Rafael Tonon

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Opinião

Está quente para você? Imagine na cozinha de um restaurante: 'Insuportável'

Nos próximos dias, dizem os meteorologistas, as temperaturas em muitas cidades do Brasil podem alcançar máximas entre 42ºC e 45ºC — algumas com possibilidade mesmo de registros superiores.

Em São Paulo e no Rio de Janeiro, a sensação térmica ultrapassou os 50ºC em determinados bairros no último domingo — na manhã seguinte, a percepção era de 52,7ºC em Guaratiba, na capital fluminense. Isso às 8h30 da manhã!

Que o clima está descontrolado, não há qualquer sombra (ops!) de dúvidas. Como também não há sobre os efeitos que as mudanças climáticas terão na forma como vamos produzir nossos alimentos e comer no futuro.

O calor que temos sofrido nos últimos dias é ao mesmo tempo causa e consequência de um sistema de produção alimentar falido, que é responsável por quase um terço de todas as emissões de gases de efeito estufa.

O sistema de produção alimentar responde por quase um terço das emissões de gases de efeito estufa
O sistema de produção alimentar responde por quase um terço das emissões de gases de efeito estufa Imagem: CaseIH

Nossa comida é dos fatores que mais tem contribuído para o calor que estamos sentindo: ela causa um rápido desmatamento, degradação do solo e perda massiva de biodiversidade, o que aumenta o efeito desses dias quentes.

Mas há uma outra consequência quase invisível para a maioria de nós quando falamos de comida e temperatura: o sofrimento dos profissionais de restaurantes e padarias, que passam grande parte do dia expostos ao calor para cozinhar

É sabido: cozinhas e padarias sempre foram lugares quentes. Agora, as alterações climáticas estão a torná-las insuportáveis para os seus profissionais.

Claro, algumas cozinhas são climatizadas, mas isso é um luxo em um setor que a mão de obra é quase sempre informal e não há vínculos empregatícios que justifiquem investimento na saúde dos profissionais.

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As altas temperaturas nas cozinhas interferem na produtividade e saúde dos cozinheiros
As altas temperaturas nas cozinhas interferem na produtividade e saúde dos cozinheiros Imagem: Fernando Moraes/UOL

Além disso, os aparelhos de ar-condicionado têm sofrido para fazer horas extras que as jornadas intensas de dedicação exigem — assim como as geladeiras e outros aparelhos que armazenam e conservam os alimentos, claro.

O verão passado, o mais quente alguma vez registrado na Terra, fez com que profissionais da cozinha sentissem os efeitos cada vez mais insalubres das alterações climáticas.

O calor extremo pode causar uma série de problemas em um restaurante ou padaria, de condições de saúde potencialmente fatais entre para seus trabalhadores até produtos de qualidade inferior e perda de ingredientes e insumos.

O aumento das temperaturas resulta em toneladas de desperdício de produtos dentro da cozinha: com margens estreitas, muitos negócios não conseguem sequer ter lucro quando as temperaturas sobem.

De volta aos funcionários, o aquecimento global pode provocar perdas de produtividade equivalentes a 80 milhões de empregos, segundo a Organização Internacional do Trabalho.

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O 'stress' térmico verifica-se a partir dos 35ºC e é agravado por alta umidade, quando o calor afeta as funções corporais e capacidades, diminuindo a produtividade de um trabalhador.

Estudos mostram que a produtividade começa a ser prejudicada a temperaturas superiores a 24-26ºC; para algumas tarefas, é mesmo reduzida para metade a partir de cerca de 33-34ºC.

O calor contribui para picos de exaustão dos cozinheiros
O calor contribui para picos de exaustão dos cozinheiros Imagem: Fernando Moraes/UOL

Nas cozinhas e padarias, elas quase nunca baixam disso em dias muito quentes, levando funcionários a um pico de exaustão.

Um caso de exaustão por excesso de calor é considerado quando a temperatura corporal ultrapassa os 39ºC e, em alguns casos, pode ser fatal.

Os trabalhadores encontram-se entre os mais expostos a riscos graves para a saúde uma vez que a sua subsistência depende da sua capacidade de continuar trabalhando.

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Muitos precisam encontrar as saídas possíveis para não sucumbirem às temperaturas extremas: beber quantidades excessivas de água, tentar fazer mais pausas, usar panos embebidos em água e colocados na geladeira — práticas mostradas em séries e filmes que retratam o cotidiano fervido das cozinhas.

Das mesas com o ar-condicionado no talo, é difícil ver que há alguém passando muito, muito calor para poder fazer com que a comida chegue ao prato.

Por isso, mais vale nunca deixar que o calor consiga tolher a sua capacidade de empatia que nesses dias de temperaturas extremas.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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