Rafael Tonon

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Reportagem

Chefs, bom café, menu vegetariano: a comida de avião nunca esteve tão boa

Esqueça o café solúvel e sem gosto que as aeromoças costumam oferecer durante os serviços de bordo.

A Alaska Airlines recentemente fez uma parceria com a Stumptown Coffee Roasters para servir o que deve ser "o melhor café para se tomar em um avião".

A pretensão tem justificativa: a companhia aérea fez mais de 20 testes com diferentes moagens, dosagens e dimensões de filtros de papel para tentar chegar à fórmula perfeita. E testou os resultados com dezenas de pessoas.

A partir do começo de dezembro, os passageiros vão poder provar o esforço de meses de trabalho. O café feito sob medida é menos ácido e com a quantidade exata de notas tostadas.

A torra média desenvolvida pretende evocar sabores de chocolate amargo, marshmallow e manteiga queimada, diz a empresa.

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Imagem: Reprodução

"As papilas gustativas reagem de maneira diferente em grandes altitudes, e este blend foi elaborado com isso em mente", explica o comunicado emitido para a imprensa.

A verdade é que mais companhias têm levado isso em conta na hora de criar seus menus. Nos céus, a cabine cria um ambiente seco e pressurizado, e a capacidade do nosso paladar de perceber nuances é diminuída.

Como nosso nariz fica ressecado, é difícil cheirar muito bem, o que afeta a nossa percepção do paladar — que está ligado ao sabor e aroma da comida. Pesquisas indicam que perdemos até 30% do gosto a bordo.

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A Gategroup, empresa suíça que fornece comida para companhias em todo o mundo, reuniu um grupo de cozinheiros criativos para desenvolver os pratos que serão consumidos em um breve futuro dentro dos aviões.

Alguns deles foram apresentados no início do ano em uma feira do setor nos EUA, e vão desde rillettes de pato combinados com picles de ratatouille a um "bife" de couve-flor assado com molho de açafrão e tahine.

As apostas da empresa englobam pratos e bebidas com umami (o quinto sabor, encontrado em cogumelos, queijos e tomates) e o uso de vegetais que conseguem reter melhor a umidade interna, como pepino, berinjela ou os próprios cogumelos.

O chef Rodrigo Oliveira
O chef Rodrigo Oliveira Imagem: Reprodução

Nos ares brasileiros, famosos chefs nacionais também têm sido recrutados para criar menus com as limitações dos voos em mente.

Para seu recém-desenvolvido cardápio para a holandesa KLM (de voos que partem de e para Amsterdã a partir do Brasil), o chef Rodrigo Oliveira, do famoso restaurante Mocotó, em São Paulo, incluiu ingredientes como tucupi, mandioca e queijos brasileiros, como o da Serra da Canastra.

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Para entrar no menu, cada uma das receitas teve de ser testada tendo em consideração as condições de serviço a bordo, tanto de equipamentos disponíveis na "cozinha" das aeronaves quanto os tempos e atrasos — algo a que as viagens aéreas estão sempre sujeitas.

Por isso, o chef optou por técnicas de cozimento como os braseados e cozidos, por exemplo, cujos sabores podem até apurar com o tempo.

Oliveira faz parte de uma tendência que não para de crescer: mais e mais companhias aéreas têm feito parcerias com chefs consagrados em um esforço para atender o paladar cada vez mais sofisticado dos viajantes.

O chef francês Claude Troisgros criou pratos para a Azul Linhas Aéreas
O chef francês Claude Troisgros criou pratos para a Azul Linhas Aéreas Imagem: Divulgação Azul

Além dos nomes famosos, elas buscam trazer para os cardápios métodos e ingredientes da moda, como pratos à base de plantas, ingredientes de pequenos produtores e técnicas de fermentação.

Nos pratos criados pelo chef francês Claude Troisgros para a Azul Linhas Aéreas (em voos que seguem de e para Paris), há pratos como maionese de camarão com cuscuz — receita brasileira — e mousse de cappuccino.

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As aéreas têm buscado alterar a fama da "comida de avião", quase sempre ligada a alimentos insípidos e pequenas quantidades. Também à falta de criatividade, já que quase sempre são servidos algum tipo de pasta e uma receita com frango.

Fato é que a era de ouro das empresas ficou no passado, relembrada em fotos vintage que correm a internet mostrando quando os comissários chegavam até a fatiar frios ou servir coquetéis de camarão aos passageiros.

Propaganda antiga da Varig, que tinha excelência no serviço de bordo
Propaganda antiga da Varig, que tinha excelência no serviço de bordo Imagem: Reprodução

A primeira refeição de bordo foi servida em 1919, quando uma companhia britânica deu a seus clientes a opção de comprar sanduíches, biscoitos e uma bebida, como ginger ale ou até doses de Jerez.

Com o advento de aparelhos básicos de aquecimento para aviões e melhorias nas técnicas de congelamento de alimentos, as companhias aéreas finalmente puderam ampliar seus cardápios a bordo.

Mas no começo do século as coisas mudaram — para pior — na questão das alimentações no ar: o ataque às Torres Gêmeas afetou imensamente os voos e obrigou as empresas a reverem seus gastos; para economizar, as porções diminuíram de tamanho, se transformaram em bolachas ou até deixaram de ser servidas.

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A pandemia, mais recentemente, causou um efeito parecido: para evitar que os passageiros tirassem as máscaras nos voos, órgãos do governo ligados à saúde proibiram refeições a bordo — para alegria das companhias.

Os clientes que não ficaram felizes: voos de horas eram proibidos de contar com qualquer tipo de comida.

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Imagem: Maria Argutinskaya/Getty Images/iStockphoto

Agora que as refeições voltaram, regressamos aos tempos de "frango ou pasta" ou, quando muito, do pacote de batatas chips com água. Mas parece que finalmente há novas perspectivas para as alimentações nos céus.

Com chefs renomados, cardápios pensados para driblar as limitações aéreas e um desejo de conquistar os passageiros pelo estômago, as companhias parecem estar dispostas a deixar a má fama gastronômica para trás

"Estamos transformando os rumos do catering aéreo", afirmou Molly Brandt, ex-concorrente do "Top Chef" e hoje cozinheira executiva da Gategroup. Finalmente, parece haver um novo cenário se formando no horizonte azul.

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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