A música que você ouve no restaurante não é à toa: ela muda sabor da comida
Em um restaurante em Madri, a música eletrônica no talo bate os 90,61 decibéis: "É como um cortador de grama", informa o aplicativo do celular que mede ruídos. "Você está em um lugar muito barulhento!", diz a mensagem na tela.
Aparentemente o barulho de música quase de balada deveria incomodar muito, mas curiosamente combina com a experiência: os pratos saturados de cor e sabor servidos pelo chef, o espanhol Dabiz Muñoz, são potencializados pelas batidas.
Há muito tempo que já se sabe que a música que toca em um restaurante pode mudar a experiência que se tem ali: pensar na trilha sonora perfeita é algo que ocupa mais do que nunca a mente dos donos de restaurantes e chefs.
Por muito tempo, tratou-se de uma decisão arbitrária: um dos funcionários comandando sua playlist. Mas a ciência está aí para mostrar que isso pode indicar maus resultados para os restaurantes — inclusive no caixa.
Num nível psicológico muito básico, a música impacta nossas emoções de diferentes maneiras, o que por sua vez altera a maneira como vivenciamos as coisas, como uma refeição.
Isso significa que a música pode arruinar e melhorar a experiência de um jantar, dependendo da música que você toca e se a música que você toca está alinhada com a experiência que você está tentando criar.
A psicóloga experimental Janice Wang, PhD pela Universidade de Oxford no Laboratório de Pesquisa Crossmodal, publicou uma série de artigos que documentam as diferentes maneiras que o som pode afetar a percepção do paladar.
Altas frequências tornam os sabores mais doces, baixas frequências deixam sabores mais amargos. Ritmos rápidos são "azedos" e ruídos altos entorpecem seu paladar, exceto pela percepção do umami.
Um recente estudo feito pela engenheira de alimentos Renata Shimizu, da Unicamp, revelou que a interação entre o chocolate meio amargo e determinadas músicas desperta emoções distintas nas pessoas.
Ao ouvir algumas músicas enquanto comiam, os participantes apontaram o grau de equilíbrio entre os gostos doce e amargo no chocolate.
Uma música "doce" — mais melódica — influenciou positivamente na percepção do gosto doce, como se o alimento fosse mais adocicado.
A interação do chocolate com a música "doce" aumentou a intensidade das emoções positivas nas pessoas, enquanto o experimento feito com o chocolate e a música amarga acentuou as emoções negativas.
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Quero receberA música pode mudar a percepção que temos de um lugar. A Soundtrack Your Brand, empresa que transmite música em locais comerciais, fez um grande estudo sobre o impacto da música de fundo em 16 filiais de uma grande rede de fast food.
O grupo criou o maior estudo sobre música ambiente e vendas já realizado, estudando cerca de 2 milhões de transações individuais em cinco meses. Uma das descobertas mais interessantes foi que tocar músicas aleatórias de listas de hits é uma má ideia.
Uma playlist aleatória das músicas mais tocadas do Spotify levou a uma diferença negativa de 9% nas vendas em comparação com quando os restaurantes tocavam uma trilha sonora selecionada e adequada à marca.
A familiaridade musical é um dos aspectos importantes a considerar. As pessoas tendem a tornar-se ativamente conscientes da música que reconhecem, o que por sua vez as torna conscientes da passagem do tempo.
Então, se o restaurante quer que clientes percam a noção do tempo lá fora e consumam mais, é preciso evitar tocar "sucessos" e optar por músicas menos conhecidas.
Os que entendem o papel da música nos negócios já contaram empresas e DJs especializados em criar trilhas sonoras para estabelecimentos comerciais, como restaurantes.
Algumas empresas já trabalham com aprendizado de máquina e inteligência artificial para tomar decisões em tempo real, como ajustes automáticos de volume e seleção de playlists com base no número de clientes no espaço e seus perfis psicográficos.
Por exemplo, se no horário de pico do almoço os donos de um restaurante querem que os clientes se movam pelo local mais rapidamente, a trilha sonora pode buscar músicas com batidas mais aceleradas para isso.
O ritmo e a intensidade da música — mais batidas por minuto — influenciam no fato das pessoas terminarem de comer mais rapidamente e terem pressa para pagar a conta.
Ao contrário, músicas mais experimentais (independente do ritmo) criam ambientes para as pessoas ficarem mais: e ajudam até a aumentar o consumo de sobremesas, influenciando positivamente na conta.
No caso de dúvida do que tocar, mais vale desligar a música: os estudos mostraram que o ambiente silencioso é melhor do que tocar os sucessos do momento. Pelo menos no caixa.
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