Rafael Tonon

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Opinião

Restaurantes reagem nas redes e mostram que clientes não têm sempre razão

Com a onda da retaliação que a indústria de restaurantes tem recebido nas últimas semanas desde que passaram a pipocar notícias de abusos por parte de alguns deles, a discussão tem ficado mais acalorada.

As redes sociais foram invadidas por clientes que criticam as iniciativas de alguns estabelecimentos de impedirem que pessoas comam sozinhas em suas mesas ou de taxas de cobranças excessivas por serviços como cortar um bolo.

O verão europeu tem sido a temporada para casos desse tipo: com mais turistas enchendo as cidades, os restaurantes decidiram mudar políticas (muitas das vezes, sem transparência) para garantir atender mais clientes — e faturar mais, claro.

Mas apesar de que muitas vezes haja má conduta de muitos deles que decidem não ser claros na relação com o consumidor, é preciso olhar o todo para entender a história completa.

Quando o erro está à mesa

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Imagem: Getty Images

Desde que compartilhei a coluna da semana passada, em que falo de algumas atitudes insolentes por parte de alguns negócios, tenho recebido mensagens de chefs e donos de restaurantes.

Muitos também contam casos de abusos... mas por parte dos clientes. "Já chegaram aqui com bolo, balões e cartazes sem aviso prévio", relata o dono de um restaurante de São Paulo.

O que era pra ser um aniversário comemorado em um espaço público torna-se uma celebração quase privada, em que outros clientes se veem obrigados a fazer parte da festa.

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"Depois da pandemia, eventos deste tipo começaram a ocorrer com mais frequência. Tivemos que rever as regras de reserva", diz.

Com lockdowns e menos traquejo social por nos vermos obrigados a ficarmos confinamos, desaprendemos as condutas de estarmos em ambientes partilhados.

A verdade é que essa nova reaproximação evidenciou comportamentos abusivos dos dois lados, também dos clientes, claro. E quem frequenta bares e restaurantes com frequência, já deve ter presenciado muitos casos assim.

São pessoas que se acham no direito de alterar a configuração de mesas, que impõem suas vontades em relação aos outros clientes, que não medem posturas e decibéis para se sentirem em casa.

O que os restaurantes querem deixar claro é que os clientes não têm sempre razão, muito pelo contrário. Há sempre problemas nos dois lados dessa relação (negócio-consumidor), mas os consumidores também abusam.

Principalmente quando o cliente põe suas próprias vontades sobre a de outros frequentadores ou é pouco razoável nas exigências e reclamações que faz, mesmo quando as políticas das casas estão muito claras.

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O humor como resposta

Cliente dá bronca em garçonete
Cliente dá bronca em garçonete Imagem: Getty Images

Paolo Cannata ficou conhecido por querer provar esse argumento de uma maneira, digamos, mais direta. As respostas que dá aos clientes que reclamam do seu restaurante, Med Gastro Giardino Mediterrâneo, em Porto Alegre, viralizaram na internet.

"O ambiente é bom, estávamos sem pressa mas a demora para pratos simples acaba irritando", escreveu um cliente. Cannata respondeu simplesmente: "Respira".

Nem sempre, entretanto, ele é tão sucinto: a uma cliente que alegadamente disse que tinha uma lagarta na sua massa, o proprietário argumenta que a "lagarta caiu da árvore" e que "comer no meio da natureza dá nisso" e que se a cliente queria reclamar, melhor seria "escolher outro lugar".

As respostas de Cannata viraram meme em redes como o Twitter — ele mesmo, que é especialista em marketing estratégico, sabe disso e diz que usa as respostas como uma forma de aproveitar essa visualização toda que o restaurante conquistou.

"Muitas vezes são críticas de quem nem veio ao restaurante e respondo sabendo disso", ele conta. O restaurante ganhou projeção entre os jovens, que usam plataformas como o TripAdvisor para testar (e se divertir com) as respostas do proprietário.

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Mas Cannata fala sério sobre a prerrogativa dos clientes acharem que têm alguma vantagem na relação com os estabelecimentos, o que os permitiria acreditar que podem estar sempre certos.

"Só os idiotas acham que têm razão", ele diz. "As pessoas mais inteligentes sabem que não existe uma razão universal, e que uma crítica pode ter argumentos e explicações, o que é normal".

Como ele, muitos chefs têm saído em defesa de seus restaurantes e equipes quando os consumidores fazem reclamações que julgam não serem justas.

O argentino Paulo Airaudo causou polêmica no ano passado no Twitter, quando um cliente foi a seu restaurante em um hotel de luxo em San Sebastián, no País Basco, e pediu uma tortilla a um valor de 14 euros (preço que constava no menu) e postou a conta a reclamar do valor.

"Eu te dou a tortilla, eu cobro mesmo pelo resto", respondeu o proprietário, justificando não apenas a louça e os talheres de qualidade usados no restaurante, mas também a vista para o mar na praia mais cara da cidade — e uma das mais caras da Espanha.

Airaudo postou o cardápio onde constava o valor e explicou que os garçons tinham sido claros nos preços e que mesmo assim os clientes quiseram ficar. "As pessoas deveriam saber onde se sentam", justificou.

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Crítica por cliques

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Imagem: Getty Images

Outros chefs têm exposto o perfil de perfis que vão a seus restaurantes dispostos a apontar problemas em busca de cliques.

"Os críticos gastronómicos não fazem ideia de como fico feliz em responder às suas críticas esdrúxulas", postou o chef gaúcho Enio Valli sobre um cliente que foi a seu restaurante e fez "ponderações" sobre os pratos.

"Se alguém um dia disser que suas avaliações beiram o ridículo ou que parecem quase cômicas, não acredite. São as pessoas que não conseguem entender o nível de capacidade crítica do senhor", ironizou.

Eles acreditam que, na realidade, contestar em alto e bom tom é uma forma de protesto de toda ideia de "hegemonia da razão" que a sociedade quer atribuir aos clientes.

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E mostrar que, entre os dois lados da mesa, há sempre pontos de vista: uns mais razoáveis que outros. E que, independente de quem está sentado ou trabalhando, ela quase nunca está coberta de razão.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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