'Restaurantes para estar, não para comer' precisam conter multidão na porta
O segurança, vestindo uma camisa listrada de azul e branco, está prostrado à porta não para prevenir furtos ou roubos no restaurante.
O seu papel é inusitado: conter a multidão de gente que se forma na frente do Folderol, um misto de bar de vinhos e sorveteria perto do Centro Pompidou, em Paris.
Desde o começo do verão, o espaço do casal de chefs Jessica Yang e Roberto Compagnon tem sido palco de aglomerações diárias de pessoas — principalmente adolescentes.
Eles se amontoam na calçada para tirar fotos das taças cheias e de casquinhas com sorvetes brancos, verdes e rosas escorrendo pelos seus dedos até conseguirem o clique perfeito.
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O Folderol viralizou nas redes sociais, especialmente no TikTok, à medida que mais pessoas começaram a achar curioso o conceito criado pelos donos, de unir bebida alcoólica e a popular sobremesa em um mesmo espaço.
"É como chegar ao paraíso", postou uma usuária do Instagram. O que parecia uma estratégia de marketing bastante positiva para o restaurante se tornou um grande problema.
Primeiro, os insumos começaram a se esvair das prateleiras. Depois, as multidões impediam até a passagem das pessoas na rua. O caos se instalou quando os vizinhos passaram a chamar a polícia.
Foi aí que o casal decidiu apelar: colocou barreiras físicas em frente à fachada vermelha para impedir concentrações de grupos, restringiu o número de taças servidas por dia e contratou até um segurança para estabelecer alguma ordem.
Clientes que chegavam ali e não conseguiam fazer seus pedidos passaram a fazer críticas negativas ao restaurante nas redes, principalmente depois que eles proibiram as pessoas de se sentarem na parte externa.
Em cartazes em frente à porta vermelha da entrada, eles anunciavam, em inglês: "No TikTok".
"Eles nem provam o sorvete", disse Jessica Yang ao The New York Times, que relatou a história. "Eles simplesmente o deixam em uma tigela a derreter ao sol."
O caso do Folderol expõe as consequências negativas de uma tendência que tomou o mundo da gastronomia: a dos restaurantes para estar, não para comer.
Em uma ânsia de fazerem parte do hype formado nas próprias redes sociais, usuários se sentem imbuídos a frequentar lugares da moda para mostrar que estiveram ali — com posts, stories, reels e tudo mais que for preciso.
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Quero receberTanto faz se a comida é boa, se o serviço é eficiente: o que importa realmente é provar que está antenado, que conhece aquela mais recente abertura de que todo mundo está falando.
No Japão, de onde digito essas linhas, é um movimento crescente: pequenos espaços de ramen (que no Brasil seriam considerados espeluncas) ou cafés com jeito de joalheria servindo doces coloridos com ursinhos no topo ficam abarrotados.
Há quem espere mais de uma hora na fila para comer o tsukemen (espécie de ramen em que o caldo e o macarrão são servidos separadamente) que todo mundo está postando.
Sem se dar conta, entretanto, que na mesma rua talvez existam pelo menos outros três a servirem o mesmo prato provavelmente com a mesma qualidade e atenção.
Acontece o mesmo na China, na Coreia, no Brasil: as pessoas salvam e dão print naquilo que veem nas redes e depois viajam em busca da mesma exata experiência que aquele ator famoso ou aquela influencer tiveram em Tóquio — ou em Seul, ou Nova York, ou Paris.
Claro que recomendações na internet já criaram hypes descomunais muito antes das redes sociais (TripAdvisors da vida estão aí para comprovar).
Mas antes a preocupação era ir comer em algum lugar que parecesse confiável, que servisse uma comida reconhecida por um grupo de pessoas com opiniões (mais ou menos) consensuais.
Agora, porém, a motivação não é a comida, que é justamente o que esses espaços se esforçam em servir.
Para o casal, essa é uma preocupação real
Queríamos que nossa reputação se baseasse na qualidade dos alimentos e no que produzimos.
Roberto Compagnon, chef do Folderol, ao The New York Times
Poucos ligam para isso: para as novas hordas impactadas (e querendo impactar) pelos cliques, o maior objetivo é entrar, pedir e postar.
Todo mundo quer influenciar nas redes em uma busca por aceitação e repercussão que vale likes e, se tudo correr bem, compartilhamentos. Nos posts, quase ninguém cita a comida — para o bem ou para o mal. É algo que se tornou irrelevante para os likes.
Postagens que marcam o Folderol (seja por geolocalização ou hashtags), por exemplo, passam das milhares de curtidas para alguns usuários.
"Quando um espaço está tão hypado que precisa colocar um aviso dizendo 'No TikTok'", ironizou uma seguidora cujo Reels feito para pegar carona na repercussão teve 53 mil curtidas.
No vídeo curto postado, ela aparece ao lado de uma amiga a fazer poses, tomar vinho branco e provar duas tigelas diferentes de sorvete na calçada.
Mas também opta deliberadamente por não incluir na postagem outra das recomendações escritas pelo casal a seus novos (e antigos) clientes.
"Esteja aqui para se divertir, não para tirar fotos", dizem as letras brancas pintadas sobre a fachada vermelha". Algo que muitos parecem simplesmente ignorar.
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