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Rafael Tonon

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

'Você é o que come' nunca foi tão real: alimentos 'conversam' com os genes

Comida pode interferir na composição genética dos humanos - Getty Images
Comida pode interferir na composição genética dos humanos
Imagem: Getty Images

Colunista de Nossa

09/08/2023 04h00

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Para a maioria das pessoas, comida é apenas sustento. Para outras, um passaporte fácil para o prazer e o para o hedonismo.

Mais recentemente, uma parte da população tem sido acometida por uma quase obsessão pelo que come. Seja para contar cada caloria de cada nutriente que põe na boa, seja para programar férias a partir dos restaurantes que quer visitar.

Fato é que falamos muito mais sobre comida hoje do que há 5 anos, por exemplo: um novo status social potencializado pelas redes e pela cobertura midiática.

Mas pouca gente, entretanto, pensa no poder que os alimentos têm de transformar a constituição do nosso corpo. Sim, aquilo que ingerimos pode definir o nosso organismo e seu funcionamento.

A ideia do "somos o que comemos" nunca foi tão clara para a ciência: novas pesquisas têm mostrado que os alimentos que ingerimos podem "conversar" com nossos genes.

Genética da nutrição

Sim, você é mesmo o que você come (e até o que seus avós comiam) - Getty Images - Getty Images
Sim, você é mesmo o que você come (e até o que seus avós comiam)
Imagem: Getty Images

O campo de pesquisa chama-se nutrigenômica e, por mais que pareça papo de nerd, pode ser traduzido de forma bem simples, como pensamos em uma receita.

A quantidade de açúcar, farinha ou manteiga pode transformar profundamente um bolo: se ele vai ficar mais fofinho ou mais denso; mais ou menos saboroso.

O nosso corpo é igual: os componentes dos alimentos transformam o nosso genoma e o nosso corpo, o que indica que a nossa relação com a comida é muito mais íntima do que jamais imaginamos.

A neurocientista norte-americana Monica Dus, que há anos pesquisa a genética da alimentação (e os impactos dos nutrientes no nosso corpo), tem um exemplo simples para explicar isso.

Ela toma como parâmetro as abelhas comuns, aquelas do tipo listradas de preto e amarelo que voam em torno da nossa lata de Coca-Cola.

Todas as abelhas dessa espécie (Apis mellifera) nascem geneticamente idênticas, mas a dieta que fazem durante a fase de desenvolvimento é que vai definir seu corpo e sua forma de vida.

As operárias se alimentam basicamente de néctar e pólen; as rainhas comem a cobiçada e exclusiva geleia real. As primeiras têm um terço do tamanho das segundas, são estéreis e vivem por apenas algumas semanas.

Nutrigenética foi até as ablehas para entender como "somos o que comemos" - Getty Images - Getty Images
Nutrigenômica foi até as ablehas para entender como "somos o que comemos"
Imagem: Getty Images

As rainhas, no entanto, são muito mais corpulentas, têm uma fertilidade tão potente que podem dar luz a uma colônia inteira e vivem por cerca de dois anos. A única coisa que muda entre elas — além da função que desenvolvem — é o que comem.

Dus defende que os nutrientes presentes na geleia real (uma substância viscosa composta essencialmente de proteínas, carboidratos, vitaminas e sais minerais) é que dão as instruções genéticas para criar a anatomia e a fisiologia de uma rainha.

Isso porque os nutrientes que consomem (e também que consumimos) são capazes de definir dentro de nossas células quanto de um determinado produto genético deve ou não ser produzido.

Efeito cascata

Por exemplo, já se sabe que a vitamina C protege o nosso genoma de processos de oxidação; ou seja, é capaz de reparar material genético se ele for danificado.

Ou que um tipo específico de aminoácido (chamado de metionina e muito presente na proteína animal) ajuda a determinar nossa capacidade de crescimento e de divisão celular.

Base alimentar dos seus avós poderia interferir na sua composição celular - Getty Images/iStockphoto - Getty Images/iStockphoto
Base alimentar dos seus avós poderia interferir na sua composição celular
Imagem: Getty Images/iStockphoto

Ainda que não haja muitos estudos feitos em humanos (ainda é um ramo novo da ciência, testado majoritariamente em animais), os cientistas já acreditam que os nutrientes poderiam ter a capacidade de alterar o fluxo de informação genética por gerações.

O que nossos avós comeram a vida toda pode ser uma herança genética para nós, capaz de terminar características do nosso genoma e até algumas propensões (ou não) a determinadas doenças, tipo físico, alergias: sua rinite pode ser culpa de uma alimentação desequilibrada da sua avó.

E as teorias vão ainda mais longe: se nossos corpos são influenciados pelo que comemos e um nível molecular, então o que a comida que consumimos "comeu" também pode afetar nosso genoma.

Se os animais que consumimos têm um tipo determinado de dieta — bois criados soltos em pastos em comparação a outros que só comem ração, por exemplo —, isso também pode definir o funcionamento e a estrutura do nosso organismo.

As suas células recebem diferentes mensagens nutricionais e passam para nosso genoma, também. Em um cenário mais abrangente, até mesmo políticas públicas (agrícolas ou econômicas, por exemplo) são importantes nesse contexto.

As formas que cultivamos ou criamos nossos alimentos (sistemas intensivos ou não; modelos químicos ou orgânicos) podem ter capacidade de influenciar nossos corpos.

Um efeito cascata que ainda é difícil comprovar, mas que já se sabe que pode ter um papel muito mais determinante do que alguma vez nem sequer consideramos.

Por isso, no futuro, vai ser difícil encarar uma batata frita sem qualquer responsabilidade — para o nosso corpo, sim, mas também pelo que isso pode influenciar na vida dos nossos bisnetos.