Rafael Tonon

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Opinião

Com preços exorbitantes, hype do panetone não tem nada a ver com sua origem

No Brasil, panetone é tanto uma tradição quanto na Itália — ainda que guardadas algumas boas décadas de separação.

Era natural que em um país que recebeu tanta imigração de italianos tivesse um dos símbolos da alimentação daquele país como um prato onipresente também por aqui.

Mas, na última década, o clássico do Natal ultrapassou as fronteiras italianas — e de suas raízes — para ganhar um perfil global.

Em países em que o panetone era um capricho de um padeiro mais dedicado, virou produto de supermercado. França, Portugal, Singapura, Austrália: ele está por todos os lados.

Da compulsão brasileira para criar os mais diversos sabores (doce de leite, brigadeiro, goiabada — e a nossa imaginação fértil não é um limite) a versões como os feitos com borras de saquê no Japão, o panetone virou uma obsessão.

Panetone da Moschino
Panetone da Moschino Imagem: Divulgação

Tão grande que pode custar mais de uma centena de dólares a depender dos ingredientes ou da assinatura que leva. Marcas como Gucci e Moschino criaram suas versões aproveitando a moda do pão doce em forma de cúpula para surfar no hype.

A última virou uma versão exclusiva em em parceria com a grife de pastelaria Martesana, que leva avelãs do Piemonte, casca de laranja italiana, passas e baunilha do Taiti (e que custa quase R$ 400).

O panetone da Gucci foi elaborado em parceria com a grife de pastelaria Martesana
O panetone da Gucci foi elaborado em parceria com a grife de pastelaria Martesana Imagem: Divulgação
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Nos últimos anos, tentou-se criar essa imagem de sofisticação do panetone. Chefs também entraram no movimento: a versão do chef Niko Romito (do restaurante homônimo com 3 estrelas Michelin) é uma prova.

Com massa fermentada proveniente da fermentação de uvas, farinha de trigo, gema de ovo caipira, bagas de baunilha Bourbon, mel Sulla e laranja cristalizada artesanal, leva uma emulsão orgânica de amêndoa siciliana que substitui parte da manteiga e que confere notas florais à receita.

O chef Niko Romito, com estrelas Michelin, também criou seu panetone de luxo
O chef Niko Romito, com estrelas Michelin, também criou seu panetone de luxo Imagem: Reprodução

Tudo isso tem ajudado a dar ao clássico italiano essa aura luxuosa e exclusiva. A própria lenda de sua origem tem raízes nobres.

A história dissipada pelo mundo diz que nos idos de 1495, durante um banquete de Natal oferecido pelo Duque de Milão, a sobremesa principal queimou.

Um jovem cozinheiro, chamado Toni, criou um rico pão brioche, recheado com passas e frutas cristalizadas. O duque adorou e assim teria nascido a tradição do 'Pane di Toni'.

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Mas, mesmo que faça sentido, essa versão não tem muito respaldo histórico. O que se diz é que o panetone era um pão doce em forma de cúpula com miolo macio e dourado brilhante, perfumado e cravejado de frutas açucaradas.

Panetones recheados vieram com o tempo: no início, era apenas a massa e frutas cristalizadas
Panetones recheados vieram com o tempo: no início, era apenas a massa e frutas cristalizadas Imagem: Divulgação

Feitos para celebrar uma data especial, ganharam ingredientes nobres como manteiga e ovos, farinha e açúcar refinados, especiarias da Ásia e frutas em conserva do Mediterrâneo.

O chocolate foi adicionado posteriormente na mesma altura que ingredientes regionais como limão na costa de Amalfi e avelãs no Piemonte se tornaram parte das receitas.

Mas alguns historiadores defendem que, antes do século 20, o panetone era um pão fino e duro recheado apenas com um punhado de passas, que conferiam um sabor distinto à receita.

No princípio, ele só era consumido pelos pobres e não tinha, até então, ligação com o Natal. O panetone como o conhecemos e consumimos hoje é uma invenção industrial.

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Foi na década de 1920, no entanto, que Angelo Motta, dono da indústria de Motta, apresentou uma nova receita de massa e deu início à "tradição" do panetone em formato de cúpula, logo copiado na Itália e, depois, no mundo inteiro.

Nem sempre o panetone este relacionado ao Natal
Nem sempre o panetone este relacionado ao Natal Imagem: Getty Images/iStockphoto

As padarias passaram a fabricar suas versões artesanais para atrair consumidores em busca de algo mais nobre que representasse o Natal — como a mirra, o incenso e o ouro oferecidos pelos Reis Magos.

"Depois de uma bizarra viagem ao passado, o panetone finalmente se tornou o que nunca havia sido: um produto artesanal", escreve Alberto Grandi, conhecido como um destruidor de mitos da cozinha italiana, no seu livro "Denominazione di Origine Inventata" (Denominação de Origem Inventada), publicado em 2018.

Grandi, criticado duramente em seu país, diz apenas que quer trazer luz para a origem de alguns alimentos e mudar a forma com que seus patriotas falam de suas receitas.

Uma tentativa, segundo ele, de dar uma certa nobreza a um passado histórico de fome e privação, que determinou a forma com que a própria cocina italiana foi criada.

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Comercialmente (como em muitas "tradições" inventadas por comerciantes), o panetone tornou-se um símbolo nacional — e agora mundial — do Natal.

Pães doces extravagantemente embrulhados com fitas, vendidos em caixas de luxo com ingredientes exclusivos. Isso não tem nenhuma relação com a criação do panetone e da sua ligação ao natal.

A única, talvez, seja a origem humilde que tanto a sobremesa convertida em iguaria global como menino que celebramos no dia 25 carregam.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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