Gastronomia brasileira nunca foi tão feminina, mas só 7% estão no comando
![A chef Janaína Torres Rueda ganhou o prêmio de Melhor Chef Mulher na última edição do 50Best A chef Janaína Torres Rueda ganhou o prêmio de Melhor Chef Mulher na última edição do 50Best](https://conteudo.imguol.com.br/c/entretenimento/d4/2023/10/05/janaina-torres-rueda-1696515623258_v2_900x506.jpg)
O estereótipo de um chef mudou bem pouco nos últimos anos. Basta dizer a palavra — "chef" — e o que vem à cabeça é quase a mesma imagem clichê para quase todas as pessoas.
Ele é provavelmente um homem, possivelmente branco e heterossexual, que já figurou em capas de revistas ou até, quem sabe, esteve na bancada de um programa de televisão.
Poucos são os que pensam em uma mulher dona de restaurante, geralmente com dois filhos, talvez homossexual, quase nunca negra.
Bom, esta foi a realidade da gastronomia profissional desde que os seus alicerces foram sendo criados ainda na França ainda baseados no esquema de brigada inspirado nos exércitos — masculinos, pois.
Por isso, surpreende que a imprensa especializada tenha pegado tanto nesse ponto nos últimos anos, celebrando a ascensão feminina nas cozinhas profissionais.
![A melhor chef da América Latina, Janaína Torres Rueda, recebendo o prêmio no 2023 Latin America's 50 Best Restaurants no Copacabana Palace A melhor chef da América Latina, Janaína Torres Rueda, recebendo o prêmio no 2023 Latin America's 50 Best Restaurants no Copacabana Palace](https://conteudo.imguol.com.br/c/entretenimento/db/2023/11/29/a-melhor-chef-da-america-latina-janaina-torres-rueda-recebendo-o-premio-no-2023-latin-americas-50-best-restaurants-no-copacabana-palace-no-rio-nesta-terca-28-1701276853826_v2_750x1.jpg)
Claro, se olharmos para listas e prêmios fazendo um esforço para ver as coisas com o copo meio cheio, pode ser que enxerguemos algum alento.
Pelo menos no Brasil: 5 dos 8 melhores restaurantes do Brasil na lista dos 50 Best da América Latina divulgada no começo do mês têm mulheres como chefs principais ou dividindo a cozinha.
Isso sem contar que o prêmio de Melhor Chef Mulher também foi para uma brasileira, a paulistana Janaína Torres Rueda, do restaurante A Casa do Porco.
A lista causou uma certa controvérsia quando decidiu, em 2017, criar um prêmio exclusivo para chefs mulheres, o que gerou discussão sobre o sexismo implícito em prêmios como esse.
Na ocasião, a editora-chefe do Eater, Amanda Kludt, chamou a decisão de "insulto", já que as pessoas não deveriam estar em uma categoria diferente. Mulheres são pessoas. Pessoas são chefs", vociferou.
![A chef curitibana Manu Buffara também foi premiada na edição deste ano do 50Best A chef curitibana Manu Buffara também foi premiada na edição deste ano do 50Best](https://conteudo.imguol.com.br/c/entretenimento/79/2020/08/14/receita-de-familia---manu-buffara---berinjela-apimentada-1597443933458_v2_750x1.jpg)
Anos depois, o prêmio tentou dar um sopro de equidade ao ranking ao comprometer-se com um equilíbrio de gênero 50/50 entre seus votantes.
Também decidiu encorajá-los a "explorar uma mistura diversificada de restaurantes durante as suas viagens e a levar em consideração questões de representação em seus votos".
São 1.040 os votantes dos 50 Best que, segundo a direção, estão simetricamente organizados entre homens e mulheres.
Talvez a decisão tenha mesmo feito efeito: há cada vez mais mulheres no prêmio, também, incluindo as categorias especiais. Ainda sobre o Brasil, o prêmio de Restaurante Mais Sustentável foi para o Manu, da curitibana Manu Buffara.
Newsletter
BARES E RESTAURANTES
Toda quinta, receba sugestões de lugares para comer e beber bem em São Paulo e dicas das melhores comidinhas, de cafés a padarias.
Quero receberNewsletter
OLHAR APURADO
Uma curadoria diária com as opiniões dos colunistas do UOL sobre os principais assuntos do noticiário.
Quero receberTássia Magalhães (Nelita), Luana Sabino (Metzi) e Helena Rizzo (Maní) foram as outras mulheres à frente dos restaurantes vencedores na lista deste ano.
![O restaurante da chef Helena Rizzo entrou na lista dos 50 melhores da América Latina O restaurante da chef Helena Rizzo entrou na lista dos 50 melhores da América Latina](https://conteudo.imguol.com.br/c/entretenimento/fd/2021/03/26/helena-rizzo-fala-sobre-estreia-no-masterchef-br-1616801765516_v2_750x1.jpg)
Mas se sairmos da bolha dos prêmios, a realidade é muito diferente. Apenas 7% das cozinhas profissionais dos estabelecimentos mais renomados do país são comandados por mulheres, segundo pesquisa do site especializado "Chef's Pencil".
A média mundial é bem parecida, com algumas pequenas variações: na Espanha, elas representam 11% das cozinhas mais concorridas. Na Holanda, apenas 1%.
Um quarto dos chefs que comandam cozinhas profissionais é mulher, mas apenas 6% delas atingem o topo de suas categorias comparadas aos homens.
Claro que há o que celebrar: hoje há mais mulheres nos palcos dos prêmios, nas capas de revistas, e até entre os júris dos reality shows, algo que seria quase impensável anos atrás.
![Paola Carosella durante a final do MasterChef Brasil: mais visibilidade feminina Paola Carosella durante a final do MasterChef Brasil: mais visibilidade feminina](https://conteudo.imguol.com.br/c/entretenimento/d6/2019/08/25/paola-carosella-centro-durante-a-final-do-masterchef-brasil-1566774943652_v2_750x1.jpg)
Mas achar que isso já seria o suficiente é no mínimo absurdo, principalmente se pensarmos que elas são a grande maioria nas cozinhas de casa.
Enquanto quase 96% delas cozinham, servem a comida e lavam a louça em casa, apenas 62% dos homens fazem a mesma coisa, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra Domiciliar (Pnad).
A relação entre as mulheres e a alimentação está profundamente enraizada ao longo da história. As mulheres eram as coletoras dos grupos nômades, detendo o conhecimento do que era comestível e onde encontrá-lo.
Nos restaurantes, elas sempre representaram metade da força de trabalho, mas nem sempre recebem o reconhecimento e o apoio que merecem.
Através de certas organizações, recursos, agentes de mudança e pressão social, a indústria da restauração finalmente está a se transformar em espaço mais seguro e inclusivo para as mulheres.
![Elas sempre representaram cerca de metade da força de trabalho, mas nem sempre com o reconhecimento Elas sempre representaram cerca de metade da força de trabalho, mas nem sempre com o reconhecimento](https://conteudo.imguol.com.br/c/entretenimento/60/2020/04/02/cozinha-de-restaurante-1585831761690_v2_750x1.jpg)
Elas já representam números iguais (ou até maiores) nas escolas de cozinhas, ainda que consigam atingir posições de chefia com mais dificuldade — apenas 20% delas chegam a subchefs, chefs de seção ou chefs de cozinha.
Também há uma elevada porcentagem de milhares que declaram terem trabalhado em restaurantes em algum momento de sua vida: 60% delas, em cargos de recepção, atendimento, bar ou até cozinha.
Por isso, ainda é desalentador que apenas 10% desse número (ou 6,3% do total, para sermos exatos), cheguem a chefiar uma cozinha.
Os prêmios, pelo menos, querem mostrar uma possibilidade de mudança no horizonte. Tomara que eles consigam ser capazes de representar alguma ideia de realidade.
Deixe seu comentário