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Rafael Tonon

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Com circo e até piscina de bolinha, a gastronomia nunca foi tão divertida

Recepção do evento gastronômico Calesita, em Buenos Aires - Reprodução
Recepção do evento gastronômico Calesita, em Buenos Aires Imagem: Reprodução

Colunista de Nossa

12/07/2023 04h00

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Na porta do restaurante em que um inflável gigante de um garoto com uma camiseta de panda dá boas vindas aos visitantes, um grupo de artistas com perucas coloridas, roupas vermelhas e muito brilho na cara dança de patins para animar os clientes.

De um ônibus vintage restaurado, desce um grupo de 16 pessoas que vão jantar ali: estamos no Niño Gordo, em Buenos Aires, para o Calesita, um evento que reúne chefs nacionais e internacionais para jantares que acontecem mutuamente em restaurantes e bares da cidade.

O nome é uma referência a um carrossel: os clientes podem ir de um restaurante a outro em uma volta animada entre todos eles. Uma espécie de parque de diversões que toma alguns quarteirões do bairro de Palermo.

Criado pelos sócios do Niño Gordo, Pedro Pena e Germán Sitz, o evento foi concebido com a ideia de unir cozinheiros e clientes em torno de uma ideia simples: a de que a gastronomia pode — e deve! — ser muito divertida.

Jantar "palestrinha"

Trata-se de algo que esquecemos um pouco nos últimos anos, quando os restaurantes passaram a criar storytellings e discursos cada vez mais elaborados sobre o que servem aos comensais.

Explicações infindáveis antecedem o serviço de cada um dos pratos: "O chef busca todas as manhãs as ervas que usamos na receita nessa montanha que o senhor pode ver da janela"; "tudo foi feito em cozimento de 7 horas, depois passado por um termocirculador para atingir essa textura perfeita!".

O que era algo restrito aos restaurantes de alta cozinha chegou também aos negócios casuais do bairro: uma necessidade de explicar tudo, levar muito a sério aquilo o que é servido, detalhando técnicas, mostrando engajamento político.

Com isso, frequentar alguns restaurantes passou a ser quase um fardo para alguns clientes que só queriam comer sem ter que ouvir uma palestra sobre tudo que é servido — a gastronomia ficou enfadonha muitas vezes.

Música e performance à mesa

Em oposição a esta ideia, alguns cozinheiros e restaurantes tentam lembrar que comer pode ser um ato espirituoso, uma experiência agradável e, sobretudo, estimulante.

No Alchemist, em Copenhagen, o chef Rasmus Munk leva essa dinâmica a outro nível: da entrada à saída, os visitantes passam por cinco espaços, onde terão experiências distintas.

Ambiente do Alchemist, em Copenhagen - Reprodução - Reprodução
Ambiente do Alchemist, em Copenhagen
Imagem: Reprodução

Na chegada, há uma apresentação musical com curadoria da Orquestra Filarmónica de Copenhaga. No salão principal, uma cúpula destas de planetário serve como tela para projeções em 3D que mudam consoante o ritmo do jantar.

Durante o serviço de peixes e mariscos, por exemplo, imagens do fundo do mar tomam o teto, com animais a nadar tranquilamente entre algas e corais. Depois, uma nítida imagem de aurora boreal toma todo o restaurante, transportando todos a uma noite estrelada.

Em um dos momentos, os visitantes são convidados a pular em uma piscina de bolinhas: sim, faz parte da experiência que o chef quer proporcionar a seus clientes, uma mais lúdica e divertida.

A diversão, aos poucos, vai se dissipando por todas as partes: no DiverXo, em Madri, porcos voadores estão por todos os ambientes.

Estátuas com rodinhas de elefantes indianos trazem nas costas uma versão do pani puri, um dos snacks do menu, enquanto um dos pratos é servido em uma louça em formato da mão ao estilo "Família Adams".

Mas nem só de restaurantes fine dining vive essa nova tendência: n'A Casa do Porco, em São Paulo, as paredes em grafitti, a música alta e as criaturas diversas refratadas em esculturas mostram que é preciso ter humor na hora de comer.

No Mesa do Lado, do chef Claude Troisgros, no Rio de Janeiro, o menu é embalado por efeitos multimídia de luz e projeções de imagens e vídeos — é um misto de restaurante e performance. Há músicos cantando e até poesia recitada.

É a busca de um universo mais onírico da comida, em que o objetivo é oferecer sobretudo entretenimento, um conceito que a gastronomia tem flertado mais e mais.

Uma prova de que sair para comer precisa ser cada vez mais um ato recreativo — para quem come, mas também para quem cozinha. A mesa, como imagem, é sobretudo um lugar de diversão.