Água-viva e borboleta no prato: restaurante-laboratório revoluciona à mesa
No Alchemist, restaurante com duas estrelas Michelin em Copenhague, "borboletas no estômago" não é necessariamente um eufemismo para a paixão. Ali, os insetos voadores fazem parte do cardápio e podem ser comidos e digeridos em uma das etapas do menu.
Foram necessários alguns anos de pesquisa para isso, é claro: as borboletas costumam comer plantas que são tóxicas para nós, humanos. Comê-las, então, poderia ser um grande problema para nossa saúde.
Mas uma parceria do chef Rasmus Munk com botânicos chegou a uma única — a que se tem notícia — espécie que é mais seletiva em sua dieta e opta por se alimentar apenas de um tipo específico de repolho, o que não representava perigo.
Para produtores dessas hortaliças, essas borboletas podem ser uma praga, já que as larvas só se alimentam dessas plantas. O restaurante, em parceria com uma empresa, conseguiu cultivá-las, criando larvas em plantas de repolho e alimentando as borboletas com água com mel.
Servida sobre uma salada fresca com as asas intactas, o comensal agarra o inseto pelos dedos, abre a boca e adiciona uma nova espécie ao seu léxico alimentar. O objetivo do chef, aliás, é exatamente esse: mostrar que o mundo está cheio de novas possibilidades à mesa.
É essa curiosidade que tem guiado o trabalho de Munk: há, no menu, águas-vivas que se tornaram invasoras nos canais de sua cidade natal, cérebro de cordeiro e traqueias de porco. Uma visita ao Alchemist é uma nova experiência para todos.
Da entrada à saída, os visitantes passam por cinco espaços, onde terão experiências distintas que vão de uma apresentação musical com curadoria da Orquestra Filarmônica de Copenhague a snacks com vista para a futurista cozinha de inovação.
Entre os pratos, uma omelete de textura fofa que parece um bolinho para ser comido com a mão ou uma língua humana de silicone que serve como uma colher para provar um dos pratos, chamado, não por acaso, de beijo de língua.
O momento mais supremo, entretanto, se dá no salão principal, onde há uma cúpula destas de planetário que serve de tela para projeções em 3D que mudam consoante o ritmo do jantar — e criadas por uma equipa interna de audiovisual.
Os garçons servem aos clientes um bacalhau pincelado com tutano fumado e coberto por um pedaço de "plástico" por cima — na realidade, trata-se de um caldo de pele de bacalhau desidratado e transparente.
O prato-protesto é para nos lembrar que até um terço de todo o bacalhau pescado no norte da Europa contém plástico.
Agora o chef acaba de anunciar um centro de inovação, batizado de Spora, que quer levar os preceitos que ele serve em seu restaurante para a população geral — ou seja, para mim e para você.
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Uma curadoria diária com as opiniões dos colunistas do UOL sobre os principais assuntos do noticiário.
Quero receberProgramado para ser inaugurado em 2024, o espaço conta com mil metros quadrados, cozinhas de pesquisas, laboratórios de microbiologia de última geração e um estúdio de som e design 3D totalmente equipado.
O objetivo de "mudar o mundo através da gastronomia" parece um tanto ambicioso, mas para sair dos limites de sua imensa e tecnológica cozinha, ele tem feito parcerias com instituições de ensino e outras entidades para levar os conhecimentos além.
A Alchemist já ajudou a desenvolver as refeições de um hospital infantil em Copenhague e criou uma colaboração culinária com o MIT que imagina a transformação de ingredientes em gravidade zero.
Agora, com o Spora, tem dois objetivos principais: desenvolver novas fontes de nutrição (ou seja, alimentos que não existem) e criar novas formas de alimentar o mundo.
Para isso, os focos serão a reciclagem de fluxos secundários da indústria alimentar (tentando diminuir desperdícios, o principal ponto da produção de alimentos) e o desenvolvimento de fontes de proteína deliciosas e diversificadas.
O novo centro conta com profissionais de áreas como gastronomia, ciência, design, arte, engenharia e negócios, desde projetar paisagens sonoras para restaurantes até usar ultrassom para extrair sabores de diferentes produtos.
Mais que cozinheiros, o chef conta com a ajuda de estudantes de doutorado e pesquisadores de várias universidades ao redor do mundo para criar seus pratos desafiantes.
Eles querem investigar o potencial da impressão 3D de alimentos, analisar experiências sensoriais e explorar o impacto das mais recentes tecnologias gastronômicas na nossa alimentação.
Entre os projetos em desenvolvimento estão novas alternativas de carne e frutos do mar utilizando fungos e algas marinhas e a produção de proteínas de frutos do mar cultivadas em laboratório.
Munk acredita que um chef e um restaurante podem fazer mais pela sociedade do que servir refeições dentro de um espaço que é acessível apenas para muito poucos.
Ele acredita que as descobertas que têm gerado dentro do Alchemist em termos de descobertas científicas e de novas tecnologias podem ajudar a repensar a comida do futuro que vá além do sistema que criamos.
Uma das principais preocupações é justamente criar novos alimentos, sobretudo proteínas, que venham de a partir de métodos de produção mais sustentáveis e acessíveis a um maior número de pessoas e que logo possam estar no nosso prato.
Ou seja, que os conhecimentos e pesquisas do chef e sua multidisciplinar equipe possam ser não apenas para aqueles que podem pagar R$ 3.500 — sem bebidas! — por uma refeição.
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