Comer pedra virou piada nas redes, mas é hábito milenar. O sabor? De peixe
Onívoro, no jargão da biologia, significa aquele animal capaz de se alimentar de todos os tipos de seres vivos (e até alguns inanimados) que existem na natureza, dos oceanos ao ar.
"Comer de tudo", portanto, foi uma característica evolutiva que nos permitiu (a nós e algumas outras espécies) explorar gastronomicamente tudo o que podem oferecer os reinos animal, vegetal e até mineral. Espera aí, mineral?
Sim, vídeos de usuários da internet provando suodiu (??) têm inundado as redes sociais chinesas (e do mundo todo) há alguns meses, mostrando que não há limites para uma alimentação mais, digamos, abrangente.
Trata-se de uma sopa em que o prato principal são pedras ou, para ser mais específico, arredondados seixos de rio que integram um refogado muito tradicional que se originou na província de Hubei, no leste da China.
A receita, considerada uma iguaria das comidas de rua no país, é feita ao se despejar óleo de pimenta em seixos fervendo em uma panela de ferro.
Depois, adiciona-se um saboroso molho amarelado temperado com shissô e alecrim sobre eles e fritar tudo com uma mistura de dentes de alho e pimentões picados.
Nos vídeos que viralizaram no Xiaohongshu (a versão chinesa do Instagram), os vendedores narram o preparo com rimas enquanto fazem movimentos rápidos para impressionar os clientes.
Estes, por sua vez, precisam chupar as pedras com o máximo de sucção possível para extrair todos os sabores que entram pelos poros e depois cuspi-las — o nome, suodiu, ou "suo diu", vem daí: significa "chupar e descartar", em chinês.
@direydealova Suo diu, olahan batu dari pedalaman china. Kalo suami nggak ngasih uang belanja, kasih makan ini aja bun #suodiu ? Milk Tea - Official Sound Studio
As porções custam cerca de 15 yuans (algo em torno de 10 reais) e são servidas em barracas de muitas cidades da região, uma tradição entre os locais.
O hábito foi passado por gerações por barqueiros chineses que chegavam a ficar no meio do rio por semanas ou meses antes de voltar para a casa quando iam pescar.
Como os peixes nem sempre eram abundantes, as pedras serviam para dar sabor às receitas: com o tempo no leito dos rios, elas costumam adquirir gosto de vida marinha, e passam a ter gosto de peixe.
Assim, quando cozidos, não apresentam exatamente um sabor terroso ou lamacento de rio, mas sim um sabor muito parecido com o de peixe.
Mas mesmo antes dos chineses, há relatos de sopas de pedra que remontam ao paleolítico — prova de que a receita é muito anterior às trends do TikTok.
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Quero receberPara nossos longínquos ancestrais, as pedras aquecidas no fogo esquentavam a água, oferecendo algum calor para os corpos pouco cobertos. E também alguns sais minerais de brinde.
Em civilizações mais modernas, a receita também se popularizou: em Oaxaca, no México, os Chinantec usaram o terreno rochoso mexicano a seu favor: as grandes pedras eram aquecidas no fogo e depois serviam de panela, graças a sua capacidade de manter a temperatura por muito tempo.
Na Europa, por exemplo, a receita ganhou diversas versões — e lendas. Um conto publicado na França em 1720 deu conta de espalhar a popularidade da receita e seu caráter comunitário de alimentar a população em tempos difíceis.
A história folclórica fala sobre uma comunidade (cada um conta sobre um país diferente) em que a população se junta para cozinhar uma sopa com os ingredientes que cada um pode trazer.
Uma das famílias traz pedras e a história figura como uma fábula moral sobre o valor da partilha.
Historicamente, a preparação tem muitas variações, mas essencialmente apresenta ingredientes humildes, como batatas, ervilhas, repolho e por vezes partes mais baratas de carnes bovina ou de frango.
Poucas, entretanto, seguem sendo servidas até hoje como no caso da suodiu chinesa, que graças aos vídeos com milhares de visualizações voltou a ser cobiçada.
Para os chineses ainda nos dias de hoje, comer até pedra não é só uma expressão.
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