Rafael Tonon

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A música que você ouve no restaurante não é à toa: ela muda sabor da comida

Em um restaurante em Madri, a música eletrônica no talo bate os 90,61 decibéis: "É como um cortador de grama", informa o aplicativo do celular que mede ruídos. "Você está em um lugar muito barulhento!", diz a mensagem na tela.

Aparentemente o barulho de música quase de balada deveria incomodar muito, mas curiosamente combina com a experiência: os pratos saturados de cor e sabor servidos pelo chef, o espanhol Dabiz Muñoz, são potencializados pelas batidas.

Há muito tempo que já se sabe que a música que toca em um restaurante pode mudar a experiência que se tem ali: pensar na trilha sonora perfeita é algo que ocupa mais do que nunca a mente dos donos de restaurantes e chefs.

No restaurante de Dabiz Muñoz, chef número 1 do mundo, o som no talo potencializa a experiência
No restaurante de Dabiz Muñoz, chef número 1 do mundo, o som no talo potencializa a experiência Imagem: Divulgação

Por muito tempo, tratou-se de uma decisão arbitrária: um dos funcionários comandando sua playlist. Mas a ciência está aí para mostrar que isso pode indicar maus resultados para os restaurantes — inclusive no caixa.

Num nível psicológico muito básico, a música impacta nossas emoções de diferentes maneiras, o que por sua vez altera a maneira como vivenciamos as coisas, como uma refeição.

Isso significa que a música pode arruinar e melhorar a experiência de um jantar, dependendo da música que você toca e se a música que você toca está alinhada com a experiência que você está tentando criar.

A psicóloga experimental Janice Wang, PhD pela Universidade de Oxford no Laboratório de Pesquisa Crossmodal, publicou uma série de artigos que documentam as diferentes maneiras que o som pode afetar a percepção do paladar.

Altas frequências tornam os sabores mais doces, baixas frequências deixam sabores mais amargos. Ritmos rápidos são "azedos" e ruídos altos entorpecem seu paladar, exceto pela percepção do umami.

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Som na caixa! Som em baixa frequência deixa os sabores mais amargos
Som na caixa! Som em baixa frequência deixa os sabores mais amargos Imagem: Getty Images

Um recente estudo feito pela engenheira de alimentos Renata Shimizu, da Unicamp, revelou que a interação entre o chocolate meio amargo e determinadas músicas desperta emoções distintas nas pessoas.

Ao ouvir algumas músicas enquanto comiam, os participantes apontaram o grau de equilíbrio entre os gostos doce e amargo no chocolate.

Uma música "doce" — mais melódica — influenciou positivamente na percepção do gosto doce, como se o alimento fosse mais adocicado.

A interação do chocolate com a música "doce" aumentou a intensidade das emoções positivas nas pessoas, enquanto o experimento feito com o chocolate e a música amarga acentuou as emoções negativas.

Música mais 'amarga' acentuou emoções negativas em quem estava comendo chocolate, segundo pesquisa
Música mais 'amarga' acentuou emoções negativas em quem estava comendo chocolate, segundo pesquisa Imagem: Getty Images
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A música pode mudar a percepção que temos de um lugar. A Soundtrack Your Brand, empresa que transmite música em locais comerciais, fez um grande estudo sobre o impacto da música de fundo em 16 filiais de uma grande rede de fast food.

O grupo criou o maior estudo sobre música ambiente e vendas já realizado, estudando cerca de 2 milhões de transações individuais em cinco meses. Uma das descobertas mais interessantes foi que tocar músicas aleatórias de listas de hits é uma má ideia.

Uma playlist aleatória das músicas mais tocadas do Spotify levou a uma diferença negativa de 9% nas vendas em comparação com quando os restaurantes tocavam uma trilha sonora selecionada e adequada à marca.

A familiaridade musical é um dos aspectos importantes a considerar. As pessoas tendem a tornar-se ativamente conscientes da música que reconhecem, o que por sua vez as torna conscientes da passagem do tempo.

Então, se o restaurante quer que clientes percam a noção do tempo lá fora e consumam mais, é preciso evitar tocar "sucessos" e optar por músicas menos conhecidas.

Quer que os clientes saiam logo do restaurante? Não toque uma playlist com sucessos
Quer que os clientes saiam logo do restaurante? Não toque uma playlist com sucessos Imagem: Getty Images/iStockphoto
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Os que entendem o papel da música nos negócios já contaram empresas e DJs especializados em criar trilhas sonoras para estabelecimentos comerciais, como restaurantes.

Algumas empresas já trabalham com aprendizado de máquina e inteligência artificial para tomar decisões em tempo real, como ajustes automáticos de volume e seleção de playlists com base no número de clientes no espaço e seus perfis psicográficos.

Por exemplo, se no horário de pico do almoço os donos de um restaurante querem que os clientes se movam pelo local mais rapidamente, a trilha sonora pode buscar músicas com batidas mais aceleradas para isso.

O ritmo e a intensidade da música — mais batidas por minuto — influenciam no fato das pessoas terminarem de comer mais rapidamente e terem pressa para pagar a conta.

Ao contrário, músicas mais experimentais (independente do ritmo) criam ambientes para as pessoas ficarem mais: e ajudam até a aumentar o consumo de sobremesas, influenciando positivamente na conta.

No caso de dúvida do que tocar, mais vale desligar a música: os estudos mostraram que o ambiente silencioso é melhor do que tocar os sucessos do momento. Pelo menos no caixa.

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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