas, casas de espetáculos e hotéis: o cancelamento é cobrado de qualquer forma quando se desiste de um hotel ou não se aparece para pegar um voo.

A mudança digital

Já nos acostumamos com isso. Mas não para restaurantes, quando as reservas sempre foram feitas gratuitamente. Ligava-se, marcava-se a mesa e pronto. Com os processos digitalizados, entretanto, ficou ainda mais fácil reservar.

Por isso, talvez, os clientes nem sempre se "lembrem" de cancelar a mesa quando desistem de ir ou optam por outros planos. A internet deixa tudo menos pessoal — e menos passível de atribuição de culpas.

Do lado dos restaurantes, a digitalização os tem permitido cobrar de forma mais fácil também: o cliente só consegue a confirmação da mesa depois de preencher os números do cartão.

O fato é que os comensais não estão habituados a "pagar" pelas reservas, e isso gera um descontentamento e pode até afastar alguns possíveis clientes que ainda se sentem desconfortáveis com a medida: passar dados, a possibilidade de pagar.

Alguns ficam mesmo ofendidos — embora quase sempre sejam os mesmos que não se ofendem quando simplesmente decidem não aparecer para honrar a reserva que tinham feito.

Os prejuízos de uma restaurante com reservas não cumpridas gira em torno de 20% - Getty Images/Tetra images RF - Getty Images/Tetra images RF
Os prejuízos de uma restaurante com reservas não cumpridas gira em torno de 20%
Imagem: Getty Images/Tetra images RF

Equilíbrio dos dos lados

Ainda é um tema espinhoso, encontrar uma medida do restaurante não ficar com os prejuízos cada vez maiores das mesas que não chegam, mas também sem demonstrar tanta rigidez.

Apesar dos avisos nos sites, muitos restaurantes fazem questão de mostrar que são flexíveis e reembolsam as taxas se conseguirem clientes para aquela mesa.

Muitos também levam em consideração circunstâncias atenuantes, como greves de transporte, mau tempo ou doenças, abrindo exceções para a política de penalização.

Na maior parte das vezes, também é um problema de comunicação e transparência: as regras nem sempre estão tão claras nos sites, e os clientes nem sempre entendem (ou nem sempre querem entender) que terão que pagar.

Exigir garantias para manter uma mesa é uma forma de mitigar as consequências de não comparecimento em reservas de restaurantes e torná-los menos comuns. Algo que deve ser mais benéfico para todos: clientes, restaurantes.

Quando o cliente não aparece, cria um prejuízo enorme aos restaurantes — estimativas calculam 20% a menos nas entradas mensais só por conta disso.

É um caminho natural, portanto, que, com a profissionalização dos negócios e mais e diversas ferramentas digitais de reservas e de pagamentos, seus donos tenham mais controle sobre quem quer visitá-los.

Também sobre como exigir uma relação que seja saudável para os dois lados: a hospitalidade, aliás, depende disso, Alguém disposto a pagar para ser bem servido, alguém disposto a cobrar para bem servir.

Trata-se de um acordo tácito: se um dos dois lados falha, a relação toda é posta em risco. Quem reserva tem que aparecer. E quem aparece, tem que ser bem atendido e alimentado. É o preço a pagar.